O maior desafio em discussão em Minas se concentra na forma de se tirar o Estado da falência e de uma contumaz queda das atividades econômicas. Um desafio inglório como fritar uma omelete sem quebrar os ovos que já foram consumidos.
Uma dívida monstruosa, embrulhada numa teia de regras constitucionais que garantem sua intocabilidade e negam a possibilidade de promover ajustes. Na realidade, de corrigir privilégios e garantir direitos à população carente de educação, saúde e infraestrutura pública.
Apenas a normalidade de um país democrático e responsável.
O PIB mineiro encolheu em cinco anos mais de 20%. E não parou; no primeiro semestre de 2019 teve mais um resultado negativo, de 0,7%, enquanto o do Brasil cresceu 0,4%. Pesou aqui o desastre da Vale, mais um, que consolida um problema crônico no Estado, está mais difícil aqui que fora.
Erros do passado destruíram os cofres de Minas. A herança que colheu Romeu Zema é terrível, e a mesma herança bateu nos municípios, que, sem aviso, tiveram sequestrados alguns bilhões de reais “constitucionais” de ICMS, IPVA, repasses de saúde e educação.
Não é por nada que a saúde aparece em todas as sondagens como o maior problema citado pelos entrevistados em Minas. São centenas de milhares de cirurgias aguardando na fila, e ainda são cruéis as lutas para se conseguir uma internação.
O Estado não é pobre, transborda de riquezas inexploradas e inutilizadas. Suas reservas naturais são de valor incalculável e se confrontam paradoxalmente com a situação de sufoco.
Uma gestão atenta, que adotasse um mínimo de competência e responsabilidade, deixaria Minas não na lanterna, mas no vértice do desenvolvimento nacional. O que vivemos é o resultado do passado.
Impressiona a falta de atitudes coletivistas dos “comandantes” que mantiveram as rédeas do Estado sem imaginar que iria à falência e desperdiçando tempo e oportunidade para transformar as riquezas naturais em empregos, renda e receita pública.
Minas tem em seu patrimônio as maiores jazidas do planeta de minério ferroso, ouro, pedras preciosas, nióbio e lítio, terras generosas na produção de café de qualidade, leite, derivados de cana-de-açúcar, e, ainda, produz gusa, aço, celulose e madeira reflorestadas.
O que carece é produzir lideranças públicas e políticas à altura da responsabilidade. Prefere-se aqui apaziguar os escalões mais altos com rendas incompatíveis com a receita do Estado, dez vezes superiores às de um país escandinavo. As razões da ineficiência e da miséria, da falência são evidentes quanto resistentes.
A visão curta e deformada – indulgente com interesses inconfessáveis –, ainda invisível ao olho do cidadão normal, caracterizou o passado independentemente dos partidos e suas bandeiras.
Minas deixou que a Vale (inicialmente do Rio Doce) se mudasse para o Rio, não compensasse as consequências da extração nas cidades e nas regiões que lhe renderam ganhos trilionários. Como mostra a cineasta Petra Costa, filha de Marília Andrade, da Andrade Gutierrez, em seus filmes autobiográficos de sucesso, “Democracia em Vertigem” e “Elena”, o mineiro rico pra valer, revolucionário “caviar e champanha”, compra apartamentos fantásticos em Paris e Nova York, para não ver seus executivos depredarem o Brasil.
Os xeiques árabes construíram cidades e obras fantásticas em sua terra, os xeiques mineiros a deixaram vampirizadas e arrasada. O DNA das elites locais é perverso.
A Vale é uma demolidora de Minas; antes mesmo de acabar com o rio Doce e o Paraopeba, a VLI (Valor da Logística Integrada), sua controlada, assumiu a obrigação, em 2013, de investir R$ 1,1 bilhão na melhoria dos locais atingidos pelas ferrovias que explora. Venceu o prazo em outubro de 2018 sem se realizar uma só obra.
As colisões com veículos, os atropelamentos de pessoas com seguidas mortes se repetem, assim como as quedas de barragens. Perdas de vidas não sensibilizam seus diretores, eles têm a garantia da impunidade. Não corresponde sensibilidade social, bem por isso o estrago é incalculável. Os diretores da Vale são remunerados pelos ganhos gerados, e as vidas perdidas fazem pouca diferença.
Quem deveria estar defendendo a população?
Minas Gerais corre atrás da recuperação de verbas que perdeu com a Lei Kandir, cerca de R$ 135 bilhões, dos quais R$ 50 bilhões aos municípios. E isso é bom, mas é improvável que uma União quebrada consiga pagar o que deve.
Os verdadeiros avanços são aqueles salgados pelo suor – deixando a salvo os indefesos da usurpação de seus direitos. Estimulam-se a economia e o empreendedorismo, do micro ao médio. Respeita-se e se dá ordem aos serviços públicos, adotam-se os critérios de meritocracia, de amparo e fomento nas atividades produtivas (veja a China, maior potência mundial), as garantias e previsibilidade jurídicas, estinguem-se privilégios injustos bancados com receitas públicas.
Em tudo isso ainda está faltando uma reforma da moralidade vigente, de uma postura soberana do Estado, que assegure minimamente compensações, investimentos sociais e reinvestimentos geradores de oportunidades de trabalho aos milhões de desempregados de Minas.