FOTO: Bruna Brandão/Divulgação |
Momento do duelo de vogue realizado na edição do ano passado do BH Vogue Fever |
Depois de virem aqui, a “House of Keller”, da qual Martha faz parte, organizou o primeiro baile do Chile. “Conhecemos gente que gostava das coisas que aqui no Chile ninguém compreendia além de nós. Mesmo falando uma língua diferente da de vocês nós falávamos o idioma do vogue, que é universal”, diz. “Isso nos fortaleceu porque levamos tudo que havíamos aprendido para compartilhar com a galera daqui. Já organizamos vários bailes depois, vamos voltar este ano e sonhamos com o dia que nossos amigos brasileiros virão dançar com a gente”.
Atrações internacionais
Lasseindra Ninja Nascido no sul da França, Xavier Barthelemi tem 30 anos e é responsável pela criação da cena de Vogue de Paris. Se apresenta no vogue como Lasseindra, membro da House of Ninja, de Nova York, onde conheceu a dança aos 15 anos. Protagoniza a batalha de vogue mais vista do Youtube, contra Inxi Moon, com cerca de 3 milhões de visualizações.
Dashaun Wesley Um dos dançarinos de vogue mais famosos da atualidade, foi alçado à popularidade internacional depois de sua participação no programa “America’s Best Dance Crew”, da MTV. Participou também do corpo de baile da recém-terminada turnê ANTi, da cantora Rihanna. É famoso também como ‘commentator’, aquele que faz as rimas enquanto a batalha acontece e o fará em BH.
II BH Vogue Fever
Workshops com Archie Burnett, Lasseindra Ninja e Dashaun Wesley. Qui. (17), das 19h às 22h15; sex. (18), das 15h às 18h30; e sáb., das 9h30 às 13h. R$ 370 (pacote, lote 2), R$ 200 (dia avulso). Academia A2 (r. Guaicuí, 660, Luxemburgo).
Muito além de movimentos
Mais do que uma modalidade de dança, o vogue é uma forma de resistência. As pessoas envolvidas com sua criação viviam à margem da sociedade. Eram, na maioria, gays ou transexuais, negros e latinos. Por isso, seus locais de sociabilidade eram bastante restritos, e os espaços da “ballroom scene” nova-iorquina eram os únicos em que eles podiam existir livremente.
É por isso que o fato de Belo Horizonte absorver uma cultura como essa representa mais do que pode parecer. “Acho fantástico que isso aconteça logo no nosso Estado, terra da ‘tradicional família mineira’, onde ainda há muito conservadorismo. Porque o vogue é esse berro, essa vontade de se expressar e de exigir respeito”, afirma Tetê Moreira, dançarina do trio Lipstick.
Por conta disso, a dança se apresenta como uma manifestação inclusiva, como explica a professora de dança do departamento de educação física da UFMG Isabel Coimbra. “Ela trabalha com a autoafirmação, porque não está preocupada com tipo físico, etnia, questões de gênero. Cabem o gordo e o magro, o negro e o branco, o gay e o hétero”, diz. “Me lembra muito o que disse o filósofo Roger Garaudy, sobre a dança ser um estilo de vida, um modo de viver”.
Na medida em que as pessoas podem simplesmente ser o que são, a professora acrescenta, há espaço também para o exagero. “É como se o raciocínio fosse ‘eu posso ser isso, então, serei mais ainda’. Daí surgem os movimentos exagerados com os braços, os tombos, e isso acaba fazendo com que eles desenvolvam muito as técnicas corporais, que são necessárias pra que os dançarinos se joguem no chão sem se machucarem, por exemplo”, afirma.
Ferramenta
Num país em que as desigualdades sociais são tão evidentes como o Brasil, o vogue se torna uma ferramenta ainda mais potente. “Em qualquer lugar onde haja injustiças, preconceito e violação dos direitos humanos, há trabalho a ser feito. E se um estilo de dança pode juntar pessoas sob o guarda-chuva do entretenimento e da alegria, a mudança já está acontecendo. Não precisa ser imediatamente e, em geral, mudanças sociais levam um longo tempo, mas já está mudando”, observa o dançarino e professor nova-iorquino Archie Burnett.
O autônomo Lázaro dos Anjos, 23, sente isso na pele. Interessado por vogue desde os 12 anos, quando assistiu ao documentário “Paris is Burning”, se surpreendeu positivamente ao encontrar outros praticantes do estilo na Virada Cultural de 2014. Daquele momento em diante, parou de dançar só em casa e se tornou frequentador assíduo dos duelos e um dos concorrentes com mais vitórias.
“Eu costumo ter muitas ideias, mas não tomo iniciativa, sou muito travado. Mas decidi que queria mudar e fui. Uma das minhas memórias mais vivas são a forma como me senti incluso”, lembra. “Por isso, não acho que os eventos de vogue em Belo Horizonte são simplesmente de dança, são grupos de diversidade”.
Ele, que é gay e já sofreu uma tentativa de assassinato só por estar na rua usando uma saia, chama atenção para os espaços de acolhimento que são criados. “Eu sou uma pessoa normal como qualquer outra, mas não tenho dias normais. Tenho dificuldade de encontrar emprego, preciso lidar com os olhares, risadas, agressões. Até o ato de ir à padaria é difícil para mim. Mas no vogue eu me sinto à vontade. As pessoas não olham pra mim com reprovação, mesmo se eu estiver de salto, peruca e maquiagem. Lá, quem estiver incomodado é que tem que sair”, diz.
Abrasileirado
Embora beba direto da fonte original, o vogue brasileiro tem suas especificidades, como observa o jornalista e um dos editores do site BH is Voguing Pedro Nogueira. “Como tudo o que fazemos aqui, absorvemos de uma maneira mais despretensiosa. Temos liberdade de fazer misturas, ainda que busquemos muito acessar a fonte original e dominar bem a técnica, também fazemos com leveza, com uma outra criatividade típica do brasileiro”, comenta.
Em Recife, por exemplo, Nogueira diz ter conseguido perceber influências do frevo no modo das pessoas dançarem. “Em BH, eu percebo que as pessoas não têm medo de duelar sem saber a técnica. Se souberem fazer o que chamamos de ‘pombagirismo’ e estiverem com um look legal já é suficiente”, diz.
A própria proposta da festa Dengue tem a ver com experimentalismo, como assinala seu criador Guilherme Morais. “A gente preza mais por isso do que pela competição em si ou realmente saber quem é melhor ou pior”, afirma.
O vogue fora do nicho
Clipes Além do icônico “Vogue”, de Madonna, outras cantoras incluíram a dança em seus videoclipes. Willow Smith, em 2010, trouxe o vogue no vídeo de “Whip My Hair”. Azelia Banks e Fergie fizeram o mesmo, e até a banda indie Pillar Point convidou a artista Kia Labeija para estrelar o clipe da música “Dove” dançando vogue pelas ruas de Bogotá. A própria Madonna revisitou a dança na apresentação que fez durante a entrega do prêmio Brit Awards, em 2015.