COPA 2018

Tudo por uma figurinha

Às vésperas do Mundial da Rússia, colecionadores correm para completar seus álbuns

Por Patrícia Cassese
Publicado em 19 de maio de 2018 | 03:00
 
 
 
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Entre os vários rituais que envolvem a feitura de um álbum de figurinhas, um dos mais rápidos é o de colar os cromos. Mas é preciso salientar: nem sempre foi assim. Se hoje as figurinhas são autocolantes, no passado, para ser concluído, não raro o processo contava com a boa vontade de alguém disposto a ligar o fogão para, farinha de trigo em mãos, preparar a cola de grude. O valadarense Walderez Ramalho é um dos que se recordam desse tempo, bem como do nome da cola que, mais adiante, adentrou o mercado para facilitar a vida: “Tenaz. Não esqueço”, diz ele, que, aos 57 anos, debruça-se sobre mais um álbum. 

Um doce para quem pensou no álbum oficial Copa do Mundo 2018 Panini. A editora italiana, aliás, reconhece: “O Brasil está em primeiro lugar entre todos os países que consomem o álbum oficial 2018 e, em segundo, está a Alemanha”, confirma a assessoria de imprensa da marca no Brasil. Já há alguns anos, Walderez divide o entusiasmo de ir preenchendo espaço por espaço com o filho, o engenheiro Arthur Ramalho. 

No caso, temos dois adultos em cena, mas vale destacar que outro público ávido em ingressar nesse hobby é o infantil. E se não há estudos científicos para explicar o fenômeno, teorias se incumbem de dar algumas pistas. “Para as crianças, é a possibilidade de se sentir participando de um evento que para elas talvez seja inédito, mas cuja importância podem perceber por todo o clima de expectativa visto nos adultos e na mídia”, arrisca-se o estatístico Marcelo Arruda, nome por trás do blog Chance de Gol.

“Além disso, há a questão de se sentir participando do seu grupo de convívio: se todo mundo coleciona, acabo aderindo, para não me sentir deslocado”, prossegue ele, acrescentando que há, ainda, o lado do contato com coisas diferentes e “exóticas”. “Embora nos dias atuais a Internet e a TV por assinatura façam com que o mundo seja muito menos desconhecido que 20, 30 ou 40 anos atrás, ainda é uma experiência interessante você ter em mãos uma informação ou imagem de um jogador do Irã, do Panamá, da Tunísia...”.

Já no caso de jovens e adultos, Arruda adiciona outros fatores, como o fato de a Copa ser um evento que ocorre a cada quatro anos. “Além de criar um clima de expectativa que faz com que qualquer coisa relacionada ao assunto desperte interesse, gera o que se poderia chamar de ‘segundo nível’ do colecionismo: o interesse passa a ser não especificamente colecionar as figurinhas, mas sim o álbum, para que o da Copa atual se junte aos das anteriores que já preencheu e tem guardados”.

Involuntariamente, Arruda poderia estar aludindo a Lucas Rafael Marinho Peixoto. Com apenas 22 anos, o amazonense herdou várias raridades da família – e tratou de agregar outros itens ao acervo pelo qual já recebeu até ofertas. “Teve uma que até me balançou”, confessa ele, que, no entanto, acabou declinando. Na memorabilia de Lucas, um dos destaques é o álbum da Copa de 1962, que ganhou do avô. “Já da minha mãe ganhei o de 94. Mas o primeiro de Copa que fiz foi o de 2002 – e, inclusive, não completei”, reconhece, rindo.

Arthur Ramalho é apenas um pouco mais velho que Lucas – tem 27 anos – mas também foi contaminado pelo “vírus dos álbuns de figurinhas da Copa”. “Desde novo meu pai mexe com futebol e, assim, me apaixonei pelo esporte. E veio a paixão pelos álbuns de figurinhas. O primeiro que tivemos junto e que me vem à memória é o do Campeonato Brasileiro de 1998. Mas meu xodó é o da última Copa, a de 2014, por ter sido aqui, no Brasil. Foi muito bom ter a Copa em nosso país”.

Pai de “Tunico”, como Arthur é conhecido, Walderez divide sua predileção por vários exemplares – no caso do álbum da Copa de 1982, ele conta que chegou a ficar com o maxilar doendo de tanto mastigar chicletes. Sim, acertou quem deduziu que as figurinhas acompanhavam uma certa marca de goma de mascar. “No caso dos que a gente colava, o bacana era que o álbum chegava fino e acabava ganhando volume justamente por causa da cola”.

Mas para ele, o pulo do gato da iniciativa deveria ser dividido em vários pilares. “A expectativa de encontrar a figurinha esperada, a socialização viabilizada pela troca, a questão de a pessoa batalhar pelo objeto, negociar (‘troco X, pago Y) – mas nunca a preços exorbitantes. E tudo num clima familiar, tranquilo... Você entrega o seu bolo de figurinhas e as pessoas te devolvem direitinho. Além disso, não discrimina idade ou classe social”, entende ele, que, no dia da entrevista ao Pampulha, estava ao lado de um ex-jogador que, curiosamente, já “foi” figurinha: Carlinhos Sabiá.

Hoje aos 59 anos e atuando como empresário (de jogadores de futebol), o craque (que jogou principalmente pelo Cruzeiro) confirma o ditado “casa de ferreiro...” ao reconhecer que não guardou nenhum exemplar das várias figurinhas que foram publicadas com seu rosto, nos álbuns de campeonatos. “Acho interessante, mas não guardei. Mas alguns amigos meus têm”.

Vale ressaltar que Sabiá já foi uma “figurinha carimbada”. Aos que lembraram da expressão homônima, sim, a origem é essa, embora o sentido tenha sido, com o tempo, deturpado. As figurinhas carimbadas eram as mais raras, ao contrário do que hoje o uso do termo sugere (algo como “arroz de festa”). O correspondente atual, lembra Walderez, são os cromos dourados.

Lazer com aprendizado

Álbum da Copa Coleção pode transmitir noções de organização, convívio e de matemática

Pegou mal. No último dia 4, um vídeo flagrando assessores parlamentares trocando figurinhas do álbum da Copa do Mundo da Rússia durante uma sessão na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) acabou viralizando na web. Os dois foram exonerados. 

Em contrapartida, foi justamente ao flagrarem alunos trocando figurinhas na sala de aula que alguns professores optaram por aproveitar o hobby para repassar conteúdo didático. Recentemente, o jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou professores das mais distintas áreas – português, educação física – que se valem do interesse pelos álbuns para transmitir noções de educação financeira ou mesmo interpretação de texto. 

A pedagoga Carla Fernanda Abreu Lopes, 35, é uma das que viram in loco esse aproveitamento involuntário. Graças ao afã de completar o álbum, Kauã, seu filho caçula, de 7 anos, passou a se inteirar dos números centesimais. “Ele sabia os números até a casa da dezena, agora, está começando a reconhecer os da centena”. Não só. O primogênito, Juliano, 16, aproveita para repassar ao irmão algumas noções de organização – no caso, necessárias para que ele tenha agilidade na hora de ir aos locais de troca das figurinhas.

“A coleção é uma forma de entretenimento, de lazer, é uma arte que provoca fascínio, admiração e cuidado do colecionador com aquilo que realiza. Com a coleção, podemos aprender a organizar distinguindo o que falta, o que já se tem e ainda o que temos repetido. Assim, podemos classificar, seriar e quantificar as cartinhas. Brincando, as crianças aprendem com prazer”.

O pesquisador Marcelo Arruda acrescenta: “Dependendo da iniciativa, permite ao colecionador aprender, ainda que indiretamente, muitas coisas interessantes como, no exemplo do álbum da Copa, informações sobre os países participantes e a história da competição”. Além disso, prossegue, quem quer levar uma coleção até o final acaba forçosamente tendo que aprender e/ou exercitar organização. “Tanto para manter um registro das figurinhas que faltam e das repetidas que possui quanto para conservar o produto – pois não adianta você ter um álbum completo se ele estiver todo rasgado, amassado etc”. 

Não bastasse, ele pondera que a feitura de um álbum ainda possibilita noções de socialização, necessárias “para poder abordar outras pessoas, que não necessariamente são da sua roda de contatos do dia a dia, e efetuar as trocas”.

O jornalista Levy Guimarães ratifica: “Quem é tímido, como eu, acaba perdendo a vergonha de abordar as pessoas. Em um momento de tanta divisão no país, é legal ver que algumas coisas ainda despertam sentimentos bons e de forma mútua nas pessoas”.

E são vários os pontos de troca na cidade – alguns surgem espontaneamente, em frente a bancas de revista, outros foram instalados em shoppings, como o Pátio Savassi, Diamond ou Cidade.

Em prol dos animais

Uma função não imaginada para os álbuns de figurinhas foi dada por um dos mais conhecidos protetores de animais da cidade, Franklin Oliveira. Com o advento da Copa, ele viu seu negócio – a banca de revistas situada na avenida Brasil, em frente ao teatro da Maçonaria – tomar impulso. Com isso, consegue amortecer as despesas diárias com os cerca de cem animais, entre cães e gatos, que abriga. Ou seja, nesse caso, as figurinhas ganharam uma nobilíssima finalidade.

No entanto, há alguns dias, Franklin passou um susto e tanto. No último dia 12, ele esqueceu sua mochila em um táxi que pegou por meio de um aplicativo. Ocorre que, dentro dela, estavam nada menos que 200 figurinhas da Copa. 

Desesperado com o que a perda poderia gerar para os animais, Franklin foi às redes sociais. O compartilhamento fez com que o post chegasse até o motorista, Vinicius dos Santos, que fez questão de ir pessoalmente à banca de Franklin levar a mochila – e, claro, as figurinhas. 

Prepare o bolso

Mas nem tudo são flores, ou melhor, figurinhas douradas, no universo dos cromos. Completar um álbum de figurinhas exige, claro, investimento. O pesquisador Marcelo Arruda fez as contas: segundo ele, se o torcedor não trocar nem encomendar as faltantes para a editora, terá um gasto aproximado de R$ 1.937,69. 

Levy Guimarães não chegará a tanto. “Neste ano, já devo ter gasto mais de R$ 300, faltando pouco mais de 30 figurinhas para completar. Mas vou comprar o resto pelo site da Panini, não compensa mais comprar pacotinho”. As trocas seriam outra opção, “quando se juntam crianças, adultos e idosos”.

“Nos pontos de troca, todos se ajudam, tratam todo mundo do mesmo jeito. Rola uma identificação de perfis”. Mas o jornalista lembra que, no geral, o colecionador só troca um cromo brilhante por outro similar, e o comum por comum. “Sigo isso também. Alguns chegam a pagar R$ 2, R$ 3, R$ 4 a outros colecionadores por uma mais rara, mas não gosto. Comprar, só estando muito perto de completar o álbum”.

Aplicativos

Tendo tido o vírus do colecionismo inoculado involuntariamente pelo enteado, Guillermo Rivera, 39, funcionário do Ministério das Relações Exteriores e também pesquisador de futebol, lembra o atual auxílio luxuoso dos aplicativos (como o Panini Collector e Figurapp) e o suporte das redes sociais. “Não precisa mais o caderninho ou a folhinha com as repetidas listadas. Os grupos de whatsapp também facilitam”, diz ele, que não se furta a ir nos pontos de troca presencialmente. “É um escambo divertido. Agora, devo dizer que também saio perdendo muito, pois acabo dando as minhas repetidas para sobrinhos e amigos”, diverte-se

Curiosidades sobre os cromos

Montante Das 682 figurinhas previstas para completar o álbum, 50 delas são “especiais”.

Números Segundo a Panini, cerca de 8 milhões de pacotes de cromos são produzidos por dia na fábrica em Barueri (SP), o que dá um total de 40 milhões de figurinhas diárias.

Parceria A edição deste ano é a 13ª produzida ininterruptamente pela Panini, que tem parceria com a Fifa desde 1970

Inflação O pacote de figurinha custa R$ 2, o que representa um aumento de 100% em relação ao preço praticado em 2014. Como comparação, o jornal “O Estado de S. Paulo” lembrou que a inflação oficial do país no período ficou na casa dos 28%.

 

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