O que era para ser apenas uma passagem por uma livraria se tornou algo maior na vida do ator, diretor e dramaturgo Gustavo Paso. Tanto que o fatídico dia, no final do ano de 2014, se impõe em detalhes nas lembranças do carioca. Meio sem querer, recorda, ele ouviu a conversa de duas vendedoras. Elas falavam do espanto que o livro “No Oco da Avelã” (Ed. SM), de Muriel Mingau, havia despertado nelas e comentavam achar inadequado que uma publicação infantil abordasse a morte. Interessado, Paso entrou na conversa e saiu do lugar com a obra debaixo do braço.

“Li e vi que o livro é inspirado em uma história popular, sem autoria, uma fábula oral da Escócia do século XI”, lembra o artista, que se viu hipnotizado pela narrativa que pensava a morte como parte integrante e essencial da vida. Com a história em mente, Paso construiu o texto do espetáculo “Casa Caramujo”, que chega a BH no domingo (23), em apresentação única no Sesc Palladium.

O envolvimento com a obra foi tamanho que, além de assinar o texto, Paso também é diretor da peça. Afinal, a leitura foi especialmente impactante para o diretor e dramaturgo, já que, quando travou contato com a fábula, fazia menos de um ano que havia lidado com a falecimento de seu pai. “Mesmo adulto, essa estória me disse coisas que ninguém havia dito”, comenta.

“Na cultura latino-americana a morte é insuportável, um assombro. Com essa fábula, eu comecei a entender melhor e, por isso, aceitar essa que é a única certeza de nossas vidas”, reflete ele, que, imediatamente, passou a querer levar essa nova perspectiva para mais e mais pessoas.

Em cena, o público assiste à saga de Jonas, que vê sua mãe adoecer e, temendo perdê-la, enfrenta a morte e aprisionando-a em uma casa de caramujo. Quando o personagem volta para casa, encontra sua mãe saudável, mas, paralelamente, ele e os vizinhos notam que já não conseguem mais colher frutos, legumes, verduras ou pescar. O aprisionamento da morte, afinal, quebra o ciclo da vida. Por isso, o menino e o caramujo buscam libertá-la e restabelecer a ordem natural do mundo.

Reconhecimento
Marcando o retorno da Cia Teatro Epigenia, do Rio de Janeiro, ao universo infantil, “Casa Caramujo” tem uma dramaturgia cuidadosa para evitar, justamente, o mesmo tipo de reação que Paso viu na livraria, ainda em 2014. “É um espetáculo que tem elegância, que trabalha um tema difícil de forma poética e tem suas pílulas de humor”, examina ele.

O formato, aliás, chama a atenção até de um público que se dispersa com mais facilidade. “É difícil prender a atenção de crianças e adolescentes, entre 10 e 16 anos. Mas como ali tem teatro negro, tem teatro de boneco, tem Pink Floyd... Conseguimos que essa parte do público também permaneça atenta”, comemora, avaliando que o esforço em pesquisa e criação, no fim das contas, valeu a pena.

Indicado a 23 premiações em diversas categorias e recebendo o Prêmio CBTIJ de Melhor Trabalho de Formas Animadas, em 2017, Paso frisa que, para o grupo, o maior orgulho vem do reconhecimento e sensibilização do público. Com especial carinho, eles guardam as palavras de uma mãe que, depois de perder o marido e pai de sua filha, levou a criança para assistir ao espetáculo e, juntas, encontraram no universo da fábula uma forma de dialogar, com certa leveza, sobre o luto pelo qual passavam.

Casa Caramujo
Sesc Palladium (r. Rio de Janeiro, 1046, Centro). Dia 23 (domingo), às 16h. R$ 20 (inteira).