O Brasil abriu 1,4 milhão de pequenos negócios só no primeiro trimestre do ano, segundo o Sebrae. Apesar da força que representam na economia, muitas dessas empresas convivem com uma ameaça: a ausência de um plano de sucessão.
Boa parte dos pequenos negócios no país foi construída com esforço pessoal de fundadores que, hoje, já passam dos 50 anos. Sem conselhos consultivos ou estruturas profissionais de gestão, essas empresas dependem diretamente de seus criadores. Mas o tempo corre, e muitos desses empreendedores ainda não sabem, ou não querem saber, o que fazer quando não puderem mais liderar o próprio negócio.
Em muitos casos, os filhos seguiram outros caminhos. Esse descompasso entre gerações produz um efeito devastador: negócios que sustentaram famílias inteiras, empregaram dezenas de pessoas e movimentaram economias locais estão sendo fechados ou vendidos a preços simbólicos. Simplesmente porque ninguém estava preparado para assumir o leme.
Quando a família interfere mais do que ajuda
O ambiente das empresas familiares costuma ser marcado por uma complexa rede de relações interpessoais. É comum ver pais que acumulam os papéis de fundadores, diretores e presidentes de conselho; filhos com funções gerenciais subordinados uns aos outros; e mães acionistas que, mesmo atuando fora da empresa, participam de decisões estratégicas.
Nesse cenário, as fronteiras entre o que é da família e o que é da empresa se tornam cada vez mais turvas. Regras de convivência, sentimentos antigos, disputas de poder e ressentimentos não resolvidos frequentemente se sobrepõem às necessidades do negócio. O resultado é um ambiente vulnerável, onde decisões são tomadas mais por afinidade ou conveniência do que por critérios técnicos.
Além disso, muitos fundadores ainda resistem em abrir mão do controle. A demora para iniciar o processo de sucessão acaba travando a modernização da gestão e afastando eventuais talentos — sejam eles da família ou não.
Gestão no improviso
A falta de preparo técnico também se reflete na gestão financeira. Em empresas de pequeno porte, é comum encontrar controles feitos em planilhas caseiras, onde se confundem fluxos de caixa com lucros, despesas pessoais com gastos do negócio e vendas à vista com recebíveis de meses anteriores.
Dividendos são retirados conforme as necessidades familiares e não com base nos resultados da empresa. Pequenas despesas em dinheiro não são registradas. O estoque é mal gerido. E o custo do produto é calculado apenas com base no volume comprado, sem considerar outros fatores. Essa desorganização compromete a competitividade e, em muitos casos, inviabiliza a própria continuidade da empresa.
Sem uma gestão profissional, o crescimento se torna limitado. Processos operacionais seguem informais, vulneráveis a erros e perdas. A liderança, muitas vezes concentrada em uma única figura, não se desenvolve. E os espaços para diálogo e inovação são sufocados pela cultura do “sempre foi assim”.
A sucessão que não vem
Mesmo quando há interesse de herdeiros, a transição costuma ser mal planejada. Os sucessores raramente são preparados para assumir responsabilidades aos poucos, com acompanhamento estruturado. Não há um processo de transferência gradual de conhecimento e liderança, o que torna a sucessão um salto no escuro — e não uma travessia segura.
A resistência em delegar, combinada à falta de governança e à centralização das decisões, empurra as empresas para um beco sem saída. Sem alternativas claras, restam dois caminhos: o encerramento das atividades ou a venda, quase sempre por valores inferiores ao potencial real do negócio.
Como evitar que o negócio morra com o fundador
Especialistas em planejamento empresarial apontam três alternativas principais para quem quer preparar a sucessão com responsabilidade. O primeiro passo é fazer um valuation — ou seja, entender o valor real da empresa. Com essa informação em mãos, o empresário pode decidir se deseja ofertar o negócio no mercado, buscar um investidor ou repensar a estratégia interna.
Outra possibilidade é terceirizar a gestão. Profissionais especializados podem absorver o “jeito” do fundador e garantir continuidade à operação. Esse modelo é especialmente eficaz quando a família deseja manter o controle societário, mas não tem interesse direto na operação.
Por fim, há o caminho das fusões e aquisições (M&A). Embora mais comum em empresas de médio e grande porte, esse modelo vem ganhando espaço também entre pequenos negócios que buscam proteção, escala ou sucessão.
Cada empresa tem sua particularidade — e cada família, sua dinâmica própria. Mas uma coisa é certa: a ausência de planejamento sucessório pode colocar a perder anos de trabalho, dedicação e patrimônio construído. E esse é um risco que nenhum empreendedor deveria correr.