Na TV, nas camisas dos times ou nas redes sociais, as “bets” e o “jogo de tigrinho” dominaram os espaços de publicidade. O orçamento das famílias pesa mais, mas os efeitos vão além de quem aposta. Até quem não joga sai perdendo. Com um volume financeiro que chegou a R$ 90 bilhões apenas no primeiro trimestre de 2024, o setor tem provocado um rearranjo no consumo da população, despertando a atenção de empresários, bancos e economistas.

Segundo o presidente do Assaí, Belmiro Gomes, os efeitos já são sentidos nas prateleiras. “Não tem como ter R$ 30 bilhões mensais e não ter impacto em consumo”, afirmou durante evento. Para ele, a queda nas vendas de alimentos não pode ser atribuída apenas à inflação ou ao cenário macroeconômico — há, segundo sua análise, um novo fenômeno em curso.

Dados do Banco Central divulgados em março corroboram a dimensão do mercado: mensalmente, entre janeiro e março, o setor de apostas online movimentou entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Em 2024, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimou que o varejo deixou de faturar cerca de R$ 100 bilhões em razão do redirecionamento de recursos das famílias para as chamadas bets.

A CNC calcula que, sem as apostas, o comércio poderia ter alcançado um crescimento ainda mais expressivo dentro do seu faturamento projetado de R$ 3 trilhões para 2024.

Endividamento gera efeito cascata na economia

Os impactos das apostas online não se limitam às grandes redes varejistas. O efeito cascata é perceptível em diferentes segmentos da economia. No setor alimentício, o chamado trade down — movimento em que o consumidor substitui marcas premium por alternativas mais baratas — tem se intensificado, ainda que outros períodos inflacionários no passado não tenham provocado o mesmo comportamento.

Na educação, relatos de estudantes que optaram por investir o dinheiro da matrícula em apostas ilustram uma mudança preocupante nas prioridades financeiras. Isso também ocorre no setor automotivo e farmacêutico, que registram quedas de consumo motivadas pela competição direta com o apelo das apostas esportivas.

A mudança no padrão de consumo também se reflete nos índices de inadimplência. Levantamento realizado pela Serasa mostra que 46% dos inadimplentes já realizaram apostas online. Entre eles, 44% o fizeram com o objetivo de quitar dívidas. O estudo aponta que 13% deixaram de pagar contas para apostar, enquanto 32% perderam mais do que ganharam.

Bancos passaram a reagir. O C6 Bank bloqueou o uso de cartão de crédito e cheque especial para apostas. Já Nubank e Bradesco adotaram medidas mais brandas, com alertas enviados via aplicativo no momento de transações com plataformas do setor.

Apostas online diminuem consumo e aumentam desemprego

Quando grande parte da população compromete sua renda com dívidas, especialmente com juros altos e de difícil quitação, como as de cartão de crédito ou empréstimos emergenciais, sobra menos dinheiro para o consumo. Isso reduz a demanda por produtos e serviços, o que pressiona as empresas — principalmente as pequenas — que dependem do giro constante de caixa para manter suas atividades.

Com menos vendas, o comércio desacelera e a indústria diminui a produção. Esse encadeamento afeta diretamente o mercado de trabalho. Sem crescimento ou com retração, as empresas evitam contratar ou até cortam postos de trabalho. O desemprego ou a insegurança no emprego, por sua vez, aumentam ainda mais o risco de inadimplência, alimentando um ciclo vicioso de retração econômica.

Outro ponto importante é o impacto sobre o crédito. Famílias muito endividadas têm menor acesso a novos financiamentos, e isso afeta setores que dependem fortemente do parcelamento, como o imobiliário e o automotivo. Além disso, os bancos passam a ser mais seletivos, com juros ainda mais altos, o que encarece o crédito para todos — mesmo para quem não está inadimplente. O risco percebido sobe, e o custo do dinheiro acompanha.

Por fim, há um efeito social de longo prazo. Quando famílias vivem no limite financeiro, crescem os níveis de estresse, adoecimento mental e evasão escolar. Em comunidades mais vulneráveis, o endividamento pode contribuir para o avanço de economias paralelas ou até do crime organizado.