Por Isadora Silva e Rodrigo Campelo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta terça-feira (15) a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil. No documento que oficializou o processo, não há a citação direta ao PIX, mas o texto deixa claro ao retratar “serviços de comércio digital e pagamento eletrônico”.
A medida foi tomada por meio da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, instrumento utilizado pelo governo americano para investigar práticas comerciais consideradas desleais por países parceiros. A ação é conduzida pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) e pode resultar em novas tarifas sobre produtos brasileiros.
De acordo com o USTR, o Pix estaria prejudicando a atuação de empresas americanas no setor de pagamentos, como Visa, Mastercard e American Express. A principal alegação é que a gratuidade e a instantaneidade do sistema brasileiro estariam comprometendo a competitividade dessas companhias.
WhatsApp Pay também é mencionado
A investigação também menciona como exemplo às barreiras impostas pelo Banco Central na época do lançamento do serviço WhatsApp Pay, meio de pagamento do aplicativo de mensagem da Meta, em 2020, como uma medida que teria favorecido o Pix em detrimento de outras soluções.
Durante o ocorrido, o Banco Central justificou sua decisão alegando que a ferramenta poderia gerar "danos irreparáveis ao sistema brasileiro de pagamentos, notadamente em relação à competição, eficiência e privacidade", negando que fosse para proteger o PIX da concorrência.
Além do sistema de pagamentos, a investigação também inclui outras frentes de análise. Entre os pontos citados estão as tarifas comerciais praticadas pelo Brasil, questões relacionadas à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o combate à pirataria e ações de controle do desmatamento.
A evolução do PIX
Desde seu lançamento, em 2020, o Pix se consolidou como um dos principais meios de pagamento do país. Segundo dados do Banco Central, o sistema possui atualmente 153 milhões de usuários e movimenta cerca de 3 bilhões de transações por mês. Em 2024, o Pix foi responsável por 47% de todas as transações no Brasil. Em contraste, apenas 6% da população utilizava dinheiro em espécie, percentual que era de 43% em 2019.
Nos Estados Unidos, diferentes soluções de pagamento digital coexistem, mas não há uma plataforma nacional obrigatória com adesão similar à do Pix. O FedNow, criado pelo Federal Reserve em 2023, foi inspirado no modelo brasileiro, mas possui adesão voluntária. O Zelle, operado por bancos privados, é atualmente o mais utilizado no país. Já o Venmo, mais popular entre o público jovem, é voltado para transferências pessoais e possui uma interface com recursos sociais.
A adesão obrigatória imposta pelo Banco Central do Brasil aos bancos nacionais foi um dos fatores apontados para o rápido crescimento do Pix, característica que contrasta com os sistemas americanos, onde a participação depende da iniciativa de cada instituição financeira. Segundo os argumentos apresentados pelo USTR, essa diferença estrutural teria criado um ambiente de competição desequilibrado no setor.
O posicionamento do Brasil
O presidente Lula (PT) questionou o incômodo com o Pix, "Por que ele [Trump] está incomodado com o Pix? Porque o Pix vai acabar com o cartão de crédito neste país. A gente vai criar o Pix parcelado. É uma coisa do Brasil, não tem porque ficar dando palpite nisso", disse ele durante cerimônia de anúncios do governo na área da saúde em Juazeiro (BA).
A investigação promovida pelos Estados Unidos segue em curso, com previsão de uma audiência pública em setembro e prazo até agosto para o envio de contribuições por partes interessadas. Caso o USTR entenda que houve prática comercial desleal, o governo americano poderá adotar medidas compensatórias, como a imposição de tarifas adicionais sobre produtos brasileiros.
Enquanto isso, o Pix segue operando como infraestrutura central do sistema financeiro nacional. O desdobramento da disputa pode influenciar não apenas as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, mas também o debate internacional sobre regulação de tecnologias financeiras promovidas por bancos centrais.