Mais da metade dos projetos de lei protocolados pelos vereadores da Câmara Municipal de BH neste início de mandato têm indícios de inconstitucionalidade, aponta levantamento realizado por com base na análise de um especialista em direito eleitoral. Das 35 proposições apresentadas do início de janeiro até agora, 18 têm trechos que vão contra a Constituição Federal. Destes, pelo menos 12 têm conteúdo com sinais claros de incompatibilidade com o que rege a legislação. 

A convite de O TEMPO, o advogado Lucas Neves analisou todas as proposições apresentadas na Câmara desde o início do ano. Entre as que apresentaram indícios de inconstitucionalidade, segundo ele, a principal falha teria ocorrido por vício de iniciativa – quando parlamentares criam proposições que excedem os poderes do legislativo municipal.

O vereador Vile (PL) lidera o ranking de proposições com sinais de inconstitucionalidade, com seis textos do tipo até agora. Um deles proíbe a execução de músicas de funk nas escolas municipais. Neves explica, porém, que o texto fere o que prevê a Constituição, pois não se pode proibir manifestações culturais, exceto em caso de apologia ao crime.

O advogado considera ainda que o vereador Pablo Almeida (PL) tem um projeto inconstitucional e dois com possível inconstitucionalidade. Um deles quer proibir a presença de crianças em eventos culturais, carnavalescos, artísticos ou em paradas LGBTQIAPN+. “Desde que não haja apologia a crime, não se viole a legislação penal, você não pode proibir o acesso das pessoas ou restringir a manifestação. Crianças têm limitação de horário e não podem estar em ambientes que contrariam a lei, mas a análise precisa ser interpretada com cuidado”, interpreta Neves. 

O especialista também aponta inconstitucionalidade em três projetos de lei do vereador Osvaldo Lopes (PSD), além de dois com possíveis falhas do tipo. Segundo o advogado, as três inconstitucionais esbarram na criação de gastos para o município, atribuição que é do prefeito. Outro texto de autoria de Pedro Rousseff (PT), que tenta vedar a nomeação em BH de pessoas condenadas pelos atos de 8 de janeiro de 2023, é considerado possivelmente inconstitucional por estipular regras para nomeações do Executivo, iniciativa que seria do prefeito da capital. 

Outra falha é observada em projeto do vereador Sargento Jalyson (PL), que propõe multar pessoas vistas usando drogas em BH. Conforme Neves, a Constituição prevê que questões de direito penal cabem à esfera federal.

Lucas Ganem (Podemos), por sua vez, também tem dois textos apontados como possivelmente inconstitucionais por também criar despesas para o município, ao tratar da destinação e acomodação de animais domésticos nos processos de reintegração de posse e de demolição de imóveis.

“É claro que há casos de inconstitucionalidade material também, mas você vê que a maioria desses projetos apresentados nesta legislatura, tratam de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa”, esclarece o especialista em direito eleitoral.

Análises

Na avaliação do doutor em ciências sociais Moacir de Freitas Jr., “o Legislativo é o espaço da política e o que move os parlamentares não é a busca pela legalidade estrita, mas o interesse político em dar satisfação às  bases. Não é incomum que sejam aprovadas leis claramente inconstitucionais, mesmo sabendo que a Justiça vai suspender”, afirma. 

Alan Augusto Santos, especialista em direito público, explica que podem haver divergências nas interpretações. “Os vereadores podem sim propor projetos  que oneram o erário. Porém encontram limites no artigo 61 da Constituição, que trata de leis de iniciativa privativa do poder Executivo”, diz.

Câmara e parlamentares se manifestam

A Câmara Municipal de BH informou, em nota, que “a Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) atua para barrar o avanço de projetos inconstitucionais que possam vir a ser vetados pelo Executivo ou alvo de algum questionamento na Justiça”. A reportagem tentou contato com o presidente da CLJ, Uner Augusto (PL), que, em nota, disse que a comissão será conduzida conforme o regimento da Casa Legislativa, "de maneira técnica e objetiva, detendo-se na análise da constitucionalidade, da legalidade e da regimentalidade dos projetos".

Uner complementa que a CLJ não entrará na discussão do mérito dos projetos, considerando que isso caberia às demais comissões. "Ao mesmo tempo é preciso ter em consideração que se trata de um órgão colegiado, com diversidade de opiniões, e que não cabe à presidência formatar o entendimento dos membros da comissão. Os vereadores tem liberdade para emitir pareceres e votarem de forma independente", encerra.

Autor de duas proposições com indícios de inconstitucionalidade, o vereador Lucas Ganem (Podemos) negou erro nos projetos. “A administração pública está adstrita ao princípio da legalidade previsto na Constituição. A apresentação de projetos de lei de caráter propositivo não caracteriza qualquer vício de iniciativa capaz de configurar eventual inconstitucionalidade”.

Já o vereador Osvaldo Lopes (PSD) definiu a alegação de inconstitucionalidade por geração de gastos ao município como “no mínimo, questionável”. Segundo ele, “a administração pública investe em diversas áreas fundamentais para a população, e a proteção animal não pode ser vista como secundária”.

Pedro Rousseff (PT) declarou que “todos os projetos foram aprovados pela equipe técnica” da Câmara, mesmo não tendo passado pela CLJ. “Vamos pautar e vamos aprovar eles”, declarou. 

Os vereadores Vile, Pablo Almeida e Sargento Jalyson foram procurados, mas nenhum deles se manifestou até o fechamento desta edição.