A gestão do governador Romeu Zema (Novo) pretende enviar à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no segundo semestre, um projeto de lei para mudar o modelo jurídico da Fundação Ezequiel Dias (Funed). A informação foi dada à imprensa pelo vice-governador Mateus Simões (Novo) após a reinauguração da fábrica de soros da fundação, nesta terça-feira (25 de março). No evento, a mudança foi defendida nos discursos de Zema, Simões e do presidente da instituição, Felipe Attiê. 

Segundo o vice-governador, o governo está contratando uma consultoria para definir o modelo ideal de funcionamento da fundação. “Há um estudo sendo contratado para definição do melhor modelo de funcionamento da Funed enquanto planta industrial. O presidente Felipe Attiê tem alertado que, enquanto fundação, ela não consegue ter a agilidade, por exemplo, que a Fiocruz tem, porque a Fiocruz usa um braço privado para produzir medicamento. Mesma coisa nas experiências que nós temos no restante do país, então a estrutura fundacional não é a melhor estrutura quando você precisa produzir o medicamento em escala industrial”, afirmou Simões.  

O início dos estudos está previsto para maio. “A consultoria deve iniciar no mês de maio e a gente prevê que ela tenha resultados já no segundo semestre para a gente poder encaminhar a proposta para a Assembleia”, finalizou. 

Discursos defendem mudança 

Primeiro a discursar na cerimônia de reinauguração da fábrica de soros, o presidente da Funed, Felipe Attiê, defendeu extensamente a necessidade de mudar o modelo jurídico da instituição. Em sua fala, direcionou-se à Assembleia, responsável por aprovar alterações na estrutura das autarquias estaduais. “A Funed precisa ainda de mudanças, Assembleia de Minas. Ela não consegue ter a produção do Butantan e da Fiocruz se ela não deixar a personalidade jurídica de fundação autárquica”, afirmou. 

Para ele, a fundação deveria se espelhar no modelo do Instituto Butantan, de São Paulo, ou do LACEN-PE. “Ou para uma instituição de direito pública, mas de forma privada, que é o Butantan, ou então, uma empresa pública, uma estatal, como é o LACEN, Laboratório Central de Pernambuco. É muito importante essa mudança, porque nós precisamos comprar, nós precisamos contratar mão de obra. Não se faz biotecnologia, não se produz sintético sem agilidade”, argumentou. 

Ele reforçou aos parlamentares que não quer uma privatização da instituição: “e aí, deputados, a Assembleia tem que entender isso. Ninguém quer a Funed privada, queremos a Funed pública, completando a grande indústria”.  

A proposta chegou a ser discutida em uma audiência pública na Comissão de Saúde da ALMG, no segundo semestre de 2023, mas foi alvo de protestos de servidores da fundação. Na época, Attiê garantiu que a autarquia não seria privatizada e afirmou que isso não passava de uma mentira divulgada pelo sindicato dos servidores da instituição. 

No evento desta terça-feira (25), estava presente o deputado estadual Antônio Carlos Arantes (PL), que representou o presidente da Assembleia, Tadeu Leite (MDB), e discursou após Attiê, sem mencionar a mudança do modelo jurídico. Também participaram os deputados Arlen Santiago (Avante), Gil Pereira (PSD), Hely Tarquínio (PV), Lincoln Drumond (PL) e Ione Pinheiro (União). 

Os parlamentares foram mencionados nominalmente pelo vice-governador Mateus Simões em seu discurso ao abordar a mudança do modelo jurídico da fundação. “Espero poder contar com os deputados para a gente fazer os avanços que são necessários no futuro da Funed”, apontou. 

Simões afirmou ainda que foi convencido pelo presidente da instituição sobre a necessidade da mudança. “Eu, que sempre fui um dos que se opuseram a que a gente caminhasse na discussão da transformação da natureza jurídica da Funed, estou convencido, hoje, pelo trabalho do Felipe, de que esse é um caminho necessário se a gente pretende uma Funed que seja capaz de responder às necessidades efetivas e necessárias da nossa população", afirmou. 

Zema reforçou a posição do vice-governador: “como o professor Mateus disse, precisamos também mudar aqui essa organização jurídica da entidade para preservá-la, para que as decisões sejam mais ágeis e que a Funed venha abastecer não só Minas e o Brasil, mas quem sabe também exportar esse soro que salva vidas para outros países que não têm condição de produzir”, disse em seu discurso.

 

Oposição avalia que ainda é cedo para se posicionar 

 

Outros projetos que pretendem mudar o modelo jurídico de empresas do estado de Minas Gerais tramitam na Assembleia este ano, protocolados pelo Executivo. É o caso das propostas que visam a privatização da Cemig e da Copasa. Hoje, a expectativa é que as empresas sejam federalizadas, de forma que seja abatida parte da dívida do estado com a União. 

 

Em relação ao projeto que deve ser enviado à Assembleia de alteração da personalidade jurídica da Funed, tanto o líder da minoria, Cristiano Silveira (PT), quanto Ulysses Gomes (PT), líder do bloco Democracia e Luta, de oposição à Zema, avaliaram que ainda é cedo para se posicionar sobre o assunto. 

 

“Precisamos ver o teor das mudanças que eles vão propor”, afirmou Silveira, enquanto Ulysses pontuou que a “oposição só vai posicionar depois que o projeto for apresentado e o teor da mudança seja conhecido”. 

 

Já o servidor da Funed e diretor executivo do Sind-Saúde/MG, que representa trabalhadores do SUS em Minas Gerais, Érico Colen, criticou a proposta. “Eles falam que não é privatização, mas é. Basicamente entrega a administração para o setor privado. Não vira uma SA, mas passa a ser gerida pelos interesses privados e não públicos”, avaliou. 

 

A professora, advogada especialista em Direito Administrativo e vice-presidente da OAB-MG, Núbia de Paula, afirmou que adotar o modelo do Instituto Butantan seria, na prática, uma privatização. “A natureza jurídica do Butantan é uma entidade privada que tem uma ligação com a Secretaria do Estado de São Paulo". 

 

A advogada explicou que a Funed poderia adotar a mesma natureza jurídica do Butantan, mas destacou que essa mudança seria mais complexa. Outras opções possíveis incluem transformar a fundação em uma empresa pública ou sociedade de economia mista. 

 

“Uma fundação de fato tem muitas limitações jurídicas. Ela tem um controle muito efetivo, feito pelo Ministério Público. Além desse controle muito efetivo, tem limitações também no âmbito de atuação. Ainda que a Fundação Pública seja pública de direito privado, ela encontra ainda essas limitações. Então, as modalidades que poderiam ser alteradas seria empresa pública ou uma sociedade de economia mista. Isso daria muito mais abertura e flexibilidade para que a Funed pudesse atuar, principalmente em concorrência com o setor privado, praticando preços que fossem mais atrativos e até também no mercado internacional", avaliou a especialista.