Enquanto a oposição busca instalar no Congresso uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) do INSS, para apurar o esquema de fraudes bilionárias, o Palácio do Planalto já se declarou contra a medida. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann – responsável pela articulação política com a Câmara e o Senado –, chegou a se reunir na semana passada com lideranças no Congresso para fazer um apelo contra a CPMI. A orientação dada pelo Planalto é que ninguém da base aliada assine nenhum requerimento.
Na última semana, o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) protocolou o pedido de CPI do Roubo dos Aposentados na Câmara com 185 assinaturas. Na Casa, o necessário para se apresentar o pedido de abertura de CPI são 171 assinaturas, equivalente a um terço da Casa. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entretanto, afirmou que já havia 12 CPIs na fila aguardando instalação.
O primeiro vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), afirmou que a CPI é extremamente importante e necessária. “O governo deveria apoiar esta CPI, porque estará apoiando a transparência das investigações. Quem não deve, não teme”, disse Côrtes.
Na terça-feira (6 de maio), parlamentares da oposição pretendiam protocolar também o pedido de CPI mista, com o mesmo objetivo de apurar a fraude no INSS. A deputada Coronel Fernanda (PL-MT) e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), informaram que reuniram o apoio de 182 deputados e 29 senadores (211 no total).
Para a instalação de uma CPI mista, formada por deputados e senadores, são exigidas no mínimo 171 assinaturas na Câmara e 27 no Senado. O protocolo foi adiado para o dia 20 de maio, com o objetivo de ampliar ainda mais o número de adesões.
Lula diz não ter pressa na investigação
No sábado (10 de maio), durante viagem à Rússia, o presidente Lula afirmou que “não tem pressa” nas apurações sobre o esquema de fraudes e indicou que prefere que o caso fique no âmbito das instituições responsáveis pela investigação. “Eu não tenho pressa. O que eu quero é que a gente consiga apurar para contar ao povo brasileiro a verdade e somente a verdade”, respondeu, ao ser questionado sobre demora na investigação.
Além disso, Lula aproveitou para citar que “tem entidades sérias no meio que certamente não cometeram nenhum crime, mas tem outras que foram criadas para cometer crime”. O irmão mais velho do presidente, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos do Brasil (Sindnapi), uma das 11 entidades investigadas pela PF suspeitas de participar de esquemas que permitiram descontos indevidos de mensalidades associativas diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas. Filiado ao Sindnapi desde 2008, Frei Chico assumiu a vice-presidência da entidade em 2023.
No pedido de abertura da CPI na Câmara, Chrisóstomo menciona o nome Frei Chico e do Sindnapi, alegando que a entidade recebeu R$ 77,1 milhões em contribuições, em 2024, sendo alvo de suspensão administrativa pela Controladoria Geral da União (CGU) e de investigações criminais.
Recursos para cobrir desvios no INSS devem sair do erário
O governo federal ainda não descartou o uso de recursos públicos para custear o ressarcimento dos beneficiários da Previdência que tiveram descontos ilegais. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, na sexta-feira (9), que serão usados recursos bloqueados de associações para ressarcir quem foi lesado, antes de recorrer ao Orçamento.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, contudo, já declarou que o governo estuda usar verba pública para a devolução dos valores descontados indevidamente. De acordo com a ministra, o beneficiário precisará comprovar que o desconto ocorreu sem autorização e, se a apreensão de bens não for suficiente, o governo terá de usar dinheiro público. A possibilidade é utilizar recursos do Programa de Aceleração do Crescimento e de emendas parlamentares. “Se precisar que a União complemente, nós vamos complementar”, afirmou a ministra.
Haddad indicou que, pela estimativa inicial, os recursos bloqueados são suficientes para o início do processo de ressarcimento aos prejudicados. “Quem tem que pagar a conta é quem cometeu o abuso, a fraude. Não é só responsabilidade penal, existe uma reponsabilidade civil também de ressarcimento a quem foi prejudicado", destacou.
A Advocacia Geral da União (AGU) apresentou um pedido de bloqueio de bens contra 12 entidades associativas e seus dirigentes, investigados no esquema das fraudes no INSS. A ação cautelar pediu o bloqueio de R$ 2,56 bilhões já com a intenção de que esse dinheiro seja usado para fazer o reembolso.
O INSS já vai devolver cerca de R$ 292 milhões para aposentados e pensionistas entre 26 de maio e 6 de junho. O dinheiro é referente às mensalidades de abril de sindicatos e associações, que foram bloqueadas após o escândalo das fraudes.
Aposentadas relatam como descobriram descontos indevidos do INSS
A descoberta de uma fraude que envolvia descontos indevidos em benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) levou aposentados e pensionistas de todo o país a revisarem seus contracheques. O esquema, revelado por uma investigação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União (CGU), envolvia sindicatos e associações que, com o auxílio de servidores públicos, cadastravam beneficiários sem consentimento para permitir a retirada mensal de valores diretamente da folha de pagamento.
Entre os lesados, estão Ângela Piassi, de 69 anos, aposentada pelo INSS, e Maria Elizabeth Rodrigues Assis, de 60 anos, pensionista. Ambas descobriram recentemente que vinham sendo vítimas do golpe.
“Agora eu quero saber como é que eles vão me devolver esse dinheiro”, desabafou Ângela. “Eu descobri porque fui lá no banco e eles me informaram do desconto. Foram R$ 45 todo mês, e tem mais de um ano que eles estão descontando. Eu perguntei à gerente, e ela me disse que agora no fim do mês o INSS vai começar a repor”, disse a aposentada.
No caso de Maria Elizabeth, a orientação de uma amiga foi o ponto de partida para investigar a irregularidade. “Uma amiga minha há alguns meses me contou que ela e alguns parentes tinham encontrado alguns descontos indevidos no contracheque da pensão que ela recebia, e falou para eu ir no banco olhar”, relatou. “Eu demorei a ir, mas aproveitei para fazer a prova de vida e pedi para dar uma olhada. Foi quando minha gerente me mostrou que eu estava sendo roubada. Eram R$ 49,90 todo mês, por meses. Ainda nem sei por quanto tempo”.
A pensionista disse que já recebeu instruções sobre como tentar reverter a situação. “A primeira orientação que eu recebi foi de ir no INSS pedir para retirar esse pagamento e me ressarcir, mas no dia seguinte saiu a história toda na mídia. Agora vou esperar para ver o que preciso fazer”, completou Maria Elizabeth.
A recomendação do INSS é que vítimas desse tipo de fraude solicitem a exclusão do débito indevido pelo site ou aplicativo “Meu INSS”, pela Central 135 ou diretamente com a entidade responsável pelo desconto. O órgão também anunciou que irá iniciar o ressarcimento automático de parte dos valores descontados.