O secretário de Governo de Belo Horizonte, Guilherme Daltro, admitiu que foi um erro a Prefeitura ter entrado “de última hora” na disputa pela presidência da Câmara Municipal no início deste ano, o que resultou em desgaste com o Legislativo. A declaração foi dada em entrevista ao programa Café com Política, do canal O TEMPO. Segundo ele, apesar das “pontes dinamitadas” no processo, a administração municipal conseguiu reconstruir a relação com os vereadores.

“Foi uma disputa muito belicosa, que gerou cicatrizes. A gente assumiu isso, mas partiu para o armistício, porque enxergamos que isso era mais interessante para a cidade. A matéria-prima do articulador político é a busca do consenso”, disse o secretário.

Na ocasião, o Executivo apoiou a candidatura do líder de governo Bruno Miranda (PDT), que acabou derrotado por Juliano Lopes (Podemos), integrante do grupo de vereadores da Família Aro, ligado ao secretário estadual de Governo, Marcelo Aro (PP). O movimento de última hora foi capitaneado por Álvaro Damião, na época ainda vice-prefeito, enquanto o prefeito reeleito, Fuad Noman, tratava da saúde.

Daltro, entretanto, minimizou arrependimentos. “Não teve arrependimento. A gente achou que deveria marcar posição. Foi uma disputa de última hora com declarações truculentas de ambas as partes. Depois baixámos as armas e partimos para reconstruir as pontes que foram dinamitadas. Isso se reflete nas votações”, afirmou.

⁠'Costumes se trata em casa', diz secretário de governo de Damião sobre pautas ideológicas em BH 

O secretário calcula que cerca de 32 vereadores, dos 41, integram atualmente a base do governo, embora reconheça que essa base seja “flexível”, sujeita a oscilações de acordo com as pautas. Ele garantiu que a prefeitura está aberta ao diálogo com todos os parlamentares, independentemente da filiação partidária ou ideológica. “Eu quero boas discussões. Eu quero debater com os vereadores as boas ideias”, destacou.

Sobre as frequentes polêmicas em torno de projetos de costumes, como a leitura da Bíblia em sessões e o uso de métodos contraceptivos, Daltro foi direto: “Costumes se trata em casa”. Segundo ele, a prefeitura não deve interferir nesse tipo de pauta. “Política é para resolver saúde, educação, geração de emprego, renda, segurança pública”, completou.

“As questões ideológicas, e não sejamos ingênuos, obviamente geram dividendos eleitorais. E a gente tem visto hoje que a Câmara Municipal tem debatido muito em cima de pautas ideológicas e pauta de costumes [...] Mas a gente não está olhando a coloração partidária, a gente está olhando a qualidade do que é entregue à prefeitura e o que a gente pode realizar a quatro mãos”.

Secretário de Governo cobra colegas para pagamento de emendas em BH: 'pode torcer o nariz, mas é lei'

O secretário também abordou uma das principais críticas da Câmara à prefeitura: o atraso no pagamento das emendas impositivas. Ele afirmou que a prefeitura criou uma subsecretaria exclusiva para tratar do tema, com o objetivo de dar celeridade ao processo e criar um padrão de tramitação entre as secretarias.

“Eu falei para os secretários, em tom respeitoso, mas também em tom de cobrança: 'pode torcer o nariz, pode xingar no espelho, mas as emendas parlamentares é lei'. E como lei impositiva, a gente tem que cumprir”, disse Daltro. Ele reconheceu que, até recentemente, não havia um padrão de tramitação para as emendas e que isso gerava lentidão e insatisfação entre os vereadores. “A gente buscou criar esse padrão, conversando com secretários, explicando para eles a necessidade de ter essa atenção relacionada às emendas, porque as emendas vêm também para aperfeiçoar o processo de Executivo”. 

Segundo ele, um “portfólio” de projetos foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para agilizar a escolha dos destinos dos recursos. “O vereador vai receber esse portfólio como se fosse um cardápio. Ele marca o X onde vai destinar o recurso, já alinhado com as secretarias mais demandadas”, explicou. "A gente quer trabalhar com celeridade. Essa é a promessa que a gente faz, o  compromisso que a gente fez com os vereadores", completou. 

'Família Aro' não preocupa, mas pode ganhar mais espaço

Questionado sobre o peso da chamada “Família Aro”, grupo de cerca de 8 vereadores, Daltro afirmou que não há temor de o Executivo ficar refém do grupo político ligado ao secretário de Estado de Governo, Marcelo Aro. “Não tem esse temor. A conversa reta evita esse tipo de preocupação. A relação é muito positiva”, disse. O próprio presidente da Câmara, Juliano Lopes, integra o grupo político.

Apesar disso, o secretário não descartou abrir mais espaço ao grupo dentro da administração municipal, desde que com critério técnico. Atualmente, os exs-vereadores Rubão e Marcos Crispim passaram a integrar o primeiro escalão da prefeitura.  “Tudo que for de âmbito técnico e venha contribuir com o Executivo, não teria problema nenhum. Eu tenho conversado muito com o secretário de governo, Marcelo Aro, ele é um cara que tem uma experiência muito grande. A relação é muito positiva”. 

Daltro fala sobre lições da última legislatura

Ao avaliar o desempenho da Secretaria de Governo na gestão passada, Daltro destacou que a atual administração adotou uma postura mais ativa no acompanhamento da pauta legislativa. Segundo ele, a meta agora é não perder votações e monitorar de perto o andamento dos projetos.

“A gente não admite perder uma votação, não admite ter uma articulação falha, não admite que um projeto de lei passe despercebido. Temos um protocolo, uma espécie de carômetro, de acompanhamento rigoroso em que a gente traz como se aquilo fosse uma luta mesmo”, afirmou. "É até assim duro fazer uma crítica, porque o ex-secretário Anselmo José Domingos é um grande amigo meu. Aprendi muito com ele, mas eu acredito que a gente tem ficado mais atento às mudanças do vento da Câmara Municipal". 

Daltro ressaltou ainda que a secretaria mantém diálogo com todos os vereadores, inclusive da oposição. “Se em algum momento a gente perder uma votação, porque a gente pode ter um mar mais revolto na Câmara Municipal, a gente sempre vai trabalhar em busca do consenso. Eu tenho uma amizade com o prefeito Álvaro Damião, é de conhecimento comum, mas quem me mantém na Secretaria de Governo são os vereadores, com o bom atendimento e com conversa", concluiu. 

Entrevista concedida à jornalista Letícia Fontes