Gabinetona

Outras cores para o Outubro Rosa

Atenção à saúde da mulher precisa ser integral e personalizada

Por Andreia de Jesus
Publicado em 29 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Outubro é um mês muito importante para as mulheres. É o tempo da campanha de prevenção ao câncer de mama: o Outubro Rosa. Para entender a importância dessa iniciativa, basta ver os números sobre a doença. No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é o tipo que mais atinge as mulheres depois dos melamonas. A cada 100 mil mulheres no Brasil, 51 são vítimas da doença e, em média, 15 morrem.

A prevenção é fundamental. Mas não se pode deixar de ter um olhar crítico à campanha, tendo em vista que é necessário tratar esse tema sob o foco da mulher brasileira e de sua saúde integral.

A primeira crítica diz respeito ao incentivo à realização da mamografia como ponto central da campanha. A medida é pouco eficaz por vários motivos. O primeiro deles é a realidade do próprio Sistema Único de Saúde (SUS). É conhecida a dificuldade das mulheres das camadas mais populares de ter acesso a um mamógrafo. Dados de pesquisas sobre equipamentos hospitalares apontam que o número de mamógrafos é até suficiente, mas está mal distribuído pelas diversas regiões e entre os sistemas público e privado de saúde – e muitos estão fora de uso.

Há ainda a questão da dificuldade de se atentar a todos os passos no cuidado. Nada adianta diagnosticar o câncer de mama e não oferecer condições de tratamento adequado em tempo hábil para cada uma das etapas, bem como a prevenção não pode ser vista apenas pelo aspecto do autoexame ou mesmo da mamografia. O autoexame, por exemplo, não é indicado mais como medida preventiva isoladamente e pode escamotear a doença em fase inicial.

Prevenir é também proporcionar vida saudável, com respeito aos hábitos e aos costumes diversos. A campanha precisa se deslocar da chamada “medicalização”, esse padrão estabelecido pela medicina tradicional que trata todas as mulheres da mesma forma e sempre na perspectiva da doença. A atenção à saúde da mulher precisa ser integral e personalizada. Mulheres de regiões, climas, hábitos alimentares e rotina de trabalho diferentes necessitam receber atenção, tanto do ponto vista da prevenção como do tratamento, de formas diferentes. Fatores ambientais devem ser considerados. Sabe-se que mulheres que apresentam agrotóxicos no organismo têm o dobro de chances de desenvolver câncer de mama. Entretanto, a produção e comercialização de agrotóxicos é um dos setores mais beneficiados pela isenção fiscal no país, tanto no IPI quanto no ICMS.

Não é aceitável também que a campanha reforce a identidade de gênero. Neste sentido é preciso que o Outubro Rosa afirme com todas as letras que homens cis e trans também podem ter câncer de mama e que o número de casos não é desconsiderável. Ainda é necessário retirar da campanha a responsabilização das mulheres pela doença. Essa ideia subentendida de que vítimas de câncer de mama o são porque não se cuidaram é falsa e preconceituosa. Há registros, e não são poucos, de mulheres que fazem os exames com periodicidade recomendada e ainda assim foram acometidas pelo câncer de mama.

Há também de abordar a perspectiva de raça. A medicina já atestou que a raça não é fator de risco para a doença. Assim, a maior prevalência entre mulheres negras de câncer de mama mais agressivo e o maior número de óbitos estão relacionados a fatores sociais. Portanto, a situação de empobrecimento da mulher negra e, por consequência, maior dificuldade de acesso ao serviço de saúde precisa ser enfrentada de forma responsável.

A abordagem estética das sequelas deixadas pelo câncer de mama também aponta para o preconceito. A maquiagem, a plástica reparadora ou a peruca são opções da mulher e não podem ser significadas como repositórios de feminilidade ou de qualquer outra simbologia.

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