Quando cheguei à casa da dona Lúcia, ela estava no fogão à lenha mexendo a farinha. Mais tarde, na casa da dona Dacília, a anfitriã estava terminando o almoço. As duas mulheres têm em comum o impacto que a mineração trouxe a suas vidas, a suas famílias e a suas comunidades. Morando em áreas rurais de Conceição do Mato Dentro, viram a mineração destruir o modo de vida nessas localidades.

Antes, era possível viver da farinha, das feiras de produtos da agricultura familiar. A região era abastecida por essas comunidades. “Quem compra farinha com minério?”, me perguntam. De moradoras, muitas viraram rés em ações ajuizadas pela Anglo American, que quer o direito de entrar nas propriedades que ainda restam na região. Eu vi a notificação judicial. O último levantamento, feito em 2011, indica que são 22 comunidades atingidas pelo empreendimento naquela área. Mas quem é atingido, se tem algum direito ou se está em área de risco, quem decide é a mineradora.

As nascentes dos rios foram afetadas. Antes, o acesso à água fazia parte do modo de vida. Como plantar, colher, cuidar da criação sem água? Agora, não tem água, exceto quando a mineradora fornece. “Quando chove, o caminhão-pipa não chega”, me relataram. Convivem com a poeira das explosões e, com ela, vêm as doenças que antes não existiam, as frutas e verduras são contaminadas. Perderam o trabalho e a forte de renda. Os empregos, em geral, oferecidos pela mineração para a região, são os mais precarizados, com dormitórios em condições insalubres e na beira da barragem. Convivem com o assédio e a ameaça para vender suas terras e saír da região.

A mineração contaminou o rio. Antes, era lugar de lazer coletivo, lugar de as crianças se encontrarem. Hoje, quem tem contato com a água adoece. Quem bebe a água suspeita de contaminação e que abastece algumas comunidades, também. Foi o que me disseram. A mineração aumenta o medo das mulheres, que antes andavam sozinhas em suas comunidades. Aumenta a violência contra elas. Aumenta o uso de medicação para dormir.

Diante de tantas violações de direitos, a desconfiança com a administração pública é natural. “Até que ponto mineradora e poder público se misturam? Quando vamos protestar pelo direito à água, a polícia protege a mineradora”, denunciam. A comarca não tem juiz nem promotor de Justiça próprios.

Na comunidade de São José do Jassém não tem sequer ambulância para levar as pessoas para tratamentos e consultas. Quem precisa vai para a rodovia de madrugada, confiando na sorte de passar o ônibus que sai da sede do município. Isso vale para idosos e para mães com recém-nascidos também.

Atualmente, tem morador a 800 m da barragem, porque o critério para o reassentamento é não a proteção a vida, mas o interesse econômico do terreno.

Dona Maria sintetizou a vida depois da mineração: “tenho 77 anos, vida de tristeza e decepção; com depressão, não aguento ouvir barulho, vivo uma vida de sofrimento”. Dona Dacília faz um convite que transmito aqui: “Faria o melhor almoço para o presidente da Anglo ver o que a gente está passando”.

Minas Gerais é o Estado das barragens. A Assembleia Legislativa acabou de aprovar uma legislação sobre a segurança e o licenciamento delas. Agora, precisamos aprovar uma política que proteja os atingidos pelas barragens e empreendimentos da mineração, como os minerodutos. Precisamos proteger as pessoas. Nos 50 dias de sua gestão, o governo Zema nada disse a respeito. O desarquivamento do projeto depende dele.