BRASÍLIA - A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, avalia que a escalada do discurso violento no Legislativo e um recente episódio de transfobia na Câmara dos Deputados evidenciam práticas que representam uma "tortura permanente", destinada a desmotivar a permanência das mulheres na política.

O caso mais recente envolveu o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que atacou a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) durante uma reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Na ocasião, Cida Gonçalves estava presente.

"Isso já é simbólico do que está sendo esse Congresso, de uma forma quase que de tortura permanente para que as mulheres não permaneçam [na política]. A atitude dos movimentos misóginos são, de fato, de violência, de grito, de verbo, de desqualificação", disse a ministra em entrevista exclusiva a O TEMPO Brasília. Ela destacou ainda que a violência política de gênero no Legislativo tem aumentado.

"Nós vimos nesse ano e meio o quanto é doloroso, o quanto tem sido sofrido para a bancada feminina e todas as mulheres de todos os partidos estarem naqueles lugares de fala. Quantas vezes elas são desqualificadas, quantas vezes são interrompidas permanentemente. Então, essa violência vem crescendo e é uma forma, eu chamo, de ódio para tirá-las, fazer com que elas desistam".

Durante a reunião, Erika Hilton discutiu com a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) fora do microfone, chamando-a de "ridícula", "feia" e "ultrapassada". "Vai hidratar esse cabelo", disse Erika. Nikolas Ferreira interveio na conversa e atacou: "Pelo menos ela é ela." Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a transfobia ao crime de racismo.

Nikolas Ferreira já foi alvo de uma representação no Conselho de Ética por uma fala transfóbica no plenário. O episódio ocorreu quando o parlamentar subiu à tribuna da Câmara dos Deputados, vestiu uma peruca e declarou que "hoje se sente uma mulher".

Erika Hilton e Duda Salabert (PDT-MG) são as primeiras mulheres trans eleitas para o Congresso.

Ataques a ministra Cármen Lúcia

Recentemente, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esta é a segunda vez que ela assume o comando da Justiça Eleitoral, tornando-se a única mulher na história do Judiciário brasileiro a presidir a Corte em um processo eleitoral mais de uma vez.

Entretanto, ao se aproximar desse feito, Cármen Lúcia começou a receber ataques misóginos nas redes sociais, que mencionavam o fato de ela não ser casada, não ter filhos e comentários de ódio sobre a sua aparência física, numa tentativa de desqualificá-la.

Cida Gonçalves classificou os ataques à ministra como "graves". "Isso significa um avanço do machismo e do preconceito contra as mulheres, isso significa que eles estão com uma autorização dada por alguém ou pela sociedade de que eles não têm limite, nem com uma autoridade", afirmou.

A ministra das Mulheres enfatizou a necessidade de discutir a violência política de gênero e como avançar nesse campo. "Precisamos ampliar a legislação da violência política de gênero para além das mulheres que são parlamentares, para as lideranças e outras mulheres", avaliou.

Combate à violência política de gênero nas eleições

Questionada sobre os planos do Ministério das Mulheres para combater a violência política de gênero nas eleições municipais deste ano, a ministra Cida Gonçalves afirmou que o primeiro passo será lançar o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Política de Gênero. 

Além disso, o ministério está em conversas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para criar um protocolo que envolva o Executivo, o Ministério Público, a Defensoria Pública da União e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para lidar com casos de violência política de gênero.

"Queremos estabelecer um protocolo mínimo de proteção e referência. Quando alguém der entrada no CNJ, para onde encaminhar, como proceder, e com quem falar no Ministério das Mulheres nessa perspectiva. Assim, teremos ações concretas, pois esse é o papel do Estado brasileiro", explicou.

A ministra também destacou a importância de fortalecer candidaturas femininas, independentemente de partido. "Precisamos apoiar as mulheres que se candidatam, independentemente do partido. O Estado não tem partido; estamos prontos para ajudar, apoiar e fortalecer todas as candidatas que sofrerem qualquer tipo de violência", concluiu.