BRASÍLIA - Investigada por supostos descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) redigiu emendas para alterar a Medida Provisória de combate à fraudes no INSS, que foram apresentadas por 15 deputados e senadores, especialmente de esquerda. A informação foi revelada pelo site Metrópoles.

A Operação Sem Desconto, realizada pela PF e pela CGU, revelou um esquema de descontos ilegais nos benefícios pagos a aposentados e pensionistas de 2019 a 2024. Os valores eram repassados a uma parte das associações, sindicatos ou entidades para as quais o INSS descontava, diretamente dos benefícios previdenciários.

Até o momento, 12 entidades associativas são alvo de medidas judiciais: Ambec, Sindnap/IFS, AAPB , AAPEN (anteriormente denominada ABSP), Contag, AADPS Universo, Unaspub, Conafer, ADPAP PREV (anteriormente denominada Acolher), ABCA/Amar Brasil e CAAP. 

Algumas iniciativas legislativas buscaram aumentar o controle sobre esses descontos em aposentadorias e pensões, mas partidos que hoje compõem a base governista foram contrários a essas medidas. 

Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou uma Medida Provisória (MP) ao Congresso que previa uma revalidação anual dos descontos em benefícios do INSS. Mas, o Congresso conseguiu adiar essa exigência para ser feita a cada três anos, após lobby das entidades, especialmente da Contag, segundo reportagem do portal Metrópoles. 

Além disso, a medida nunca foi colocada em prática, uma vez que outra MP publicada em 2022 revogou definitivamente qualquer tipo de revalidação de assinaturas.

Dos 15 parlamentares que apresentaram emendas em que a Contag aparece como autora das propostas, nove são do PT. São eles: os deputados Zé Neto (BA), Patrus Ananias (MG), Valmir Assunção (BA), Marcon (RS), Rubens Pereira Júnior (MA) e dos senadores Humberto Costa (PE) e Jaques Wagner (BA), além dos ex-congressistas Jean Paul Prates (RN) e Paulo Rocha (PA).

A lista inclui também os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Otto Alencar Filho (PSD-BA) e Daniel Almeida (PCdoB-BA) e os ex-deputados Celso Maldaner (MDB-SC), Tereza Nelma (PSD-AL) e João Carlos Bacelar (PL-BA).

A MP que previa a revalidação anual das assinaturas e autorizações por parte de aposentados e pensionistas para os descontos tinha como objetivo coibir as fraudes. A Contag pleiteou junto ao parlamentares que o prazo de exigência passasse para cinco anos, alegando que a renovação anual seria “praticamente inviável” para essas entidades.

“Inobstante ser clara a diretriz da não interferência estatal no escopo organizativo das entidades associativas sem fins lucrativos, resta conhecida a necessidade de parametrizar os descontos das mensalidades associativas via INSS, visando com isso resguardar o ente público, não sem antes mensurar a inviabilidade operacional de revalidação anual das autorizações que os associados fornecem para o desconto da mensalidade social de seus benefícios previdenciários, haja vista a movimentação diária de autorizações feitas por todas as entidades que mantém Acordo de Cooperação com o INSS”, diz trecho da emenda.

“Assim, revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável”, continua o texto.

Ao final, a lei aprovada estabeleceu o prazo de renovação a cada três anos, algo que jamais foi cumprido. A medida foi completamente enterrada durante a tramitação de uma terceira MP de Bolsonaro, de março de 2022.

Parlamentares negam relaxamento no combate às fraudes

Procurados pelo Metrópoles, o senador Humberto Costa, por meio da sua assessoria de imprensa, informou que ele era líder da bancada do PT na época. “Se apresentou emendas, foi nessa condição: em nome da bancada”. O senador foi autor de três proposições elaboradas pela Contag.

Ele argumentou também que a MP não visava especificamente combater fraudes, e sim criar dificuldades para beneficiários. “Por isso, naquele momento, houve um esforço da bancada para evitar a retirada completa de benefícios de empregados vinculados a sindicatos. Muito provavelmente, essas emendas foram propostas com o objetivo de garantir que os sindicatos honestos pudessem continuar em atividade — e não para favorecer qualquer grupo irregular”, acrescentou.

O ex-senador Jean Paul Prates informou, por meio de nota, que as emendas faziam parte de um bloco apresentado pela bancada do PT, atendendo reivindicações de entidades ligadas a trabalhadores. Ele foi autor de 11 proposições elaboradas pela Contag. “Nada mais trata-se de oferecer várias versões de texto para que as comissões e o plenário possam escolher algum dos graus que considerem mais pertinente sobre um mesmo assunto, por vezes.”

Segundo o deputado Zé Neto, as emendas eram uma forma de proteger os sindicatos e associações representativas dos trabalhadores rurais de todo o país. O parlamentar afirmou ainda que os textos apresentados por ele nem chegaram a ser apreciados e destacados em votação. O petista foi autor de 11 emendas com metadados da Contag.

“Nenhuma dessas emendas têm uma linha, uma vírgula com nada relacionado essa questão das fraudes. Até porque em nenhum deles se falta do aspecto do convênio com descontos. E eu jamais faria algo parecido. E eu fui em defesa das instituições, dos sindicatos”.

Além disso, Zé Neto explicou ao Metrópoles que as proposições apresentadas para alterar o texto da MP foram uma atuação conjunta da bancada.

Já a deputada federal Jandira Feghali informou que as emendas da Contag chegaram ao seu gabinete da mesma forma que “várias outras demandas chegam”. “Na busca direta com o gabinete para justificar o pleito e, caso entendamos justo, com propostas concretas via e-mail”. Ela foi autora de três textos redigidos pela Contag.

Jandira Feghali destacou ainda que a relação dela com a Contag é “a mesma relação institucional” que mantém “com todas as entidades que defendem os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras” e negou que seja prática do seu gabinete que proposições sejam redigidas por escritórios de terceiros. “Não tenho esta prática. É prática do gabinete analisar todas as demandas recebidas e, caso estejam de acordo com o avanço da legislação e dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, atender os pleitos”.

Procurado pelo Metrópoles, o deputado federal João Carlos Bacelar negou relação com a Contag e não soube explicar a origem da emenda. O parlamentar apresentou duas emendas com metadados da entidade.

O senador Jaques Wagner disse, por meio de nota, que se opôs “firmemente à MP 871/2019, proposta do governo anterior que visava, entre outras coisas, implementar um ‘pente-fino’ nas concessões de benefícios do INSS, BPC e Bolsa Família”.

Assim como os demais políticos petistas, o senador informou também que as emendas apresentadas fizeram parte de uma ação da bancada do PT, em oposição à retirada de direitos trabalhistas e da população que reside em localidade de difícil acesso.

Wagner também afirmou que “jamais atuou para o relaxamento no combate às fraudes. Muito pelo contrário, sua história sempre foi trilhada ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras”.