Cerca de 40 artistas e mais de 230 organizações e movimentos sociais se reúnem em Brasília na tarde desta quarta-feira (9). O motivo é um ato contra o avanço de um pacote de projetos que têm impacto no meio ambiente no Congresso Nacional. Segundo os participantes, se as propostas forem aprovadas, podem causar danos diretos e irreversíveis para a Amazônia, os direitos humanos, o clima e a segurança da população. Além disso, eles temem a judicialização dos temas.
Batizado de “Ato pela Terra”, o evento protesta contra o que chama de “Pacote da Destruição”. No combo de projetos criticados, estão o que pode anistiar a grilagem, extinguir o licenciamento ambiental, ampliar o número de agrotóxicos no Brasil e permitir mineração em terras indígenas.
Liderados pelo cantor Caetano Veloso, os participantes do ato entregaram um documento ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Antes, os artistas estiveram em reunião com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Em conversa rápida, eles expuseram as preocupações com a "escalada de destruição socioambiental". No documento entregue ao STF, citam ao menos onze ações que estão pendentes de julgamento na Corte e "podem orientar a caminhada do país no enfrentamento à destruição em curso".
Caetano Veloso capitaneia o ato
Além de Caetano, também estão em Brasília outros cantores como Seu Jorge, Criolo, Daniela Mercury, Maria Gadú, Emicida, Baco Exu do Blues e Nando Reis, e da banda Natiruts. Atores e atrizes também participaram, Alessandra Negrini, Bruno Gagliasso, Christiane Torloni, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Leonardo Gonçalves, Letícia Sabatella, Malu Mader, Maria Ribeiro, Nathalia Dill, Paula Burlamaqui e Zezé Polessa.
Outros nomes influentes do meio artístico também participaram, como Bel Coelho, Bela Gil, Paola Carosella e Rafaela Kalimann. Outros nomes de peso, como Chico Buarque, Gal Costa e Maria Bethania declararam apoio ao ato, por meio das suas redes sociais.
Ao discursar, Caetano se dirigiu a Pacheco e afirmou que o parlamentar, como mineiro, sabe a “quantidade de sofrimento humano provocado por desastres ambientais”. Ele citou diretamente as tragédias de Mariana e Brumadinho e as recentes chuvas que causaram destruição em regiões Minas Gerais, além dos temporais na Bahia e em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Segundo o cantor, “nada disso são imagens de um futuro distante, está tudo acontecendo agora”.
“O país vive hoje a maior encruzilhada ambiental desde a redemocratização. O desmatamento na Amazonia saiu do controle, a violência contra os indígenas e outros povos tradicionais aumentou, e as proteções sociais e ambientais construídos nos últimos 40 anos vem sendo solapadas. Nossa credibilidade internacional está arrasada”, declarou.
O cantor destacou que é papel dos parlamentares “garantir que nenhuma proposta seja colocada em votação até que esteja alinhada com o que diz a ciência, observando as demandas e necessidades das populações tradicionais e do campo e à luz da emergência climática que vivemos”.
Durante o ato, os artistas assumiram postura com clara crítica à Câmara dos Deputados, que tem o presidente Arthur Lira (PP-AL) com comportamento de apoio ao governo federal, a quem dizem não os representar.
Outros participantes do ato também se pronunciaram. “A ideia é fazer barulho e acordar a sociedade civil para que reaja. Tem pacotes que estão sendo votados em regime de emergência e a gente veio tentar barrar isso. Falar que não estamos de acordo”, destacou a atriz Alessandra Negrini.
“Eu sempre falo que uma lei que regule o uso de agrotóxicos é muito necessária e muito importante, mas não essa. Essa traz pontos que favorecem somente um setor e uma forma de produção e esquece dos pequenos produtores, das comunidades quilombolas, das comunidades indígenas e de pessoas que tentam produzir alimentos de forma mais segura para elas, para nós e para o meio ambiente”, disparou a chef Paola Carosella.
"Posso dizer que tem pelo menos cinco propostas que precisam ser reavaliadas, estudadas, e em alguma delas, a opinião de especialistas nem foi exigida, como por exemplo, fiscalização sobre desmatamento. A gente corre o risco de ter um desmatamento autodeclaratório, isso não faz sentido porque é normal ter fiscalização em qualquer setor da sociedade", frisou o ator Lázaro Ramos.
De acordo com o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o ato é uma tentativa de sensibilizar parlamentares contra os atuais textos que, na avaliação dele, passam por um “atropelo absurdo” regime de votação.
“Nós queremos que sejam reabertos o debate, que eles incorporem ali conhecimento, a ciência, também as necessidades das populações, como as indígenas, populações do campo, os pequenos agricultores e quilombolas. Porque da forma como está, vai impactar todas essas populações de forma muito severa, muito cruel, e portanto não pode ser aprovado”, afirmou.
Astrini acrescentou que as mudanças propostas “são situações que vão levar a uma piora imensa do quadro ambiental no Brasil e perpetuar uma situação que a gente já tem muito ruim, de retrocesso muito grande, promovido pelo governo federal”. De acordo com ele, a aprovação das propostas “garante um retrocesso que vai continuar por décadas” no país.
Pacheco indica que promoverá amplo debate de pacote ambiental
Pacheco indicou que não é responsável pela fase de análise na Câmara dos Deputados, mas se comprometeu a abrir o amplo debate das propostas entre os senadores.
“Embora haja um grande apelo em relação a todos esses projetos, muitos deles, já há algum tempo aprovados na Câmara dos Deputados, nenhum deles foi objeto, de minha parte, de um açodamento para se colocar no plenário do Senado Federal. E assim não será”, se defendeu.
“Nós vamos ter toda cautela a cada um desses projetos que foram aqui tratados, de terem a destinação, o zelo, o cuidado, a tramitação digna e proporcional à importância que eles representam, pois nós não podemos ser compreendidos, nem o Congresso Nacional, nem o nosso país, como páreas internacionais apartados e afastados da pauta do meio ambiente”, garantiu.
Pacheco reforçou que há razão em alguns pontos da “péssima imagem” que o Brasil possui no exterior em relação à pauta do meio ambiente e disse, ainda, que, se o país não encontrar um equilíbrio para garantir meios de preservação “estará fadado ao insucesso econômico”.
“O nosso grande desafio hoje é fazer desincompatibilizar o desenvolvimento econômico que garanta emprego, renda, arrecadação e segurança alimentar do Brasil e do mundo, com essa pauta que é inafastável da preservação do meio ambiente”, afirmou.
“Quando se identifica um projeto de regularização fundiária, é evidente que se tem que encontrar um equilíbrio entre a necessidade do sujeito ser um detentor da terra com a impossibilidade evidente de se titularizar uma ofensa ambiental ou uma grilagem de terra. Esse é o ponto de equilíbrio”, finalizou.
Pacheco anunciou também que irá abrir a sessão do Senado da próxima terça-feira (15) com a votação da Lei Paulo Gustavo, que libera R$ 3,8 bilhões para projetos culturais, com o objetivo de amenizar os efeitos negativos da pandemia que prejudicaram o setor.
Veja detalhes do “Pacote da Destruição”, alvo de protesto pelo grupo
- PL 2159/21: Torna o licenciamento ambiental uma exceção, em vez de ser a regra, e abre espaço para o ‘licenciamento autodeclaratório’, que dispensa a verificação do relatório de descrição do empreendimento, além de expandir a lista de atividades que não precisam de licenciamento ambiental.
A proposta já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado. O grupo aponta estudo do Instituto Socioambiental (ISA) que mostra que, apenas no estado do Amazonas, a dispensa de licenciamento ambiental para a rodovia BR-319 poderia levar a um desmatamento de 170 mil quilômetros quadrados até 2050, resultando na emissão de aproximadamente 8 bilhões de toneladas de CO2 no período.
- PL 2633/20 e PL 510/21: Os dois projetos de lei estão relacionados e concedem anistia à grilagem de terras públicas. Se aprovados, podem permitir a regularização de áreas ilegalmente ocupadas. Além disso, propriedades de até 2.500 hectares poderão ser tituladas por autodeclaração.
O ato justifica que a proposta estimula a continuidade de ocupação de terras públicas e do desmatamento. Os dois projetos estão no Senado, sendo que o primeiro já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e o segundo, não.
- PL 490/2007: Altera a demarcação das terras indígenas e permite a reintegração de posse pelo governo federal, entre outras coisas. Também permite que a demarcação seja contestada em qualquer estágio do processo e estabelece o "Marco Temporal" para todas as demarcações de terras indígenas que não estivessem ocupadas até a Constituição de 1988.
Segundo o grupo, o projeto coloca em risco pelo menos 66 territórios habitados por mais de 70 mil pessoas e que cobrem uma área total de 440 mil hectares, permitindo a implantação de grandes empreendimentos nas terras indígenas sem consulta às comunidades afetadas.
- PL 191/2020: Autoriza a mineração e construção de hidrelétricas em terras indígenas e valida todos os requerimentos de exploração de minérios que tenham sido solicitados ou protocolados antes da lei. Além disso, legaliza garimpos em terras indígenas.
A proposta aguarda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados e, de acordo com o grupo, aumenta riscos de vida, ambientais, sanitários e violência contra povos indígenas.
- PL 6299/2002: chamado de “Pacote do Veneno”, revoga a atual lei de agrotóxicos e flexibiliza a aprovação e o uso dos produtos no país. Se aprovado, transfere o poder de decisão de aprovação de um novo agrotóxico para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, excluindo órgãos como o Ibama e a Anvisa do processo de avaliação e aprovação.
O grupo alega, ainda, que a proposta viabilizar o registro de substâncias cancerígenas e que atualmente são proibidas pelos riscos comprovados à saúde. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e está agora sob apreciação do Senado.
O TEMPO agora está em Brasília. Acesse a capa especial da capital federal para acompanhar as notícias dos Três Poderes.