Segredos de Brasília

Na construção de Brasília, operários temiam o ‘28’, onde quedas seriam comuns

Na construção de Brasília, o Congresso era chamado pelos operários de “o 28, em referência ao número de andares das torres gêmeas, de onde muitos trabalhadores teriam despencado

Por Renato Alves
Publicado em 21 de abril de 2024 | 00:00
 
 
 
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Entre as duas cúpulas do Congresso Nacional, ao fundo do prédio principal, ligado a ele por um túnel, estão as torres gêmeas de escritórios, o chamado Anexo 1, que chegam a 100 metros de altura. No período da construção de Brasília, o Congresso era chamado pelos operários simplesmente como “o 28”, em referência ao número de andares das torres gêmeas. 

Os dois prédios paralelos, que por décadas foram os mais altos de Brasília, alimentam muitas histórias sombrias da construção da nova capital. Não há registro oficial, mas sobram relatos de que corpos de trabalhadores estejam concretados no Congresso. A maioria, em função de quedas dos andaimes do Anexo 1.

É fato que as condições de trabalho eram precárias, sem oferta ou mesmo existência dos modernos e eficientes equipamentos de segurança atuais. Há farta documentação sobre a negligência em relação à saúde e segurança dos funcionários das empreiteiras responsáveis pelas obras. Nem todos os trabalhadores sequer tinham o registro completo. Dessa forma, mortes no trabalho não eram comunicadas a parentes residentes nos diversos Estados.

Construção do Palácio do Congresso Nacional em 1959

  • Além dos 28 pavimentos, cada torre tem 45m de comprimento, 10,5m de largura nas fachadas – voltadas para leste e oeste – e 12,25 metros de largura no centro. 
  • Elas não ficam exatamente no centro, sendo mais próximas da cúpula do Senado, que é menor, para passar uma sensação de equilíbrio no conjunto. 
  • As torres não são retângulos perfeitos: as fachadas voltadas uma para a outra são formadas por duas faces diagonais discretas, quase parecendo que são uma face só. 
  • A estrutura é composta por pilares e vigas de aço revestidos de concreto, com lajes duplas. As paredes leste e oeste são fechadas com alvenaria e mármore branco. 
  • As vigas de aço vieram dos EUA, pois o Brasil não conseguiria produzir o material com a rapidez necessária naqueles anos de construção de Brasília.

O Congresso ocupa outros edifícios vizinhos, alguns deles interconectados por túneis. São os anexos 2, 3 e 4 da Câmara e o Anexo 2 do Senado. São nesses prédios que trabalham a maioria dos parlamentares, seus assessores e servidores concursados, comissionados e terceirizados das duas casas. 

Mensagens de operários encontradas em paredes 50 anos depois 

À procura da origem de um vazamento no teto da Câmara, em agosto de 2011, operários encontraram, ao acessarem a laje entre dois andares, frases escritas a lápis nas paredes em 22 de abril de 1959. As mensagens foram deixadas por outros operários, que participaram da construção do prédio principal do Congresso. 

Escritas um ano antes da inauguração de Brasília, as seis mensagens expressavam esperança, sonhos e desejos de um país melhor. Todas foram fotografadas, sendo arquivadas no acervo do Museu da Câmara. As originais ficaram como foram encontradas. Mantidas como relíquias. Confira abaixo cada uma delas:

  • “Brasília de hoje, Brasil amanhã”
  • “Só temos uma esperança, nos brasileiros de amanhã”
  • “Saudade: palavra que nunca morre, quando morre fica arquivada no coração”
  • “Amor palavra sublime que domina qualquer ser humano” (assinada por Nelson)
  • “Se todos os brasileiros fossem dignos de honra e honestidade, teríamos um Brasil bem melhor.”
  • “Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra” (assinada por José Silva Guerra)

O nome deste último aparece na folha de ponto de uma construtora arquivada no Museu da Câmara dos Deputados. Com o registro, funcionários da Câmara chegaram a familiares dele. Duas semanas depois dos achados, e 52 depois de os registros serem feitos no concreto, três familiares de José Guerra, foram conhecer Brasília, a convite da direção da Câmara.

Mensagem deixada por operário que trabalhou na construção do prédio do Congresso

Nascido em Itatira, no Ceará, filho de Pedro Evaristo Guerra e Áurea Silva Guerra, José Silva Guerra tinha 29 anos e era o primeiro dos 12 filhos quando escreveu a frase na obra que ajudou a erguer. Seus parentes contaram que, caminhoneiro, ele levava brasileiros da região Nordeste para trabalhar no imenso canteiro de obras do Planalto Central. O caminhão era um pau-de-arara, meio de transporte desconfortável, inseguro e comum à época. Depois, se juntou a eles na construção do Congresso.

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