Às vésperas da eleição que vai escolher os próximos conselheiros tutelares de Minas, um movimento encabeçado por lideranças de direita e de esquerda dá sinais de que a polarização ideológica pode avançar sobre o pleito que, ao menos à primeira vista, nada tem a ver com partidos políticos.

Parlamentares mineiros têm usado as redes sociais nos últimos dias para estimular a votação em conselheiros alinhados aos seus respectivos posicionamentos ideológicos. Na avaliação de especialistas, ainda que legítima, a manifestação pode induzir uma distorção do real objetivo da votação, que vai eleger nomes responsáveis por garantir o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente pelos próximos quatro anos. 

As eleições para o Conselho Tutelar acontecem no dia 1° de outubro, em todo o país. Em Minas Gerais, ao menos 4.265 conselheiros serão eleitos para atuar nos 853 municípios do Estado. O pleito terá o apoio da Justiça Eleitoral, que vai emprestar 386 urnas eletrônicas aos municípios que manifestaram interesse em usar o equipamento. Nas demais localidades, o voto – que é facultativo – será registrado em cédulas de papel. Em Belo Horizonte, a eleição vai definir os nomes dos 45 conselheiros a ocuparem nove unidades espalhadas pela capital. No país, serão escolhidos 30.500 conselheiros, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

A poucos dias da votação, parlamentares mineiros começam a usar seus canais de comunicação na internet para estimular a adesão ao processo eleitoral. Em Belo Horizonte, a vereadora Iza Lourença (PSOL) publicou um vídeo no qual explica as atribuições de um conselheiro tutelar e a importância de comparecer à votação no mês que vem. Na publicação, a parlamentar afirma que é “importante escolher pessoas comprometidas com os direitos de todas as famílias”.

Ela critica o posicionamento de bolsonaristas em relação às mães solo e a pessoas LGBTQIA+ e convoca quem assiste a “apoiar progressistas para os conselhos tutelares”.

Em contrapartida, um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) que circula em grupos de Whatsapp estimula a escolha de conselheiros posicionados à direita. “É muito importante a gente ocupar esse espaço”, afirmou, que pediu ainda que as pessoas votem no candidato “mais alinhado ao conservadorismo” para evitar que crianças sejam tuteladas “através de uma doutrina de esquerda”. 

 

"Democracia participativa”

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa da Criança e do Adolescente (CAO-DCA), a promotora de Justiça Paola Botelho avalia que, “sendo cargo eletivo, a eleição para conselheiro é um ato político, que envolve uma democracia participativa”. Segundo ela, ao menos a princípio, não há problema em defender uma ideologia como critério para a escolha de candidatos, desde que isso seja feito de forma genérica, sem citar nomes. “O que não pode haver é a utilização (do discurso), por parte de uma figura de proeminência política, para favorecer um ou outro candidato. Isso seria considerado abuso de poder político”, alerta. 

Ainda que legítimo, a professora de ciências políticas e direito constitucional do UniBH Marília Couto considera que o eleitor precisa ter cuidado ao atrelar a ideologia à escolha de conselheiros: “Esse movimento é reflexo das últimas eleições. Mas para garantir uma representação isenta, laica e autônoma na proteção da infância, a escolha deve ser pautada nos direitos humanos, nos instrumentos legais de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes”.

Parlamentares defendem que ideologia faça parte de escolha

Ainda que estejam em polos opostos, parlamentares mineiros da esquerda e da direita têm opiniões convergentes ao defenderem que a análise da ideologia política dos candidatos deve sim fazer parte do processo de escolha dos conselheiros tutelares do Estado.

É o que alega a vereadora da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) Iza Lourença (PSOL). “Não podemos ter no Conselho pessoas que são contra famílias LGBTQIA+ ou que são contra mães solo, porque isso, com certeza, vai interferir no olhar desse conselheiro em relação a uma criança ou a um adolescente, e isso vai fazer com que ele não cumpra os direitos desse grupo, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê”, afirma a parlamentar. 

O vereador Bráulio Lara (Novo) também avalia que, por se tratar de um processo eleitoral, “a influência do campo político (na eleição para o Conselho Tutelar) é muito importante”. Ele justifica a opinião ao afirmar que os conselheiros “são pessoas que conseguem, ao atender a sociedade, expressar valores, percepções e visões políticas”.

O parlamentar pondera, porém, ser importante não haver apenas uma visão única. “Afinal, os direitos da criança e do adolescente não têm um lado específico, de direita ou de esquerda. Mas os agentes políticos continuam trabalhando, e por isso é muito importante que a sociedade entenda e faça sua escolha”, defende Lara. 

Vínculo com políticos

O deputado federal Padre João (PT-MG) diz não ver problema do vínculo com parlamentares, desde que isso ocorra em favor da união e em defesa da bandeira dos direitos da criança e do adolescente. “Isso é salutar. Não resolve a gente legislar na defesa das políticas públicas para a criança e o adolescente e, às vezes, termos conselheiros alinhados a parlamentares que negam o Estado brasileiro, que negam o acesso à educação de qualidade, à saúde”, declara o deputado.

Autor de um vídeo que defende a escolha de conselheiros de direita, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) foi procurado pela reportagem, mas não se posicionou. 

Para Wellington Amorim, representante mineiro do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares, a postura das lideranças políticas preocupa. “Esse movimento não é bom para o Conselho Tutelar, que é um órgão muito sério, muito relevante e é apartidário”, ressalta.