Doorgal Andrada

Excesso de leis, ausência de ordem

Melhor contribuir para o desenvolvimento que para a burocracia


Publicado em 19 de fevereiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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No Brasil, há uma tradição de medir a produção de um parlamentar pelo número de proposições apresentadas e aprovadas durante o mandato. Pode-se dizer que é um critério válido como qualquer outro, mas considero que nada é mais equivocado do que avaliar a atividade legislativa com uma abordagem meramente quantitativa. A produção indiscriminada de leis e normas tende a ampliar a burocracia, sendo que elas deveriam ser concebidas e validadas apenas para balizar algumas das relações entre as pessoas, principalmente aquelas costumeiramente conflituosas ou aquelas em que a sociedade não tenha a capacidade de solucionar por si.

Uma rápida pesquisa na internet com o termo “fúria legiferante” (a propensão a produzir regras) mostrará que há décadas se discutem os efeitos nocivos do excesso de leis e normas produzido em níveis federal, municipal e estadual. Abertas o ano inteiro, expostas à pressão da mídia, da política e de setores organizados da sociedade, as Casas Legislativas acabam por produzir regulamentos desnecessários e que dificultam a vida do cidadão, sem resultar no efeito desejado.

Frequentemente, a legislação veda ou regulamenta determinada atividade, mas não há estrutura que fiscalize o seu cumprimento. Há milhares de leis que perderam a eficácia pela evolução dos costumes, por exemplo, e outros milhares que descem a minúcias da vida privada ou do funcionamento de um negócio de forma invasiva e desnecessária, gerando custos tanto para as pessoas quanto para o próprio poder público. Ainda, calcula-se que haja cerca de 6 milhões de leis municipais no país, mas os próprios agentes responsáveis por fazê-las valer não têm sequer como conhecê-las.

Do outro lado, o cidadão jamais pode alegar o desconhecimento da norma para justificar uma conduta considerada ilegal. Trata-se de um princípio absolutamente razoável, mas que se torna absurdo diante desse emaranhado de leis. Além disso, a aplicação desigual de uma regra a torna injusta por definição. Se apenas uma parcela de um setor econômico ou da sociedade suporta um ônus que seria de todos, determinado pela lei, não se pode considerá-la justa.

Pode-se dizer que, do ponto de vista da segurança jurídica, a hipernomia (excesso de normas) se iguala à anomia (ausência de normas). Em um cenário com leis “que pegam” e que “não pegam”, de impossibilidade de fiscalização e de desconhecimento da parte dos próprios agentes públicos, abre-se campo tanto para a desobediência quanto para a arbitrariedade, igualando o país das leis a uma terra sem lei.

Criar leis é uma das funções principais de um Parlamento e é importante deixar claro que é necessário, sim, que a legislação evolua com a sociedade. Isso ficou claro, por exemplo, com as proposições votadas pela ALMG logo no início da pandemia e que garantiram o arcabouço jurídico necessário às ações do Executivo, como o projeto de minha autoria que assegurou a observância da grade curricular nas aulas remotas do ensino público estadual.

Em minha trajetória como parlamentar, tenho buscado contribuir para um Legislativo mais criterioso e racional. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, trabalhei para revogar ou consolidar cerca de 10 mil leis e normas da capital. Na ALMG, apresento proposições pontuais e evito sobrepor temas que já estejam em tramitação, sempre inspirado na máxima de Churchill, de que quanto mais leis se tem, menos valor se dá a cada uma delas. Percebe-se que uma sociedade menos ligada à ética, à moral e ao bom senso tende a produzir mais normas. Portanto, é melhor trabalharmos na educação e no desenvolvimento da sociedade do que na burocracia e na produção excessiva de leis!

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