BRASÍLIA - Patriarca de uma das famílias mais conhecidas da política fluminense, ex-governador do Rio de Janeiro e forte concorrente a presidente duas décadas atrás, Anthony Garotinho (Republicanos), de 64 anos, agora tenta ser vereador, em meio a enfrentamentos com a Justiça, falta de apoio no cenário nacional e disputas internas no seu clã. 

Garotinho fez fama como radialista em Campos dos Goytacazes nos anos 1970 e 1980. Ele nasceu no município de 483 mil habitantes, o 5º mais populoso do Estado, controlado há décadas por sua família. Seu pai, José Roberto Garotinho, foi prefeito de Campos. Seu filho Wladimir Garotinho (PP) é o atual chefe do Executivo local. Ele tenta a reeleição.

Já Anthony Garotinho mira uma cadeira de vereador na Câmara do Rio de Janeiro, após ter sido prefeito de Campos por duas vezes, deputado (estadual e federal), governador por dois mandatos e, em 2002, candidato à Presidência da República – ficou em terceiro, com 15 milhões de votos. O Republicanos é seu 11º partido – a lista vai do PCB e PT ao União Brasil. 

Ex-governador conta com HC para manter candidatura

Depois de ser preso cinco vezes, após deixar o governo do Estado sob acusações de corrupção, participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais, Garotinho também luta para retomar a sua elegibilidade. As detenções ocorreram entre 2016 e 2019, sempre sendo solto dias depois. Em duas delas, foi preso com a esposa, Rosinha Matheus, que também comandou o Estado do Rio de Janeiro. 

Garotinho foi tornado inelegível pela Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro em condenação a 13 anos, 9 meses e 20 dias de prisão no âmbito da chamada Operação Chequinho. Ele foi denunciado, com outras pessoas, pela compra de votos em troca de um benefício social (Cheque Cidadão) para favorecer candidatos a prefeito e vereador do seu núcleo político nas eleições municipais de 2016, em Campos dos Goytacazes.

Na semana passada, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos da decisão que impedia Garotinho de concorrer às eleições municipais deste ano. A decisão foi concedida em habeas corpus que pede a nulidade das provas em que se baseou a condenação e vale até o julgamento final da ação. 

Em 2022, um dos denunciados na operação teve a condenação anulada pela Segunda Turma do STF, porque as provas obtidas contra ele foram consideradas ilícitas. No habeas corpus, apresentado contra a decisão do TSE que confirmou a condenação, a defesa alega que as provas contra Garotinho também foram obtidas de forma ilícita.

Mas este não foi o primeiro nem o último escândalo em que Garotinho se envolveu em seus anos na política. Confira abaixo outras denúncias e condenações do ex-governador, nas esferas eleitoral e criminal:

  • Dinheiro impróprio para campanha: Em 2006, Garotinho foi acusado de recebimento de dinheiro impróprio para as suas campanhas, devido a isso, ele se declarou vítima de parte da imprensa e do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, não deram o mesmo espaço para a sua defesa como o que é dado para as denúncias. Em protesto, Garotinho resolveu entrar em uma greve de fome, iniciada em 30 de abril, que durou 11 dias. O processo contra Garotinho ainda tramita na Justiça.
  • Formação de quadrilha: Em 29 de maio de 2008, a Polícia Federal prendeu o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro no governo Garotinho, o então deputado Álvaro Lins. Ele e Garotinho foram indiciados por formação de quadrilha armada. Em agosto de 2010, Garotinho foi condenado por formação de quadrilha, junto com Lins. A Justiça Federal aplicou uma pena de dois anos e meio de prisão, convertidos em serviços à comunidade e suspensão de direitos políticos. Lins foi condenado a 28 anos de prisão por formação de quadrilha armada, corrupção passiva e lavagem de bens.
  • Uso indevido de meios de comunicação: Em maio de 2010, ele foi considerado inelegível por abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação social nas eleições de 2008. O TRE-RJ também cassou o mandato de Rosinha Garotinho, então prefeita de Campos, por abuso do poder econômico. A decisão tornou inelegíveis a prefeita, o ex-governador e três radialistas. Em 28 de junho de 2010, o TRE-RJ manteve a decisão de deixar o casal inelegível até 2011.
  • Operação Chequinho: No dia 16 de novembro de 2016, Garotinho foi preso por agentes da PF em seu apartamento, no Rio. A prisão, no âmbito da Operação Chequinho, a princípio era de caráter preventivo. Ela aconteceu um dia antes da prisão de outro ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, por propina para fechar contratos públicos. No caso de Garotinho, as acusações diziam respeito a atos dele quando era secretário de Governo de Campos dos Goytacazes, quando sua esposa era a prefeita.
  • Propina para juiz: Em 18 de novembro de 2016, Sidney Madruga, da Procuradoria Regional Eleitoral, encaminhou uma denúncia à PF afirmando que Garotinho e seu filho, Wladimir Matheus, teriam oferecido indiretamente propinas de até R$ 5 milhões a um juiz para evitar a prisão de ambos. Em 24 de novembro, por 6 votos a 1, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revogou o pedido de prisão de Garotinho, concedendo-lhe liberdade mas sob medidas cautelares e pagamento de fiança de R$ 88 mil.
  • Ameaças a testemunhas: Em 13 de setembro de 2017, Garotinho foi novamente preso pela PF, com mandado de prisão domiciliar contra ele. Na ocasião, Garotinho apresentava seu programa diário na Super Rádio Tupi. Garotinho estaria obstruindo as investigações da Operação Chequinho, com ameaças a testemunhas e destruição de provas. Na mesma decisão, o juiz condenou Garotinho a 9 anos, 11 meses e 10 dias de prisão em regime fechado por compra de votos nas eleições de 2016.
  • Operação Caixa D'Água: Garotinho voltou a ser preso em uma operação da PF, em 22 de novembro de 2017, dessa vez no âmbito da Operação Caixa D'Água, que investigava crimes eleitorais. No mesmo dia, também foi decretada a prisão de Rosinha Garotinho e do presidente do PR, Antonio Carlos Rodrigues. Todos eram acusados de corrupção, concussão, participação em organização criminosa e falsidade na prestação de contas eleitorais. Garotinho foi levado para a cadeia de Benfica. Foi solto um mês depois, por meio de liminar concedida pelo então presidente do TSE, Gilmar Mendes.

O ex-governador do Rio Anthony Garotinho deixa o Hospital Souza Aguiar, onde estava internado, para o Complexo Penitenciário de Bangu. Foto: Vladimir Platonow/Agência Brasil

Guinada com apoio de Brizola e dos evangélicos

Garotinho começou a trajetória política como ferrenho defensor da democracia e filiado ao PT. Com tal bandeira, foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro em 1982, aos 23 anos, tornando-se o mais novo ocupante do cargo até então. Entrou para a história em 1989 como o primeiro governador do Rio eleito pelo voto direto após a ditadura (1964-1985).

Filiado ao PDT, Garotinho venceu o pleito com o apoio de Leonel Brizola, tendo Benedita da Silva como vice e um programa de fortalecimento dos direitos sociais. Logo se fortaleceu com o populismo, oferecendo serviços subsidiados, como refeições, medicamentos e hospedagem, a preços simbólicos. Também ganhou os evangélicos se apresentando como líder religioso.

Garotinho deixou o PDT em novembro de 2000, por divergências com Brizola. Filiado ao PSB, concorreu à presidência da República em 2002 e lançou a candidatura de sua esposa Rosinha Matheus à própria sucessão, no mesmo ano. Perdeu a presidência, mas Rosinha foi eleita no primeiro turno. Ambos contaram com a votação maciça de evangélicos. 

A vitória da esposa lhe garantiu um cargo público e visibilidade.  Em abril de 2003, ele assumiu a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, na administração de Rosinha. Em agosto do mesmo ano, mudou novamente de partido, ingressando no PMDB, o atual MDB. Em 2006, foi nomeado secretário de Governo do Rio de Janeiro e presidente do PMDB no estado.

Ao mesmo tempo que o casal assumia o comando do Estado do Rio de Janeiro começavam a surgir denúncias de crimes comuns e eleitorais contra ambos. O desgaste na imagem deles foi turbinado com o crescimento na violência urbana e escândalos de corrupção policial, com a prisão do chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins.

Mais uma tentativa à Presidência e saída tumultuada do PMDB

Mesmo com as crises, o PMDB escolheu Garotinho como candidato à Presidência da República em 2006. O projeto só não foi adiante devido à uma decisão do TSE em favor da verticalização das coligações partidárias. O PMDB entrou na aliança pela reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas Garotinho, crítico dos governos do PT, tomou outro rumo.

Ele fechou com Heloísa Helena (PSol), no primeiro turno, e Geraldo Alckmin (PSDB), no segundo. Sem conseguir eleger seus candidatos e com divergências com o governador eleito Sérgio Cabral Filho (PMDB), Garotinho deixou o partido em junho de 2009 e se filiou ao PR, assumindo a presidência regional da legenda.

No ano seguinte, Garotinho foi eleito deputado federal com a maior votação já registrada para o cargo no Estado do Rio de Janeiro. Ele obteve 694 862 votos (8,69% do total), sendo o 2º mais votado do Brasil, ficando atrás apenas do palhaço Tiririca, também do PR, eleito naquele ano por São Paulo.

Tentativas frustradas de voltar ao governo do Rio de Janeiro

Garotinho não teve o mesmo sucesso em 2014, quando, ainda no PR, se lançou como candidato a governador do Rio de Janeiro. Ele conquistou 18,22% dos votos válidos, ficando em terceiro lugar, fora do segundo turno, que teve Pezão e Crivella como concorrentes. Pezão foi o vencedor.

Ele tentou uma nova eleição ao governo do Estado em 2018. Mas foi atropelado por uma sequência de eventos contrários. Houve as prisões sob acusações de esquemas de corrupção e a comissão regional da sua legenda, o PR, foi dissolvida pela executiva nacional. Lançou a sua candidatura pelo PRP.

Mas o TRE-RJ indeferiu o registro da candidatura em 6 de setembro de 2018, com base em uma condenação por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito de terceiro relativa a um suposto desvio de R$ 234,4 milhões do orçamento da Secretaria de Estado de Saúde entre 2005 e 2006. O TSE confirmou a decisão do TRE-RJ.

Então filiado ao União Brasil, Garotinho tentou novamente se eleger governador do Rio de Janeiro em 2022. Mas ele desistiu de concorrer, após reuniões com a legenda. Disse que ficou acertado que não teria a obrigação de apoiar o governador Cláudio Castro (PL), que acabou vencendo o pleito. 

A principal condição do clã Garotinho para apoiar a reeleição de Castro era que o governador se afastasse politicamente do secretário de Governo, Rodrigo Bacellar. O deputado estadual em primeiro mandato tinha como base eleitoral Campos dos Goytacazes, onde era rival dos Garotinhos. 

Filho mantém distância do pai no principal reduto eleitoral da família

Atualmente, é Wladimir Garotinho quem comanda Campos. Ele, que tenta ser reeleito, começou a carreira em 2018, quando foi eleito deputado federal pelo PRP. Em 2020, venceu a corrida para a prefeitura pelo PSD. Filiou-se ao PP, fez campanha em 2022 para o Jair Bolsonaro (PL), ganhando seu apoio e o do filho 01 do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL). 

Além do PP, a aliança de Wladimir Garotinho reúne Republicanos, PP, PDT, MDB, Pode, PL, Agir e Avante. O começo da sua campanha à reeleição foi marcado por um distanciamento dos pais, em especial do patriarca. O filho de Anthony Garotinho tenta fazer uma carreira própria e longe dos problemas judiciais dos demais integrantes do clã, segundo assessores.

Além de evitar contatos públicos com o pai, não deixá-lo coordenar sua campanha ou sequer produzir qualquer peça publicitária com ele, Wladimir operou nos bastidores para Anthony Garotinho perder o controle do diretório do PL em Campos. O prefeito fez questão de indicar os nomes da executiva local. Em função dessa disputa, Garotinho se filiou ao Republicanos. 

Na guerra familiar, Anthony Garotinho tem como aliados a esposa e a filha Clarissa, ex-deputada federal. Foi Rosinha quem expôs as desavenças, por meio de publicação em rede social com referências bíblicas – ela é evangélica.  “Já é bíblico que chegaria o tempo em que os filhos se voltariam contra seus pais. “Eu só não me preparei pra passar por isso dentro da minha família”, escreveu ela no Instagram em 1º de agosto. 

Apenas Rosinha participou do lançamento oficial da campanha de Wladimir à reeleição, na última segunda-feira (19). O pai do prefeito gravou um vídeo, exibido em um telão. “Wlad, eu gostaria muito de estar aí, para poder te dar um abraço. Falar para você que, independentemente de, às vezes, a gente, como pai e filho, ter assim, alguns atritos, eu e sua mãe te amamos muito e desejamos que você seja vitorioso”, disse o ex-governador. Clarissa não foi ao evento. Nem mandou ou publicou qualquer mensagem.