BRASÍLIA – Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru,  se tornou centro de uma polêmica na política brasileira nesta semana. Condenada pela justiça peruana a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro no caso Odebrecht, Nadine desembarcou em Brasília na quarta-feira (16), em um avião da Força Aérea Brasileira, após receber asilo diplomático concedido pelo governo Lula.

Nadine não foi ao próprio julgamento e se dirigiu à embaixada brasileira em Lima, na capital peruana, logo após a Terceira Vara Colegiada do Tribunal Superior Nacional do Peru ler a sentença que a condenou. A juíza Nayko Coronado Salazar, responsável pelo caso, emitiu mandados de prisão imediata após a decisão da Corte.

No escritório de representação brasileira, ela pediu asilo político para evitar a prisão. Horas depois, a presidente do Peru, Dina Boluarte, concedeu salvo-conduto para permitir que  ela viajasse para o Brasil com o filho, que tem menos de 18 anos. Já o marido dela, o ex-presidente Ollanta Humala, 62 anos, decidiu ficar no Peru e acabou preso.

A decisão foi tomada com base na Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954. Conforme o artigo 12 do documento, o país do qual o solicitante de asilo pretende sair é obrigado a atender imediatamente o pedido, vindo do país que vai recebê-lo, de permitir que o asilado vá para território estrangeiro, “salvo caso de força maior”.

Humala é o segundo ex-presidente peruano condenado pela justiça peruana de um total de quatro ex-chefes de Estado envolvidos no esquema de corrupção da Odebrecht no país. Ele foi levado para uma pequena prisão em uma base da polícia na zona leste de Lima, onde estão presos os ex-presidentes do país Alejandro Toledo e Pedro Castillo.

Quem é Nadine Heredia

De família rica, Nadine Heredia tem 48 anos e cursou comunicação social, com especialização em sociologia. Conheceu Ollanta Humala, então oficial do Exército, em 1996, e se casou com ele três anos depois. O casal teve três filhos e, ao longo dos anos seguintes, se tornou uma das principais forças da política peruana.

Em 2005, os dois fundaram o Partido Nacionalista Peruano (PNP), que levou Humala à presidência em 2011 - o mandato foi até 2016. Durante o período, Heredia teve papel de destaque nos bastidores do governo e presidiu o partido de 2013 a 2016. Também nessa época, esteve envolvida em diversas investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. 

Nadine foi acusada de receber recursos ilegais da Odebrecht para financiar a campanha presidencial de 2011. Em julho de 2017, chegou a ser presa preventivamente junto com Humala. Após permanecerem detidos por cerca de nove meses, foram libertados por decisão do Tribunal Constitucional do Peru. 

As investigações, no entanto, continuaram e resultaram na condenação dada na última semana. A ex-primeira-dama chegou a Brasília em um voo da Fab ainda na quarta-feira. Da capital federal, ela e o filho seguiram para São Paulo. Ela teria escolhido a capital paulista como destino para tratar um câncer. 

Condenação do casal

O casal foi condenado a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro, por receber propinas da construtora brasileira Odebrecht (atual Novonor) e do governo venezuelano durante suas campanhas eleitorais de 2006 e 2011. A defesa do ex-presidente disse que vai recorrer da decisão.

A sentença divulgada na terça encerrou mais de três anos de audiências contra Humala, ex-líder de centro-esquerda que governou o Peru entre 2011 e 2016. Ele foi acusado de lavagem de ativos por ocultar o recebimento de US$ 3 milhões da Odebrecht em doações ilegais para a campanha de 2011, que o levou à presidência.

Já na campanha derrotada de 2006, Ollanta Humala e Nadine Heredia também teriam desviado US$ 200 mil enviados pelo então presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O Ministério Público peruano diz que o dinheiro foi mandado por Chávez “através de transferências bancárias com a empresa de investimentos Kayzamak”.

A promotoria havia pedido 20 anos de prisão para Humala e 26 anos para Heredia, a quem também acusou de ocultação de fundos mediante “compras de bens imóveis com dinheiro da Odebrecht”. O casal sempre negou ter recebido dinheiro de Chávez ou de qualquer empresa brasileira.

Outros ex-presidentes do Peru também estão presos

Em 2016, a Odebrecht admitiu ter feito pagamentos indevidos totalizando cerca de US$ 788 milhões para obter contratos de obras públicas em vários países da América Latina, incluindo o Peru. Já no Brasil, a empreiteira foi alvo de ações judiciais no âmbito da operação Lava Jato.

Alejandro Toledo, que governou o Peru entre 2001 e 2006, foi condenado a mais de 20 anos de prisão no ano passado por ter recebido subornos em troca da concessão de obras durante seu mandato. Já Pedro Pablo Kuczynski, presidente entre 2016 e 2018, cumpre prisão domiciliar provisória. 

Ele é investigado por corrupção no período em que foi ministro no governo Toledo, por suspeita de envolvimento na concessão de duas licitações à empreiteira. Alan García, que foi presidente do Peru por dois mandatos (1985-1990 e 2006-2011), se matou em 2019, após saber que seria preso preventivamente por conexão com os subornos da Odebrecht.

Em 2000, em meio a um escândalo de corrupção, o Congresso destituiu o então Alberto Fujimori por “incapacidade moral permanente”. Ele estava no poder desde 1990 e havia enviado sua renúncia por fax do Japão, para onde fugiu dias antes de ser derrubado.  Extraditado do Chile, em 2009, Fujimori foi condenado a 25 anos de prisão por corrupção e crimes contra a humanidade. 

Após mais de uma década na cadeia, ele foi libertado em 2023 e morreu no ano passado, vítima de câncer. Sua filha, Keiko, tornou-se líder da oposição. Ela cumpriu 15 meses de prisão preventiva, entre 2018 e 2020, por envolvimento com a Odebrecht.

Diplomacia brasileira é questionada

A decisão do Itamaraty em dar asilo político para Nadine e trazer a ex-primeira-dama do Peru em um avião da FAB para o Brasil gerou críticas da oposição brasileira e de entidades como a Transparência Internacional, que questionaram o uso do país como refúgio para condenados por corrupção.

Contudo, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o asilo diplomático concedido pelo governo brasileiro à ex-primeira-dama de Peru, Nadine Heredia, e seu filho de 14 anos se deu por razões “humanitárias”. A fala foi dada em entrevista à Globo News, na sexta-feira (18).

“Com base em questões humanitárias. Ela foi recentemente operada por uma questão grave de coluna vertebral, está em recuperação, precisa continuar em tratamento e estava acompanhada de um filho menor. O marido condenado está detido e, portanto, o filho menor também estaria abandonado ou desprotegido. Foi com base em critérios humanitários", afirmou Vieira. (Com AFP)