BRASÍLIA - O início da sessão plenária do Mercosul, nesta quinta-feira (3), em Buenos Aires, foi um retrato das diferenças de visão de mundo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Argentina, Javier Milei, anfitrião do evento.
No discurso de abertura do encontro, com os presidentes e outras autoridades dos quatro países-membros, Milei fez críticas ao bloco. Segundo ele, ao longo de mais de três décadas de existência, o Mercosul contribuiu para limitar as liberdades, sobretudo na esfera econômica. O líder argentino pediu maior abertura comercial.
“Devemos, em definitivo, parar de pensar no Mercosul como um escudo pro mundo e começar a pensá-lo como uma lança que nos permita penetrar de forma mais efetiva nos mercados globais, dos quais as barreiras tarifárias nos tem excluído”, disse.
Por outro lado, Milei afirmou que “não podemos deixar que nossas diferenças em questões acessórias nos dividam”.
Logo depois, em seu discurso, Lula também pontuou que o Mercosul serve como uma espécie de escudo protetor para os países-membros. Mas ao contrário de Milei, abordou a questão sob um viés positivo.
“Estar no Mercosul nos protege. Nossa tarifa externa comum nos blinda de guerras comerciais alheias. Nossa robustez institucional nos credencial perante o mundo com parceiros confiáveis", afirmou.
O presidente destacou o que será a prioridade do Brasil quando exercer a presidência temporária do Mercosul ao longo deste semestre, a finalização do acordo comercial Mercosul-União Europeia, que enfrenta resistências de agricultores europeus.
“Estou confiante de que até o fim deste ano, assinaremos os acordos com a União Europeia e a EFTA [Associação Europeia de Comércio Livre], criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo”, declarou.
Lula também defendeu que o Mercosul dê maior importância às relações com países asiáticos. A declaração reforça o posicionamento do petista de pregar uma aproximação a países do “Sul Global”, em detrimento de potências ocidentais.
“É hora de o Mercosul olhar para a Ásia, centro dinâmico da economia mundial. Nossa participação nas cadeias globais de valor se beneficiará de maior aproximação com Japão, China, Coreia, Índia, Vietnã e Indonésia”.
Em sua fala, Lula ainda defendeu o apoio a pequenas e médias empresas, o fortalecimento de um sistema de pagamentos em moedas locais e o combate às “multinacionais do crime”. Anunciou, ainda, que a presidência brasileira vai realizar uma “cúpula sindical” do Mercosul.
Visita a Cristina Kirchner
Após o encerramento da cúpula, Lula deve fazer uma visita à ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, principal adversária política de Javier Milei. Ela cumpre prisão domiciliar e o encontro precisou de autorização da justiça argentina.
Aliada histórica do PT, Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação política perpétua por administração fraudulenta. A ex-presidente nega os crimes imputados. Lula e o PT manifestaram solidariedade e a classificaram como uma perseguida política.
Lula teria sido aconselhado por auxiliares a não visitar a líder peronista. Membros da diplomacia brasileira temem que o encontro ofusque o fato de que o Brasil assumirá a presidência do Mercosul, com o foco na conclusão do acordo com a União Europeia, e provoque algum tipo de represália de Javier Milei.