SÃO PAULO E BRASÍLIA - Cotado como candidato à Presidência da República no ano que vem, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) buscou remover o desgaste diante da crise do tarifaço ao Brasil anunciado por Donald Trump e na sexta-feira (11) fez uma rodada de conversas que passou pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo chefe da embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
O governo Lula tem associado as consequências econômicas do tarifaço à oposição, inclusive ao aliado de Bolsonaro. De acordo com interlocutores do governador, Tarcísio pode se colocar como um possível negociador com Trump. O governador, porém, além de ter encontrado obstáculos na conversa com ministros do Supremo, viu resistência dentro do campo bolsonarista para essa tentativa de diálogo.
Eduardo Bolsonaro, deputado licenciado e filho do ex-presidente, disse por exemplo que o eventual fim do tarifaço precisa passar necessariamente por uma anistia geral aos acusados da trama golpista, o que incluiria seu pai, réu no STF no processo da trama golpista.
Já o ex-apresentador Paulo Figueiredo, outro bolsonarista que tem advogado nos EUA por sanções contra o governo Lula, disse que Tarcísio "atrapalha sem nem saber". "Enquanto o sistema tiver esperanças de que ele surja como o Salvador da Pátria intermediando um acordo com os EUA, não vão nem cogitar aquela que é a única solução real: a anistia ampla, geral e irrestrita".
Outro obstáculo para o papel de negociador aspirado por Tarcísio é o próprio Bolsonaro, que em nota um dia antes deixou claro que o que lhe interessa é a anistia. A tarifa de 50% aos produtos brasileiros e suas consequências aos produtores locais têm sido ignoradas pelo ex-presidente, que pede pressa aos Poderes para atender às exigências de Trump.
Além disso, segundo aliados, Bolsonaro quer centralizar nele e nos filhos a interlocução direta com o governo Trump. Uma eventual mediação de Tarcísio é vista pelo clã como tentativa de voo solo do afilhado político do ex-presidente, que poderia sair mais fortalecido politicamente em caso de sucesso.
A carta de Trump a Lula sobre o tarifaço deixa claro que a motivação dos EUA é a busca pelo fim do processo contra Bolsonaro no STF. Trump é aliado de Bolsonaro, padrinho político de Tarcísio, que por sua vez é fã do presidente dos EUA, tendo até posado com um boné do republicano nas redes sociais após as eleições americanas, algo que tem sido explorado por aliados do Palácio do Planalto diante da atual crise.
As tentativas e Tarcísio
A busca de Tarcísio agora por um protagonismo de negociador ocorre após ter sido exposto a um nó político, na tentativa de se equilibrar entre fidelidade a Bolsonaro e o respeito à Justiça e à democracia.
Na avaliação de dois presidentes de partidos, de deputados federais e estaduais aliados ao governador e de integrantes de sua equipe, a imagem de Tarcísio entre os bolsonaristas sairá arranhada caso ele não apoie as medidas de Trump nem as trate como reflexo direto de uma suposta perseguição antidemocrática sofrida pelo ex-presidente.
Por outro lado, se endossar as barreiras comerciais impostas pelo governo americano, o desgaste será com o mercado financeiro, o setor agropecuário e com eleitores fora do campo bolsonarista. Na segunda-feira (7), quando Trump publicou um texto em defesa de Bolsonaro, Tarcísio rapidamente reverberou a mensagem, tratando a iniciativa como uma vitória do bolsonarismo e atacando indiretamente a legitimidade do STF para julgar o processo criminal contra o aliado.
"Jair Bolsonaro deve ser julgado somente pelo povo brasileiro, durante as eleições. Força, presidente", disse, na ocasião, em uma crítica também a decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que condenou Bolsonaro e o declarou inelegível até 2030 por uso da máquina nas eleições e ataques à Justiça Eleitoral.
A corrida de Tarcísio começou na tarde desta quinta-feira (10), quando enforcou a agenda no Palácio dos Bandeirantes e viajou a Brasília para se encontrar com Bolsonaro. No mesmo dia, o ex-presidente publicou uma nota nas redes sociais na qual deixou claro que a anistia é o que mais o interessa no momento.
Bolsonaro nem entrou no mérito do tarifaço, apenas citou a medida, e pediu pressa às autoridades brasileiras para que cumpram as exigências de Trump, que cobra diretamente o encerramento do julgamento no STF. Se condenado, Bolsonaro pode ser preso neste ano e pegar uma pena de 40 anos.
Outra iniciativa de Tarcísio acabou como uma derrapada. Como revelou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, o governador telefonou para ministros do STF que autorizassem Bolsonaro a viajar aos EUA para se encontrar com Trump e negociar o tarifaço. A proposta de Tarcísio foi considerada surpreendente e esdrúxula pelos ministros.
Direto com os EUA
Já na manhã de sexta-feira, Tarcísio teve uma reunião com o chefe da embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar. "Acabo de me reunir com Gabriel Escobar, Encarregado de Negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, em Brasília. Conversamos sobre as consequências da tarifa para a indústria e agro brasileiro e também o reflexo disso para as empresas americanas", escreveu Tarcísio em uma rede social.
"Vamos abrir diálogo com as empresas paulistas, lastreado em dados e argumentos consolidados, para buscar soluções efetivas. É preciso negociar. Narrativas não resolverão o problema. A responsabilidade é de quem governa", completou o governador na mesma postagem.
Escobar é encarregado de negócios da missão dos EUA no Brasil, que está sem embaixador desde o início da gestão Trump. A embaixada dos EUA confirmou a reunião entre Escobar e Tarcísio e destacou que São Paulo é o Estado "com a maior concentração de investimento americano no Brasil".
"Ressaltamos que diplomatas americanos se reúnem regularmente com governadores brasileiros. A Embaixada dos EUA promove os interesses das empresas americanas e a cooperação bilateral", disse a representação, em nota.
Na quarta (9), dia em que Trump divulgou nas redes sociais uma carta em que anuncia as sobretaxas e volta a se queixar de perseguição política contra Bolsonaro, Escobar foi convocado duas vezes ao Itamaraty para prestar explicações.
Na diplomacia, trata-se de uma forma de o país anfitrião, no caso o Brasil, demonstrar profunda insatisfação com a condução da relação bilateral. Na segunda reunião, representantes do Itamaraty devolveram simbolicamente a Escobar a carta endereçada por Trump a Lula.