Vacinação

Ministério da Saúde acionou PGR, Justiça e CGU por preço da Coronavac

Ofícios foram enviados de julho a novembro de 2021, contexto de auge da CPI da Covid. Determinação do Ministério era para levar para frente qualquer sinal de divergência nos contratos

Por FOLHAPRESS
Publicado em 30 de janeiro de 2022 | 17:59
 
 
 
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O Ministério da Saúde pediu apuração da Procuradoria-Geral da República (PGR), do Ministério da Justiça e da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o preço da vacina Coronavac ofertado pelo Instituto Butantan.

O ministério apontou que o órgão ligado ao governo paulista vendeu cada dose por US$ 10,30 (cerca de R$ 55,50; todas as conversões se referem à cotação mais recente do dólar), enquanto o Covax Facility, consórcio ligado à OMS (Organização Mundial da Saúde), ofereceu ao Brasil a mesma vacina por cerca da metade do preço.

Os ofícios aos órgãos de controle foram enviados de julho a novembro de 2021. Interlocutores da pasta dizem, em um contexto de auge da CPI da Covid, que a determinação era para passar adiante qualquer sinal de divergência nos contratos.

Em resposta à Saúde, no ano passado, o Butantan disse que não há como comparar os valores, pois entregou 100 milhões de doses ao governo federal. Já a proposta mais barata era de 500 mil unidades, segundo o laboratório. O instituto disse ainda que era preciso observar o contexto econômico dos contratos, com seis meses de diferença.

Procurada, a PGR confirmou que o procedimento está em análise, mas sob sigilo. Na mesma linha, a CGU disse que analisa processos de aquisições de vacina, mas que, por ainda estarem em andamento, não pode dar mais informações. Já a Polícia Federal arquivou o caso.

O Butantan disse que "não recebeu nenhum comunicado oficializando a investigação por parte do Governo Federal".

Disputa acirrada

As negociações sobre a Coronavac foram tema de disputa entre Bolsonaro (PL) e o governador paulista João Doria (PSDB) durante a pandemia.O presidente, que sempre se portou de maneira negacionista em relação à Covid-19, chegou a mandar cancelar a compra de 60 milhões de doses e chamou o imunizante de "vacina chinesa do Doria". Bolsonaro, inclusive, comemorou a interrupção de estudos clínicos e segue distorcendo dados para questionar a segurança da vacina.

Já Doria agiu alinhado às recomendações dos especialistas, com base em evidências científicas. Ele busca, porém, associar a sua imagem à aposta que fez na Coronavac para impulsionar a sua candidatura a presidente. O governador inflou dados sobre a eficácia da vacina antes de a Anvisa liberar o uso das doses.

A Saúde afirma, em ofícios obtidos pela reportagem, que recebeu em 9 de julho oferta do Covax com o preço mais baixo da Coronavac do que foi pago ao Butantan meses antes.

No dia 19 do mesmo mês, o ministério abriu os questionamentos sobre o preço da vacina, em documento enviado ao Butantan. "Faz-se necessário justificar a diferença de preços, haja vista que tem sido rigorosamente exigida, pelos órgãos de controle, justificativa fundamentada acerca da vantajosidade econômica quanto aos valores praticados nas contratações", disse a Saúde.

Em 23 de julho, antes de receber a resposta do Butantan, a pasta comandada por Marcelo Queiroga entregou as informações sobre os preços da Coronavac à CGU e ao Ministério da Justiça, para "conhecimento e adoção de providências que julgar pertinentes".

Um dia antes,Bolsonaro havia dito que pediu para Queiroga acionar estes órgãos "para que seja investigado o porquê da metade do preço agora, o que aconteceu com o Butantan".

O Ministério da Justiça acionou a Polícia Federal, que disse, em nota, não ter encontrado "informação que pudesse configurar notícia de crime e que viabilizasse o início de investigação por inquérito policial".

"Como o expediente foi encaminhado à CGU, órgão de controle competente para realizar auditoria no contrato, o expediente foi encerrado na PF e será reaberto para nova análise caso haja detecção de irregularidade contratual ou administrativa em relação aos preços unitários informados", disse a corporação.

O presidente da Fundação Butantan, Rui Curi, respondeu os questionamentos da Saúde em 28 de julho, em ofício de sete páginas.

"Referido consórcio trabalha para a aquisição e distribuição de vacinas contra a Covid-19 para países de baixa renda e em altíssima vulnerabilidade, ou seja, ele possui fins exclusivamente sociais e ainda assim, frise-se, o preço da dose praticado pela Fundação Butantan para entrega de suas vacinas foi inferior ao da Covax adquirida pelo Ministério da Saúde", disse Curi.

De acordo com o documento do Butantan, a vacina vendida ao governo Bolsonaro custou US$ 10,30, enquanto o valor de cada dose em contrato assinado pelo ministério com o Covax, no fim de 2020, foi de US$ 10,80 (cerca de R$ 58,20).

Curi diz ainda que não é possível comparar preços sem analisar contexto histórico e condições de ofertas dos itens. "Tenha-se certeza que não se pode comparar o preço de um equipamento, qualquer que seja, que é praticado por uma empresa hoje [julho] com o preço praticado pela mesma empresa em 2020, quando do início da pandemia, pois as circunstâncias são distintas e ensejam diferentes planos de ação", completou.

Mesmo diante da resposta, a Saúde encaminhou o caso para o gabinete de Augusto Aras, em novembro de 2021. O Brasil aderiu ao consórcio Covax Facility por meio de contrato de R$ 2,5 bilhões. A previsão de compra de 42,5 milhões de vacinas por cerca de US$ 10,9 cada dose, segundo estimativa da Saúde de outubro daquele ano.

A entrada no consórcio teve impacto tímido na campanha de imunização do SUS. A iniciativa da OMS centralizou esforços nas entregas de vacinas aos países mais pobres e colocou em segundo plano a distribuição ao Brasil, que fechou contratos maiores diretamente com as farmacêuticas.

Das 407,4 milhões de vacinas entregues ao governo até agora, cerca de 13,9 milhões eram do Covax.

O governo pagou cerca de R$ 1,2 bilhão do contrato e fez acordo para o consórcio redirecionar as doses restantes que eram esperadas a outros países.

O Ministério da Saúde recebeu 3,9 milhões de doses da Coronavac via Covax Facility. Segundo a pasta, a proposta para entrega destas doses foi oficializada em agosto.

Procurada, a pasta não explicou se pagou cerca de US$ 5 (R$ 26,95) ou cerca de US$ 10 (R$ 53,90) por essas doses. A pasta também não apontou as diferenças entre a proposta de julho, citada em ofício, que o Butantan diz ser de 500 mil doses, e de agosto, que levou a compra de 3,9 milhões de vacinas Coronavac.

A reportagem apurou, contudo, que o ministério desembolsou cerca de US$ 5, mais aproximadamente US$ 2 (R$ 10,78) pelo frete. Interlocutores da pasta, reservadamente, negam que tenha havido proposta de 500 mil doses.

Procurada, a Aliança Gavi não informou preços e acordos de imunizantes. Em nota enviada à reportagem, disse que o Covax está em negociação com vários produtores de vacinas, e que divulgar informações sobre esses acordos pode prejudicar negociações futuras. Contudo, a Unicef publicará todos os detalhes futuramente, disse, sem fornecer data.

Na resposta aos questionamentos da Saúde, o presidente da Fundação Butantan disse que a pergunta sobre a composição do preço da Coronavac "mostra total desapego à realidade". Ele argumentou que estes valores já haviam sido apresentados em reuniões com o ministério.

"A Fundação Butantan não busca lucros em suas operações, o que permite ajustar seus preços à realidade do mercado público nacional, como vem fazendo há décadas com o fornecimento de soros e vacinas para o PNI", disse ele.

"O próprio Ministério da Saúde ainda não recebeu a totalidade das 42 milhões de doses adquiridas ao Covax, dentre as quais nenhuma delas fabricadas pelo Instituto Butantan ou pela Sinovac, e já estão sendo ofertadas outras pelo referido consórcio?", afirmou Curi à época.

O presidente da entidade também disse que "a demora" do governo na compra de vacinas "certamente provocou danos à saúde do povo brasileiro".

Na mesma resposta, o laboratório paulista enviou à Saúde planilha de custos da Coronavac. A compra do "produto importado" para fabricação da vacina responde por 66,41% do valor do imunizante, segundo a tabela.

Na sequência, o maior gasto é com pesquisa e desenvolvimento (28,74%). Este porcentual foi um dos pontos que chamou atenção de técnicos do Ministério da Saúde. Para eles, a precificação da Coronavac ainda não estava clara.

O Ministério da Saúde e o Butantan discutem agora contrato por 7 milhões de doses da Coronavac. A ideia é usar estas vacinas no público de 6 a 17 anos.

A oferta atual do Butantan é de US$ 7,30 (R$ 39,35) por dose, apurou a Folha com autoridades que acompanham a negociação. O volume e a composição do imunizante são iguais às de adultos, ofertadas no ano passado.

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