Investigação

Caso Marielle: PF destaca histórico de ameaças feitas por Domingos Brazão

Relatório final sobre os assassinatos de Marielle e Franco tem destaque de ameaças de Domingos Brazão a adversária político e a conselheiro do TCE-RJ

Por Renato Alves
Publicado em 25 de março de 2024 | 12:23
 
 
 
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A Polícia Federal (PF) citou, no relatório final sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, o histórico de ameaças a adversários por parte de Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) que foi preso no domingo com o irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (Sem Partido-RJ) e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa, apontados como mandantes do duplo homicídio.

Domingos Brazão, que foi vereador e deputado estadual, o mais novo de seis irmãos de uma família com forte influência na política fluminense, mas de origem humilde, que acumulou riquezas após assumir cargos públicos. Os irmãos Brazão ficaram conhecidos em investigações sobre esquemas de corrupção, com nomes ligados às milícias, como no Caso Marielle. 

“O líder do Clã Brazão, Domingos Brazão, esteve ao longo dos anos envolto em uma névoa criminal nunca dissipada em razão das relações político-estatais por ele construídas. Cercou-se de policiais, parlamentares, políticos, conselheiros dos Tribunais de Contas e líderes de organizações criminosas, notadamente aquelas que exploram atividades típicas de milícias”, cita a PF no relatório.

Os episódios mais conhecidos protagonizados por Domingos Brazão quando era deputado envolveram Cidinha Campos, que sempre apresentou relatórios sobre supostas ações criminosas do adversário político, mas nunca conseguiu que os casos fossem apurados. 

Durante discussão no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2014, após ser chamada de “vagabunda e p***”, Cidinha rebateu: “É melhor ser p*** do que matador e ladrão”. E Brazão devolveu: “Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda ainda não mandei matar”.

O homicídio ao qual Brazão fez referência teria ocorrido quando ele era jovem. Segundo o ex-deputado, ele foi absolvido porque o caso foi entendido como legítima defesa. “Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido à minha rua, em minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão”, contou Brazão à época da briga com Cidinha, em entrevista ao jornal O Globo.

Domingos Brazão também ameaçou conselheiro do TCE-RJ, diz PF

O relatório da PF destaca ainda a suposta ameaça de Domingos Brazão ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) José Maurício Nolasco por causa de um suposto acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), que resultaria na Operação Quinto do Ouro.

Investigação do MPF e da PF apontava para um esquema de corrupção na Alerj e no TCE-RJ. Conselheiros do Tribunal de Contas recebiam 15% dos valores liberados pelo Fundo de Modernização da Corte para pagamentos de faturas vencidas de fornecedores de alimentação para presos e adolescentes submetidos a medidas de internação, além de favorecer as empresas de transporte em atos de fiscalização, segundo a investigação.

Operação desencadeada em 2017 resultou nas prisões de Aloysio Neves (presidente do TCE-RJ na época), Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco. 

Em delação premiada, José Lopes de Carvalho Júnior (outro conselheiro do TCE-RJ), contou que num almoço anterior à prisão foi cogitada a possibilidade de Nolasco firmar acordo de delação premiada após ter reportagem apontar que ele tinha recebido de um executivo da construtora Andrade Gutierrez vantagens indevidas.

“Se ele fizer isso ele morre. Eu começo por um neto, depois um filho, faço ele sofrer muito, e por último ele morre”, teria dito Domingo Brazão.

STF mantém prisão de delegado e irmãos Brazão

Na manhã desta segunda-feira (25), a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, de forma unânime, as prisões dos três suspeitos de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson, ocorridos em março de 2018. 

Além de Alexandre de Moraes, que expediu as ordens de prisão, votaram para manter a decisão os ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux. O caso foi analisado em plenário virtual. Os integrantes do colegiado tinham até 23h59 desta segunda-feira para se manifestar. 

Os mandados de prisão preventiva foram expedidos por Alexandre de Moraes, diante de relatório da PF que apontou crime político, motivado pelo fato de Marielle contrariar interesses da milícia e a grilagem de terras na zona oeste do Rio.

“Os indícios de autoria mediata que recaem sobre os irmãos Domingos Inácio Brazão e José Francisco Brazão são eloquentes. Com base na dinâmica narrada pelo executor Ronnie Lessa e pelos elementos de convicção angariados durante a fase de corroboração de suas declarações, extrai-se que os irmãos contrataram dois serviços para a consecução do homicídio da então vereadora Marielle Franco”, diz a PF no relatório. 

Com 479 páginas, o documento revela detalhes do funcionamento de uma rede de autoridades públicas suspeitas de estar por trás do crime praticado em 14 de março de 2018. As prisões ocorreram cinco dias após o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, anunciar a homologação da delação premiada de Ronnie Lessa, ex-policial militar que confessou ter executado Marielle e Anderson, com parceria de Élcio Queiroz, que dirigia o carro usado no crime.

A maior surpresa, para os familiares e amigos das vítimas, foi a inclusão do nome do ex-chefe da Polícia Civil, que até então nunca havia sido citado. No relatório, os investigadores afirmam que Rivaldo Barbosa “planejou meticulosamente” o crime. A mulher dele, Erica Andrade, foi alvo de buscas e apreensão. Ela é apontada como responsável por lavar dinheiro que o marido ganhou por meio de propinas quando era chefe da Delegacia de Homicídios do Rio e diretor da Polícia Civil fluminense.

“Se mostra indubitável a conclusão de que Rivaldo Barbosa instalou na diretoria de divisão de homicídios um verdadeiro balcão de negócios destinado a negociatas que envolviam a omissão deliberada ou o direcionamento de investigações para pessoas que se sabiam inocentes. Para tanto, Rivaldo fez negócio com contraventores, milicianos e, como se vê no caso em tela, políticos, no afã de se locupletar financeira e politicamente”, afirmam os investigadores. 

Os presos foram levados pela manhã para a Superintendência da Polícia Federal, no Rio de Janeiro Eles passaram por audiência de custódia. À tarde, foram transferidos para Brasília.

Outros suspeitos tiveram bens bloqueados 

Além das prisões e das buscas, Moraes também determinou bloqueio de bens; afastamento das funções públicas; e outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte e suspensão de porte de armas.

Policiais federais vasculharam o gabinete de Domingos Brazão no TCE-RJ, na manhã de domingo, para cumprir o mandado de busca e apreensão contra o conselheiro. 

Também foram alvos de medidas cautelares Erica Andrade, esposa de Rivaldo Barbosa; Giniton Lages, delegado da Polícia Civil e ex-chefe do Departamento de Homicídios; Marco Antonio Barros, comissário de Polícia Civil; e Robson Calixto Fonseca, assessor do TCE-RJ.

 

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