Para condenar Luciane Barbosa Farias a dez anos de prisão, a polícia do Amazonas levantou os bens em nome da mulher conhecida como “dama do tráfico”, por ser casada com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, apontado como líder do Comando Vermelho (CV) no Estado do Norte do país.
Luciane é protagonista da crise que atinge o governo Lula, em especial o ministro da Justiça, Flávio Dino, desde que o jornal O Estado de S.Paulo revelou que ela esteve no Ministério da Justiça com o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Elias Vaz, e com Rafael Velasco, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
Nesta quinta-feira (16), a Folha de S. Paulo mostrou que a Justiça amazonense se valeu de informações sobre automóveis, imóveis e um salão de beleza para condenar Luciane, em decisão proferida em 8 de outubro. Luciana, que nega ser integrante do CV, continua em liberdade e aguarda análise de recurso judicial.
Ela e o marido foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) por causa da relação com a facção criminosa. No caso de Luciane, a Justiça a absolveu do crime de financiar ou custear o tráfico de drogas, mas condenou por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
O TJ-AM apontou uma discrepante evolução patrimonial de Luciane para condená-la e afirmou que ela e o marido não têm uma “vida habitual e lícita, mas agem com o propósito de acobertar os lucros sórdidos advindos do submundo do crime.”
“Da análise dos autos, avistam-se provas suficientes a concluir que os apelados Clemilson dos Santos Farias e Luciane Barbosa Farias possuem um vínculo de estabilidade, habitualidade e permanência com outros indivíduos que praticavam o comércio de entorpecentes”, diz trecho da decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas publicado pela Folha.
Com base na investigação da Polícia Civil e denúncia do Ministério Público, uma decisão do TJ-AM afirma que o dinheiro proveniente do tráfico de drogas serviu ao casal para “comprar diversos bens (carros e imóveis) e até mesmo abrir um estabelecimento comercial (salão de beleza denominado Studio de Beleza Sempre Fina)”.
Luciane era responsável por ‘acobertar a ilicitude do tráfico’
A decisão do TJ-AM também cita que a esposa do líder do CV era a responsável por “acobertar a ilicitude do tráfico, tornando o numerário deste com personificação lícita, ao efetuar compra de veículos, apartamentos e até mesmo abrindo empreendimento”.
Um dos imóveis citados pelos investigadores como adquirido com dinheiro do crime é um apartamento no bairro Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife (PE). Outros dois ficam em Manaus e não tiveram os valores indicados na decisão.
No caso do apartamento em Pernambuco, não há registro formal da compra e a negociação foi confirmada com um contrato de compra e venda particular entre o casal e os antigos proprietários. Em depoimento, o casal afirmou ter pago R$ 390 mil pelo apartamento.
A Polícia Civil também utilizou como provas contra Luciane o fato de ter em seu nome um automóvel Honda Civic, um caminhão Mercedes Bens 1620 e um salão de beleza. Para eles, a renda declarada da esposa de Tio Patinhas não suportaria a compra dos veículos, imóveis e a abertura do empreendimento.
“Verifica-se que esta laborou em diversas empresas durante o período de 2009 a 2012, também recebendo uma média salarial no piso de um um salário mínimo. Logo, subentende-se ser inviável uma pessoa que durante anos recebeu um mínimo de renda possível, consiga abrir um salão de beleza com faturamento médio entre seis a oito salários mínimos”, diz a decisão do TJ-AM.
No processo, Luciane afirma que a abertura do salão de beleza se deu por meio de um financiamento bancário. A defesa dela, no entanto, não apresentou provas de que o empréstimo teria sido feito. A falta de confirmação sobre o uso do empréstimo fez a Justiça apontar que a narrativa dela sobre a origem dos valores é imprecisa, entre outros fatos, porque ela não possuía vencimentos para que um banco lhe fornecesse uma "margem de empréstimo razoável."
Outro ponto levantado pelos investigadores e usado na condenação da esposa de Tio Patinhas foi a evolução patrimonial. Ao analisar a declaração de Imposto de Renda dela, os investigadores concluíram que houve uma “discrepante evolução” entre os anos de 2015 e 2016. Os bens nesse período aumentaram de R$ 30 mil para R$ 346 mil mesmo com os registros apontando que, na mesma época, a renda de Luciane foi de R$ 36,2 mil.
Outro fato que chamou atenção dos investigadores foi Luciane possuir em seu nome o salão de beleza e um caminhão. Ao analisar esses fatos, a Justiça decidiu que “não se avista qualquer correlação pragmática entre o seu negócio e o veículo”.