Nunca é demais repetir: os pilares fundamentais das democracias modernas são a Constituição Federal e o Orçamento público. A Constituição, fixando direitos e deveres; erguendo o sistema de freios e contrapesos; regulando as relações entre Estado, sociedade e mercado; e limitando o poder do Estado. Já o Orçamento, regulando a capacidade de tributação dos governos; dando transparência às receitas e despesas públicas e ordenando o planejamento anual das ações governamentais.
O orçamento lida com uma linguagem árida para leigos. Poucas pessoas têm capacidade e paciência para analisar o calhamaço de informações, números, dotações, rubricas, projetos e programas. Os recursos disponíveis não são ilimitados, as demandas são múltiplas, e a elaboração do Orçamento exerce o papel de organizar as escolhas entre fins alternativos. O populismo fiscal é danoso e, em geral, produz efeitos negativos inversos às boas intenções iniciais que patrocinam a gastança de recursos desenfreada.
Essa realidade vem à tona quando o Congresso Nacional brasileiro está mergulhado, nas últimas semanas, em discussões como as das emendas secretas, da PEC dos Precatórios e do Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Enfermagem.
Orçamento secreto é, na verdade, uma contradição em termos. Afinal, o Orçamento público visa exatamente dar total transparência à alocação dos recursos. Não faz sentido algum transformar o relator do Orçamento numa espécie de “ordenador de despesas”, que tem uma chave secreta para autorizar gastos. O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão em negociações para corrigir o rumo do assunto.
A PEC dos Precatórios é outro assunto polêmico. Agride a Lei de Responsabilidade Fiscal, tenta driblar o teto de gastos, pressupõe o “calote” em dívidas líquidas e certas, materializadas nos precatórios, e cria espaço para a ampliação de despesas em ano eleitoral para um Estado bastante endividado e com déficits orçamentários recorrentes. Certamente, outras formas existem para financiar o Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família. O Senado Federal está procurando formas de minimizar os danos.
Por último, o Piso Nacional Salarial da Enfermagem. Como ex-secretário da Saúde de Minas, como poucos, sei da centralidade dos profissionais da enfermagem no sistema de saúde. São profissionais abnegados e dedicados. Mas o piso salarial aprovado pelo Senado Federal, nesta semana, implicará um gasto adicional para o SUS estimado em R$ 16 bilhões, recaindo sobretudo sobre municípios e Santas Casas. Ninguém apontou de onde sairá o dinheiro. E, pior, a direção da Câmara dos Deputados acenou com a redução da jornada de trabalho de 40 para 30 horas semanais para a categoria, o que aumentará significativamente o impacto orçamentário, sem o suporte de novos impostos ou o corte de outras despesas. Os efeitos futuros poderão ser graves.
É evidente que é muito mais simpático falar em ampliação de gastos com obras, salários melhores, novos programas governamentais. Quem fala em restrição orçamentária geralmente vira um chato desmancha-prazeres. Mas estamos urgentemente precisando de estadistas que tenham clareza e coragem para tirar o Brasil da profunda crise fiscal em que nos encontramos. A sociedade agradecerá, porque é ela que está pagando o preço da irresponsabilidade fiscal com a volta da inflação, juros altos, desemprego e fuga de investimentos.