Marcus Pestana

Solução ou equívoco?

A questão das candidaturas avulsas nas eleições


Publicado em 21 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Não é novidade que, no Brasil e no mundo, a democracia representativa, os sistemas políticos e suas ferramentas, os partidos políticos vivem uma crise de representação. É crescente a incapacidade dos partidos políticos de vocalizar os múltiplos e diversos interesses presentes na sociedade contemporânea, fragmentada e cada vez mais complexa. Como resultado, tivemos a emergência de movimentos e lideranças populistas que apontam para a implosão das instituições clássicas das democracias liberais.

Há abundante literatura a respeito. Cito apenas três sugestões de leitura: “Ruptura: A Crise da Democracia Liberal” (Manoel Castels); “O Ódio à Democracia” (Jacques Rancière); e “Como as Democracias Morrem” (Steven Levitsky e Daniel Ziblatt).

Apesar de toda a reconhecida crise, não inventamos outra forma de exercer a democracia a não ser por meio de partidos, eleições, formação de maiorias e minorias, construção de consensos progressivos a partir da pluralidade e do debate das divergências. Redes sociais e ação difusa e inorgânica das ruas têm inegável impacto nas transformações de nosso tempo. Mas não são capazes de organizar projetos de poder e alternativas de governo.

Volta e meia, surge uma proposta heterodoxa para lidar com o problema. A última entre nós é a das “candidaturas avulsas”, que ganhou holofotes com a convocação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso de uma audiência pública sobre o assunto, no último dia 9. Nada como uma saída simplista e equivocada para responder a um problema real e complexo. Como disse, em artigo recente em “O Globo”, o experiente e qualificado ex-governador, senador e chanceler brasileiro Aloysio Nunes Ferreira: “Sob a aparência de modernidade, é uma proposta reacionária e autoritária... que destrói a espinha dorsal do funcionamento parlamentar”.

A primeira barreira é a nossa própria Constituição, que no artigo 14, parágrafo 3º, coloca como condição de elegibilidade no inciso V, a filiação partidária. Como questionou Aloysio Nunes Ferreira, ao não estarem inseridos em uma organização coletiva, o partido político, portador de programa de governo, história, estatuto e valores: “Os eleitos avulsos serão subordinados a quem? Igrejas, corporações, empresários que os bancam? Talvez ao crime organizado?”.

E a governabilidade? O Brasil é o país no mundo com maior dispersão partidária, o que dificulta gravemente a implantação do programa de governo vencedor nas eleições. Como seria se tivéssemos na Câmara dos Deputados 513 avulsos do tipo “cada cabeça uma sentença”, sem nenhuma amarração programática e ideológica?

Como evitar nos avulsos o efeito Andy Warhol e a busca pelos “15 minutos de fama”? Como ter candidaturas avulsas num sistema proporcional? Qual seria o respaldo social necessário para o lançamento de um avulso?

No fundo, embora haja gente séria e bem-intencionada defendendo a proposta, na essência ela carrega um ataque frontal às instituições democráticas e à própria política.

Melhor seria democratizar os partidos, acabando com o caciquismo e o mandonismo, acabando com a provisoriedade dos órgãos diretivos e modernizando estatutos com a introdução de prévias, plebiscitos, referendos e congressos no cotidiano partidário.

As pessoas passam, as instituições ficam. A estabilidade da democracia não pode se ancorar em indivíduos.

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