Legislativo

Mesmo antes da posse, novos deputados estaduais indicam recursos para suas bases

Sete parlamentares eleitos destinaram R$ 16 milhões em verba do governo de Minas para seus respectivos redutos eleitorais; especialista vê problema de transparência

Por Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 17 de janeiro de 2023 | 06:00
 
 
 
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Apesar de só tomarem posse no dia 1º de fevereiro, pelo menos sete deputados estaduais eleitos conseguiram, após articulação junto ao governo de Romeu Zema (Novo) nas últimas semanas, destinar R$ 16 milhões para a compra de equipamentos de saúde em suas bases eleitorais, como ambulâncias e aparelhos de raio-x e endoscopia. 

Todos os parlamentares pertencem a partidos que fizeram parte da coligação de Zema à reeleição. São eles: Eduardo Azevedo (PSC), Grego (PMN), Lud Falcão (Podemos), Maria Clara Marra (DC), Marli Ribeiro (PSC) e Oscar Teixeira (PP). A exceção é Rodrigo Lopes (União).  

Em nota, o governo de Minas afirmou que as demandas foram atendidas “após análises de viabilidade técnica e legal” e que entendeu que os investimentos apontados pelos deputados eram necessários. Apesar da justificativa, há problemas de transparência neste tipo de indicação. 

A campeã de verba foi Lud Falcão. Esposa do prefeito de Patos de Minas, Luis Eduardo Falcão, recém-filiado ao Partido Novo, ela indicou no total R$ 8 milhões: foram R$ 2 milhões para a compra de equipamentos de saúde para Patos e outras três cidades da região; R$ 1,5 milhão para reformar as Unidades Básicas de Saúde e R$ 4,5 milhões para recapeamento das ruas do município governado pelo marido dela.

A deputada estadual eleita disse que, como cidadã, sempre atuou para a melhoria da região do Alto Paranaíba e repetiu a justificativa do governo estadual de que houve parecer técnico e legal para liberar o dinheiro. 

“Esses recursos são mais uma prova do importante papel que os mineiros têm na gestão estadual. A união entre sociedade civil e governo é essencial para que as melhorias cheguem até a população que mais precisa”, afirmou Lud Falcão. 

O acesso dos deputados recém-eleitos aos recursos estaduais ocorre em meio às articulações para a eleição do próximo presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). 

O governo tem trabalhado para eleger um aliado, o deputado Roberto Andrade (Patriota), para a presidência da Casa. A intenção é facilitar a tramitação dos projetos de lei que o governo quer aprovar. 

Em uma das articulações, Zema mudou sua indicação para reitor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e escolheu o primo do deputado estadual Arlen Santiago (Avante). A expectativa é que o parlamentar vote em Andrade e, também, se firme como base do governo na ALMG. 

Apesar dos partidos terem apoiado Zema na eleição, o voto dos deputados no candidato do governo não é automático. O deputado estadual Tadeuzinho (MDB) busca viabilizar sua candidatura com o apoio da oposição, mas também tem tentado conseguir o apoio de parlamentares da base. 

Falta de transparência 

A Constituição Estadual prevê dois tipos de emendas parlamentares, onde os deputados indicam ao governo de Minas como gastar parte do orçamento: as individuais, correspondente a 1% da arrecadação do governo, e as de blocos e bancadas, cujo limite é 0,0041%. 

Essas emendas são distribuídas de forma igualitária entre os deputados e o governo de Minas é obrigado a fazer os pagamentos. No Portal da Transparência, é possível acompanhar os destinos das emendas de cada deputado e as respectivas execuções. 

Já os recursos indicados pelos deputados que ainda não tomaram posse — e, portanto, ainda não têm direito a indicar emendas individuais, de bloco e de bancada — dependem da negociação com o governo Zema e, por isso, estão sujeitos a interferência política. O Palácio Tiradentes não precisa contemplar todos os parlamentares nem é obrigado a executar os pagamentos. 

Há falta de transparência. Do ponto de vista orçamentário, a maior parte dos R$ 16 milhões indicados pertencem à Secretaria Estadual de Saúde. Ao atender os pedidos dos deputados próximos do governo, a pasta tem dois caminhos possíveis: repassar o dinheiro diretamente para a conta da prefeitura indicada pelos parlamentares ou comprar os equipamentos e depois transferi-los aos municípios. 

Em ambos os casos, não é possível verificar no Portal da Transparência quem foi o deputado que pediu o recurso ao governo de Minas, uma característica semelhante ao chamado “orçamento secreto” do governo federal. 

Só é possível saber quem é o autor do pedido caso os próprios deputados façam os anúncios nas próprias redes sociais. O deputado estadual eleito Oscar Teixeira (PP) publicou que conseguiu R$ 364 mil para a compra de um aparelho de endoscopia para a cidade de Salinas, no Norte de Minas. 

Ele informou os dados da transferência. Ao inserir as informações no Portal da Transparência, no entanto, não consta que ele foi o “pai” da indicação: é informado apenas que se trata de uma transferência do Fundo Estadual de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde de Salinas. 

“Não indiquei emendas, pois ainda não as tenho. O que houve foi uma solicitação que graças a Deus fui atendido”, disse Teixeira. 

Presidente da Associação Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco defende que toda intervenção de parlamentares no orçamento tem que ser “absolutamente transparente”.  

Na visão dele, essa diretriz deveria ser aplicada tanto às emendas a que ele chama de formais (individuais, de bancada e de bloco), quanto às chamadas informais ou pleitos — quando o parlamentar pede a uma secretaria, normalmente em uma reunião, que destine recursos para determinada área. 

“Tanto uma como outra tem que ser absolutamente transparentes para que não haja margem, inclusive, para um atendimento que não seja republicano. O que poderia acontecer nesse caso dos pleitos é alguns parlamentares proporem recursos para determinadas áreas e alguns serem atendidos e outros não”, diz ele. 

“Isso por si só já seria, ao meu ver, irregular, pois desequilibraria até um próximo pleito (eleição)”, acrescenta o economista. “A regra geral é essa: todos os recursos destinados para Estados e municípios, no caso do governo estadual, tendo como origem solicitação de parlamentares ou futuros parlamentares, têm que ficar absolutamente transparentes. Isso não deveria acontecer assim, mas na prática nós vemos acontecer inclusive no governo federal”. 

Governo de Minas: ‘Executivo e Legislativo estão intimamente ligados’ 

Na nota enviada à reportagem, o Palácio Tiradentes disse que, embora independentes, o Executivo e o Legislativo, unidos, têm capacidade para melhorar a vida dos mineiros. 

“No caso em questão, o Governo de Minas deliberou que os investimentos apontados por eles (deputados) são necessários, uma vez que é objetivo do trabalho dos parlamentares enxergarem demandas da população e apresentar ao Executivo. Portanto, o trabalho de representação do legislativo vai muito além das indicações de emendas. No caso em questão, os deputados eleitos procuraram o Estado e apresentaram as demandas das suas regiões”, diz o texto. 

Ainda de acordo com o governo, esse tipo de demanda também é apresentada por atores da sociedade civil, que são contemplados quando há “viabilidade técnica e orçamentária”. “Embora independentes, Executivo e Legislativo estão intimamente ligados. Unidos, os Poderes têm capacidade de melhorar a vida do mineiro”, conclui o texto. 

O que dizem os deputados 

Eduardo Azevedo (PSC) 

Irmão do senador eleito Cleitinho Azevedo, ele indicou R$ 806 mil em equipamentos e ambulância para a saúde de Divinópolis. 

“Na realidade, não indiquei emenda como deputado, uma vez que nosso mandato começa no dia 1º de fevereiro. Isso é uma reivindicação que eu fiz à Secretaria de Governo, onde tenho abertura. A indicação que eu pedi foi como vereador de Divinópolis”, afirmou ele. 

A gente tem um bom relacionamento com o governo, desde que assumi como vereador. Foi uma solicitação que a gente já havia pedido”, acrescentou Eduardo, que negou ter havido pedido do governo para que ele votasse em determinado candidato na ALMG ou integrasse a base de governo. 

“Não houve esse tipo de pedido. Independentemente de qualquer situação, quem interfere no meu voto é o povo. Eu voto de acordo com o povo”, disse o deputado estadual eleito. 

Grego (PMN) 

Ex-prefeito de Muriaé, Grego indicou R$ 2 milhões para as cidades de Abre Campo, Espera Feliz, Faria Lemos, Pedra Dourada, Entre Folhas, Tocantins e Ubá comprarem ambulâncias. 

Ele disse que é uma liderança de uma região (Zona da Mata) que está passando por problemas de enchentes. “Qual é o impedimento de eu entrar em contato com o governo estadual e pedir auxílio para vítimas e os flagelados?”, questionou. 

“Fiz apenas um pedido, como muitos vão fazer. Estou prestes a fazer outro sobre os flagelados com as enchentes aqui na região”, acrescentou o deputado eleito. 

Ele negou que tenha havido qualquer pedido do governo para que votasse em determinado candidato a presidente da ALMG.

“O que houve de concreto foram encontros com os deputados Tadeuzinho, Antônio Carlos Arantes e Roberto Andrade, cada um em seu respectivo gabinete. Sou defensor de que os Poderes são independentes e não deixo isso às escuras”, afirmou.  

Lud Falcão (Podemos) 

Nota da deputada:

“Como cidadã, sempre atuei para a melhoria não só de Patos de Minas, mas de toda a região do Alto Paranaíba. A destinação de recursos do Governo do Estado vem crescendo para a região nos últimos 4 anos, sanando muitas demandas deixadas por governos anteriores.  

No caso dos recursos mencionados, tratam-se de indicações feitas ao Governo do Estado que foram acatadas após parecer técnico e legal, e não de Emendas Legislativas. Esses recursos são mais uma prova do importante papel que os mineiros têm na gestão estadual.  

 A união entre sociedade civil e governo é essencial para que as melhorias cheguem até a população que mais precisa. Tive o privilégio e a oportunidade de percorrer essas cidades e tantas outras, e ouvir de perto seus projetos e necessidades mais urgentes, podendo contribuir  para a sua resolução. Continuaremos trabalhando para fazer com que Minas Gerais siga no caminho certo, sempre pensando no que temos de mais importante: os mineiros.” 

Marli Ribeiro (PSC) 

A deputada Marli Ribeiro indicou R$ 2 milhões para a compra de aparelhos de raio-x e sistema completo para realização de endoscopia para Paracatu. 

Nota da deputada: 

“Em relação ao recurso destinado pelo Governo do Estado, destaco que antes mesmo de ser eleita Deputada Estadual já estava reivindicando melhorias para áreas prioritárias de Paracatu, como a saúde; defendendo diversas necessidades urgentes do município junto aos governos estadual e federal. Tendo em vista que antes de ser Deputada Estadual Eleita, sou também vereadora por Paracatu, em meu terceiro mandato.  Apresentar demandas urgentes da comunidade é algo inerente a ambas as funções.  

Ressalto que diferente do questionamento, não se trata de emenda ao orçamento de 2023 e sim de apontamentos, sugestões e reivindicações já feitas ao Estado para que o mesmo, dentro da possibilidade e legalidade, atenda às reais necessidades da população. E eu como parlamentar e moradora da cidade conheço de perto as dores e carências da comunidade local e regional, sempre lutei e continuarei lutando por essas e outras melhorias”. 

Maria Clara Marra (DC) 

Filha do atual prefeito de Patrocínio, a deputada destinou R$ 2,2 milhões para a compra de ambulâncias e aparelhos de ultrassom, raio-x e endoscopia para o município e mais quatro cidades: Vazante, Serra do Salitre, Monte Carmelo e Tupaciguara. 

Nota da deputada: 

“Sobre o assunto em questão, é necessário prestar alguns esclarecimentos. 

Os recursos enviados aos municípios não advêm de emendas parlamentares individuais, de bloco ou de bancada! 

Como Deputada eleita, nosso gabinete procurou, junto às prefeituras e vereanças locais, quais eram as demandas mais prioritárias já para esse início de 2023. 

 Portanto, a indicação desse recurso não se confunde com a natureza de uma emenda, são sugestões que averiguamos e repassamos à Secretaria de Governo para dar celeridade ao processo orçamentário e garantir mais saúde e qualidade de vida aos mineiros. 

Afinal, fiscalizar é uma das premissas de um parlamentar perante ao Estado, e foi exatamente isso que nosso gabinete buscou fazer, com transparência e segurança! 

Por fim, resta claro que os montantes enviados são fruto tão somente de transferências do Fundo Estadual de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde, do respectivo município, conforme aprovado em resolução pelo Secretário de Saúde Estadual. 

Ficamos felizes em colaborar nessa etapa de diálogo com o governo mineiro e assegurar, assim, um dos direitos fundamentais mais importantes que temos na nossa Constituição, o direito à saúde. 

Atenciosamente, 

ASCOM Deputada Maria Clara Marra” 

Oscar Teixeira (PP) 

O deputado indicou R$ 364 mil para a Prefeitura de Salinas comprar um sistema de vídeo para a realização do exame de endoscopia. “Não indiquei emendas, pois ainda não as tenho. O que houve foi uma solicitação que graças a Deus fui atendido”, disse o parlamentar. 

Rodrigo Lopes (União Brasil) 

Ex-prefeito de Andradas, Rodrigo Lopes indicou uma ambulância e um aparelho de raio-x para Poços de Caldas, no valor total de R$ 642 mil.

“Fui prefeito oito anos e, nos últimos quatro, também fui presidente do Samu da região. Então tenho essa relação tanto com o governo estadual quanto com o governo federal”, explicou. 

“Nesse caso, nada mais é do que um pedido que a gente tinha feito para o governo do Estado e a gente foi contemplado. Mas isso não tem nada condicionado à emenda parlamentar. Foi pra mim como pode ser para uma outra liderança ou ex-prefeito que tenha esse acesso ao governo”, concluiu Lopes.

Nota na íntegra do Governo de Minas

"Em nenhum dos casos citados foram utilizados recursos de emendas parlamentares. Todas as melhorias anunciadas pelos deputados recém-eleitos foram capturadas junto aos municípios e serão realizadas com recursos do Estado, após análises de viabilidade técnica e legal do Governo de Minas.

Emendas impositivas são instrumentos em que os deputados destinam recursos garantidos a eles por Lei para determinados projetos, obras ou outros.  

No caso em questão, o Governo de Minas deliberou que os investimentos apontados por eles são necessários, uma vez que é objetivo do trabalho dos parlamentares enxergarem demandas da população e apresentar ao Executivo. Portanto, o trabalho de representação do legislativo vai muito além das indicações de emendas. No caso em questão, os deputados eleitos procuraram o Estado e apresentaram as demandas das suas regiões.  Esse tipo de demanda também é apresentada ao Executivo por diversos atores da sociedade civil que também são contemplados quando há viabilidade técnica e orçamentária.

Embora independentes, Executivo e Legislativo estão intimamente ligados. Unidos, os Poderes têm capacidade de melhorar a vida do mineiro."

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