JUSTIÇA FEDERAL

Mônica Sifuentes prevê que Serra do Curral volte à pauta do TRF-6 em janeiro

Após o desembargador Álvaro Souza Cruz suspender licenças prévia de instalação da planta da Taquaril, ação deve ser apreciada em órgão colegiado apenas depois do recesso

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 20 de dezembro de 2022 | 09:26
 
 
 
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A ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) em busca de suspender a licença prévia de instalação da planta de exploração da Taquaril Mineração S.A. na Serra do Curral deve retornar à pauta do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) após o recesso forense. A projeção foi feita pela presidente do TRF-6, Mônica Sifuentes, em entrevista a O TEMPO

Em 15 de dezembro, ao revisar uma decisão da 16ª Vara Federal de Belo Horizonte, o desembargador Álvaro Souza Cruz determinou a suspensão de quaisquer atividades realizadas pela Taquaril na Serra do Curral. “Como nós temos o recesso, esse julgamento submetido à turma deve vir depois, conforme data a ser marcada pelo relator e pelo presidente da turma”, diz a desembargadora. As sessões de julgamento devem ser retomadas após 20 de janeiro.

Ainda conforme Sifuentes, o TRF-6 aguarda as negociações do acordo de reparação do rompimento da Barragem do Fundão, em 2015, já que será responsável pela homologação do pacto. “O que nós temos notícia é que o acordo está caminhando entre as autoridades e as empresas envolvidas no sentido quase de uma repactuação como estava sendo feita antes sob a tutela do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, afirmou a desembargadora. 

Recentemente empossada, já que o TRF-6 foi instalado em agosto passado, a presidente ainda observou que, hoje, o principal desafio da Corte é migrar para um novo sistema processual por problemas encontrados com o PJe, questionado tanto por servidores quanto por advogados. “A partir do começo de 2023, nós vamos iniciar o trabalho, que é paulatino, de adoção do sistema processual do TRF-4 (eproc), que foi desenvolvido pela própria 4ª Região e hoje é adotado com muito êxito por vários tribunais, como o TRF-2”, afirma Sifuentes.

O TEMPO. Nessa quinta-feira, 15 de dezembro, o desembargador Álvaro Ricardo de Souza Cruz atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) suspendendo as licenças prévia e de instalação do Complexo Serra do Taquaril concedidas pelo governo de Minas Gerais para a exploração da Serra do Curral. A decisão revisou uma anterior, da 1ª instância. Agora, a questão deve ser analisada por uma turma colegiada do TRF-6? Já há previsão de quando o julgamento deve ser feito?

Mônica Sifuentes. De fato, houve essa decisão monocrática proferida pelo desembargador Álvaro Souza Cruz no dia 15 (de dezembro) com a suspensão das atividades minerárias em face, pelo o que eu soube, de não ter sido ouvida a comunidade quilombola (Mango Nzungo Kaiango). Enfim, é uma decisão monocrática que, pelo rito processual, deverá ser submetida à turma de julgamento. Como nós teremos o recesso, esse julgamento submetido à turma deve vir depois, conforme data a ser marcada pelo relator e pelo presidente da turma.

O TEMPO. Quando o recesso termina?

MS. O nosso recesso, que é o natalino, termina dia 7 de janeiro, de acordo com a Lei 5.010, de 1966, que estruturou a Justiça Federal, e nós voltaremos no dia 9 de janeiro, o primeiro dia útil subsequente. Após esse período, considerando que o Código de Processo Civil também aumenta esse período pelo menos para as atividades de sessões de julgamento, acredito que apenas depois do dia de 20 de janeiro (a ação deve ser apreciada pela turma).

O TEMPO. O TRF-6 de alguma maneira já foi provocado a instalar uma mesa de conciliação para a Serra do Curral?

MS. Ainda não fomos procurados para esse tipo de mediação, uma vez que o relator do caso está cuidando do mesmo e, obviamente, as decisões judiciais que forem proferidas serão submetidas a recurso. Mas o TRF-6, com essa nossa vocação para essas questões de mediação, justiça restaurativa e conciliação, provavelmente será procurado também.

Assista à entrevista na íntegra:

O TEMPO. No início deste mês, o TRF-6 sediou uma audiência de conciliação entre lideranças dos povos das etnias Tupinikim, Guarani e Guarani-Tupi e a Fundação Renova, que é responsável pela reparação dos danos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana. Foi acertado a realização de quatro encontros extrajudiciais de conciliação, o pagamento de parcelas atrasadas do Auxílio de Subsistência Emergencial, incluindo famílias indígenas que não haviam sido contempladas, e uma auditoria em valores já pagos. Qual é o papel do TRF-6 nas discussões a respeito da reparação?

MS. Veja como a questão ambiental em Minas é importantíssima. Por termos a tradição de estado minerário, de estado que tem tradição na mineração, a questão do meio ambiente obviamente está correlata com isso. No tocante à questão, ao problema de Mariana, o doutor Michael (Procópio Ribeiro Alves Avelar), que é o juiz originário da causa, está tocando. Inclusive, esse acordo a que se referiu foi feito sob a presidência dele, uma vez que ele é o juiz responsável por tocar essa ação. No tocante ao aspecto mais amplo, que seria de todo o acordo, o que nós temos notícia é que o acordo está caminhando entre as autoridades e as empresas envolvidas no sentido quase de uma repactuação como estava sendo feita antes sob a tutela do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ora, o TRF-6 é, segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do ministro Og Fernandes, o foro universal para as questões relativas ao caso de Mariana. Então, claro que o TRF-6 terá um protagonismo nessa questão toda, mas nós estamos aguardando o resultado desses acordos que estão sendo feitos. Inclusive, o prazo previsto para o término seria o de hoje (16 de dezembro), mas eu ainda não tenho notícia se terminou ou não ou se ainda vai prosseguir.

O TEMPO. Embora o TRF-6 seja considerado o foro universal, a Corte ainda está cautelosa, apenas acompanhando para ver se haverá um desfecho?

MS. A nossa postura é sempre jurisdicional. O caso está sob responsabilidade do juiz da 4ª Vara Cível da Justiça Federal, doutor Michael, e ele está conduzindo o caso normalmente. Esse acordo que está sendo feito é paralelo a esta ação judicial. Todos os processos de Mariana estão aqui. Ou pelo menos a maior parte deles. Há alguns também tramitando perante a Justiça Estadual, na Comarca de Mariana e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O que nos diz respeito à área federal está centralizado no TRF-6. O acordo que está sendo resolvido é paralelo ao processo judicial, então não tem relação. O doutor Michael, obviamente, está tocando o processo, mas esse acordo paralelo terá impacto sim nas nossas decisões judiciais. Então, é neste momento que o tribunal vai entrar, quando nós observarmos o resultado dessa mediação e como isso impacta as decisões judiciais. Esse acordo que está sendo feito na mediação, para ter validade jurídica, terá que ser homologado pelo juiz da causa. 

O TEMPO. Acordos de reparação nos moldes como o já construído de Brumadinho e o que vem sendo construído sobre Mariana são juridicamente avaliados como uma boa saída para casos desta natureza?

MS. Pela experiência, não só brasileira, mas também mundial neste assunto - a gente pode citar vários exemplos -, os acordos nestes casos de grandes desastres são a melhor solução, porque uma ação judicial pode se desenrolar durante muitos anos em face de perícias, habilitação de pessoas etc. Então, esses acordos nesse tipo de ação são sempre muito bem-vindos. Tal como foi exitoso o caso de Brumadinho no tocante à reparação e à administração dos prejuízos, nós esperamos também que esse acordo de Mariana tenha o mesmo êxito, talvez um êxito até maior.

O TEMPO. Uma das críticas ao desmembramento do TRF-1 para criar o TRF-6 foi o fato de a jurisdição do novo tribunal ser restrita a um único estado, Minas Gerais. O que justifica a instalação de uma nova Corte federal para atender apenas a Minas?

MS. Essa é uma pergunta interessante, porque como pode ser um tribunal regional, mas de um estado só? Eu diria que isso foi mais uma opção política, de fato. Nós poderíamos estar com outros estados, como Goiás e Bahia, mas a situação política propiciou a criação de um tribunal só aqui em Minas. A gente deve dizer até que a Justiça do Trabalho tem um modelo em que os tribunais regionais são situados em cada Estado da federação. Não é que a Justiça Federal queira seguir esse modelo, mas o fato é que o impacto das ações de Minas no TRF-1 estava justificando a criação de um tribunal aqui. Veja que, em determinado momento, quando nós fomos instalados, o número estava em torno de 43%, mas quando se iniciaram os estudos para a criação do TRF-6, chegou-se a 60% das ações do TRF-1 serem originárias de Minas Gerais. Então, isso é um número absurdo em face do quantitativo de processos que o TRF-1 tem sob sua responsabilidade. O que acontecia? Nós temos muitos processos previdenciários e eles impactavam demais o TRF-1 sendo que o julgamento era diluído em meio aos outros processos. Foram 175 mil processos migrados do TRF-6 para o TRF-1. Para cada desembargador aqui em Minas foram distribuídos cerca de 12 mil processos. Não é brincadeira isso não. Os processos previdenciários nossos que estão no tribunal são os processos mais difíceis, porque os processos de pequeno valor estão nos juizados e nas turmas recursais. Então, eles não chegam ao tribunal. Vejam o impacto do direito previdenciário aqui em Minas Gerais. É um impacto muito grande. Todos esses valores justificaram que, embora seja um estado só, a sua representatividade econômica e jurisdicional justifica a criação de um tribunal aqui em Minas, que é o único que compreende apenas um estado da federação.

O TEMPO. As turmas especializadas do TRF-6 já estão realizando sessões de julgamento e desembargadores também foram empossados nos órgãos estratégicos da Corte. Quais têm sido as principais dificuldades agora?

MS. A nossa grande dificuldade tem sido o nosso sistema processual, que nós adotamos do TRF-1 - o PJe, que é bastante conhecido pela classe. Era o único sistema possível. Nós adotamos o sistema do TRF-1 para fazer essa migração de processos. No entanto, quando instalado aqui, o que nós verificamos e o que os advogados têm reclamado também é que é um sistema processual que tem muitas falhas, quebras de continuidade no seu funcionamento e tem travado o andamento dos processos. Tanto é que a Corte em peso resolveu alterar o nosso sistema processual. A partir do começo de 2023, nós vamos iniciar o trabalho, que é paulatino, de adoção do sistema processual do TRF-4 - Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, que foi desenvolvido pela 4ª Região e hoje adotado com muito êxito por vários tribunais, como o TRF-2 - Rio de Janeiro e Espírito Santo. É um sistema que oferece muitas ferramentas para que o processo flua com mais facilidade. Então, essa decisão de ontem (15 de dezembro) foi extremamente importante para nós, porque vai nos possibilitar que adotemos o novo sistema processual, e já que nós fomos criados como um tribunal de inovação, um tribunal digital, nós temos de utilizar as melhores ferramentas. Hoje, no Brasil, a melhor ferramenta é a do eproc, desenvolvida pelo TRF-4, que, inclusive, foi o único que recebeu o Prêmio Diamante no CNJ pela qualidade dos serviços prestados. Ora, se nós estamos sendo instalados agora, quem devemos imitar? Não são os melhores? Então, nós devemos trazer para nós a experiência dos melhores tribunais e, atualmente, o melhor Tribunal Regional Federal é o 4ª Região.

O TEMPO. Como conciliar a busca pelas melhores ferramentas com a vocação que o próprio tribunal se propôs que é de ter o menor volume possível de gastos?

MS. Hoje, todos sabem que o maior uso de tecnologia otimiza os recursos que nós temos. Um sistema processual que flui bem exige um menor número de servidores e um menor gasto com infraestrutura do que um sistema pesado, que consome, em que os servidores têm que ficar o tempo todo trabalhando para o sistema funcionar. Com isso, nós utilizamos um menor número de funcionários para atender ao sistema e nós fazemos com que os processos andem mais rápido. Qual o gargalo da Justiça, não só federal, mas em todo país? O custo do processo. Nesse custo, está embutido o tempo que demora para julgar um processo. O tempo do processo é equivalente ao custo à medida em que o tempo significa gasto de trabalho, gasto de estrutura, gasto de material humano, de todos esses componentes que fazem com que o custo do processo suba. Se utilizamos um sistema processual que permita que o fluxo seja menor, o gasto do processo vai ser menor também. Nós então vamos ter um sistema processual mais efetivo e com menos custos para os cofres públicos.

O TEMPO. Durante o discurso da instalação do TRF-6, o que mais chamou a atenção foi o fato de a senhora destacar que a Corte já nascia com uma presidente mulher e que isso estava alinhado com a proposta do TRF-6 como um todo. Como a senhora pretende levar o discurso de igualdade de gênero para o foro para atender sobretudo mulheres em situação de vulnerabilidade.

MS. Realmente foi um ponto destacado no meu discurso de posse e foi bastante marcante, porque, naquele momento, todas as pessoas da plateia olharam para a mesa e viram que não havia nenhuma mulher compondo a mesa. Era uma mesa enorme, de várias autoridades, e não havia nenhuma mulher. Havia eu, como presidente do TRF-6, fazendo o discurso, e as minhas duas colegas que estavam sendo empossadas - Luciana Pinheiro Costa e Simone dos Santos Lemos Fernandes. Então, isso foi significativo para chamar a atenção. Quantas mulheres estão chegando em posição de poder? O fato é que as juízas chegam na base - como mulheres em outras carreiras jurídicas e até outras carreiras empresariais -, mas raramente chegam ao topo. Então, isso, para a gente, é muito simbólico, que o tribunal nasça com essa feição. Se é para modernizar, vamos lutar também pela igualdade de gênero. A primeira iniciativa da Escola da Magistratura do TRF-6, que nós fizemos na Semana da Igualdade Racial, foi chamarmos duas juízas negras, sendo uma a desembargadora (aposentada) Neuza (Maria Alves da Silva), que tem uma história belíssima e veio contar para a gente as dificuldades dela. Nós agora vamos nomear a Comissão de Assédio Moral e Sexual, presidida pela desembargadora Luciana Pinheiro. A desembargadora Luciana está participando também de um projeto junto ao CNJ e ao TJMG de inclusão dos moradores de rua. Todas essas são iniciativas que, apesar de termos apenas quatro meses de instalação, já estamos dando atenção. Então, isso prova ou pelo menos dá a nova feição do tribunal, que pretende ser não apenas tecnológico e digital, mas também inclusivo. Veja bem: uma das grandes preocupações da nossa gestão e também dos meus colegas é o acolhimento do servidor. O servidor nosso é muito importante para a nossa administração e eu falo que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à vida humana, mas o ambiente de trabalho equilibrado também, onde nós sentimos prazer em trabalhar, em que sejam oferecidas condições psicológicas e boas de trabalho, em que gostem de trabalhar e contribuam para o Poder Público ficar melhor. O que a gente vê hoje nas repartições públicas e no serviço público em geral? Um desânimo. A pessoa desanimada, às vezes não querendo ir trabalhar, preferindo trabalhar de casa. Não, gente. Vamos resgatar isso, vamos criar um ambiente em que a pessoa fique feliz. Eu até disse em uma entrevista recente que o que mais me chama a atenção na criação desse tribunal é a disposição de todos em querer acertar. Parece que nós estamos passando um momento de tanta letargia no nosso país no tocante às instituições e a nós mesmos que nós queremos muito que isso dê certo. Por isso, eu acho que se, na nossa administração, nós conseguirmos manter acesa e viva a chama do entusiasmo, da cooperação e da colaboração, pra mim já vou ter ganhado o meu prêmio.

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