Política em Análise

Imposto de Renda e Auxílio Brasil

Como é que o dinheiro para o programa sairá da reforma do IR se o governo jurou que o impacto da proposta era neutro?

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 28 de setembro de 2021 | 09:43
 
 
 
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O Executivo conseguiu aprovar nesta segunda-feira (28) no Congresso uma proposta que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para permitir que um projeto ainda em tramitação seja usado como fonte de recursos para o Auxílio Brasil. O objetivo final é garantir que a reforma do Imposto de Renda seja utilizada para bancar o programa social. Junto com essa decisão, porém, há muitas incertezas e uma boa dose de irresponsabilidade. E não seria exagero chamar de pedalada fiscal.

Entre os tantos problemas da proposta aprovada está o fato de que não se sabe exatamente que receita é essa e nem se vai haver receita. Ao apresentar o texto que muda o Imposto de Renda, o governo jurou de pés juntos que a alteração teria impacto neutro sobre a arrecadação, ou seja, que não geraria nem aumento nem redução da carga tributária. Depois disso, na Câmara, houve mudanças feitas por deputados que reduziriam a arrecadação, o que leva a crer que a mudança tiraria dinheiro dos cofres públicos, e não colocaria. Ainda que, no fim das contas, fique como o governo propôs, como isso pode ser fonte para o Auxílio Brasil? Ou há aí uma maquiagem e estão fingindo que tem um dinheiro que não existe, ou o governo mentiu e está aumentando a carga tributária do brasileiro. Não há outra conclusão possivel além dessas duas.

A situação pode piorar se o Senado não aprovar o projeto que já passou na Câmara ou se modificá-lo, principalmente no debate sobre a cobrança de impostos sobre lucros e dividendos. Imagine o tamanho do problema para o governo se os senadores deixarem no texto o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, que reduz a carga tributária e, consequentemente, a arrecadação, mas não implementarem ou mesmo reduzirem o percentual de incidência do tributo sobre lucros e dividendos, que compensaria a alteração no IR? Como é que o governo pode contar com isso, principalmente com a base frágil que tem no Senado? Isso sem falar no risco de, percebendo a iminente entrada em vigor da mudança (que só valeria no ano que vem), as empresas anteciparem o repasse de lucros e dividendos para este ano. Seria um impacto brutal na arrecadação de 2022 e mais um buraco para o governo fechar.

Os riscos não se encerram aí. Há também um inevitável debate jurídico sobre a proposta, que, na prática, vincula parte da receita de impostos a um fim específico. Isso não é permitido pela Constituição. O artigo 167, inciso IV, da Carta Magna é muito claro de que é vedada a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesas, ressalvadas as exceções que estão previstas na própria Constituição, que são as transferências constitucionais a Estados e municípios e os limites mínimos de investimento em saúde e educação. Repito: as exceções são as que estão na Constituição. Um projeto que cria outra e faz uma vinculação seria, portanto, inconstitucional. Mesmo aprovado, passaria por um debate no Supremo Tribunal Federal (STF) e poderia ser derrubado caso haja contestação. Como é que o governo vai contar com uma medida dessas?

É evidente que o governo sabe de todos esses riscos. A ordem, porém, é colocar o Auxílio Brasil (de inegável importância) para frente e tentar salvar a popularidade e as chances do presidente em 2022. Ainda que isso crie ainda mais problemas para as contas públicas lá na frente. A consequência desse tipo de atitude é, inevitavelmente, falta de confiança na economia, o que significa fuga de capitais, redução de investimentos, dólar mais alto, inflação, por consequência, mais alta, desemprego e tudo mais que o brasileiro já está vendo aí no dia a dia. Aí não adianta culpar a pandemia.

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