Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

Concessão

Vittorio Medioli: 'Rodoanel se parece muito com um assalto aos cofres públicos'

Prefeito de Betim, Vittorio Medioli, alerta que obra trará prejuízos ao Estado, já que edital não estima os impactos da obra, que ficará ao cargo do governo

Por O TEMPO
Publicado em 27 de julho de 2022 | 23:21
 
 
 
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Prefeito, o que o senhor achou da ideia do Estado de criar comissões das prefeituras para acompanhar a obra do Rodoanel apenas após a licitação?

Betim e Contagem estão inconformadas com a decisão do Estado. Essa modelagem de contrato proposta pelo Estado carrega todos os custos adicionais de transposições, indenizações, desapropriações que não foram calculadas. Não tem lógica no mundo uma obra com os critérios atuais do Rodoanel, uma travessia urbana. Não é via do contorno das cidades, é uma via fechada, de pedágio, é uma barreira física constante que corta a cidade. Para transpô-la, tem que encontrar os pontos de transposição; no caso de Betim, tem 17 km e três transposições. Tem gente que fica a quatro, cinco quilômetros do ponto de transposição ou até mais, tem que dar uma volta de oito, nove quilômetros. O transporte público de Betim vai ter um impacto devastador de difícil medição atual, mas tem que ser estudado. Se esse impacto gera aumento de percurso de não sei quantos quilômetros, aumento de consumo de combustível, tempo despendido, há um dano efetivo à população. Anel não corta o dedo no meio, se passa por fora do dedo. É um conceito básico. Pega qualquer tratado rodoviarista, um anel passa, contorna a cidade, até para captar o trânsito que vem de afluentes externos. No caso nosso, temos a BR–381, a BR–040 e a BR–262 para captar e liberar a cidade para absorver apenas o trânsito local. 

Como o senhor avalia o projeto atual do Rodoanel?

Esse projeto é temerário, absurdo! Por que vamos fazer concessão da obra? Porque isso trata de uma obra pública, a concessão é um negócio privado que se escolhe quando é do interesse público para gastar menos, ter soluções mais rápidas. O Rodoanel não tem nada disso. A escolha pela concessão é devido ao fato de o governo de Minas Gerais não ter a expertise para fazer a obra. Se o governo se autoconfessa sem especialidade para assumir a responsabilidade, por que se candidatou? Não é uma questão do Estado, é uma questão do governo que se declara incompetente a tocar uma obra como essa. Não mostra também a economia. Pelo contrário, subsidia, e, nos termos no edital, tem coisas horrorosas, enfrenta o interesse público. Minas Gerais já tem uma dívida impagável, não sabe como pagar, aqui assumem sem nenhuma previsão orçamentária indenizações, desapropriações, transposições, refazer todas as linhas de esgoto, água, eletricidade, drenagem. Nada disso está indicado no edital, e é o Estado que vai pagar. Eles ficam com o filé, ainda dá R$ 3 bilhões de repasse da Vale e assumem todo e qualquer ônus. Tem estabelecidos os valores desses ônus? Não. Tem danos morais materiais, lucros restantes? Porque, se tem supermercado no trajeto do Rodoanel e bota um paredão na frente, você vai perder 50, 60% dos clientes. Na última reunião, falei que não aceito. O Estado somos nós. O cidadão que vai ter que pagar pela incompetência ou pela temeridade? Desafio qualquer outro edital de concessão de rodovia que tenha essas cláusulas, elas são temerárias. Passa no meio da cidade, tem três transposições. Nós imaginamos necessárias de 12 a 15, e cada uma tem um custo de R$ 60 milhões até R$ 100 milhões. O problema da distribuição de água, captação de esgoto, drenagem, rede elétrica, quem vai pagar? Não está prevista no orçamento do Rodoanel. Quem vai pagar é o Estado? Qual é a previsão orçamentária? Não se assume uma despesa sem ter fonte equivalente, portanto é inconstitucional, ilegal, mas tem a chancela do advogado geral do Estado, que é um absurdo. 

Como o senhor avalia que a população será afetada?

Vocês têm um bairro que tem mobilidade completa. Esse bairro será cortado ao meio. A mobilidade urbana simplesmente terá alongamento da maioria das rotas. Um morador vai ter que levantar dez minutos antes, andar cinco, sete quilômetros a mais. Nós calculamos que um morador terá que percorrer cerca de 1,8 km por dia a mais. Não tem um estudo que valorize esses prejuízos. Se uma ação coletiva pedir indenização por 1,8 km a mais que cada habitante terá que percorrer por causa do Rodoanel, durante os próximos 30 anos, que é o tempo de concessão, dará uma indenização de R $ 16 bilhões. Sem as desapropriações, transposições que não estão incluídas, vai tudo na conta do Estado. Nós vamos gastar para recuperar os estragos de uma obra que poderia passar por outro percurso. O rodoanel de São Paulo é R$ 0,14; esse aqui parte de R$ 0,35. Tem algum risco? Tiraram todos os riscos do edital de concessão. Até se não alcançar o faturamento previsto o Estado vai pagar, é como a concessão do Mineirão. É um negócio sem risco, com ganhos exorbitantes garantidos com dinheiro repassado da Vale. 

O governo do Estado que fez esse projeto sem considerar os riscos e custos?

O projeto foi doado. Quem doou? Não tem CNPJ, como paga um projeto que é calculado em R$ 560 milhões? Doado? Quando colocamos não é suspeita a origem? Que moralidade tem? Não tenho expertise, pego dos próprios interessados, que estão querendo ganhar dinheiro a lucro exorbitante sem ter nenhum risco. Esse edital é sem risco, garante lucro exorbitante e sem previsão orçamentária. Joga na responsabilidade do Estado, vai causar uma dívida bilionária. Nós calculamos que, em Betim, pode chegar a ter R$ 30 bilhões de indenizações, não apenas desapropriações. Não falam de impactos sociais. Jogam R$ 1 bilhão, porque se forem R$ 10 bilhões, o Estado paga. Subestima as transposições. Um exemplo de transposições: Betim é cortado por 37 km de linha férrea e está brigando há 30 anos para ter uma transposição, até hoje zero. Não tem uma, mesmo condenado na Justiça para fazer, empresa privada que depende da Vale, que tem bilhões e não faz. O município já construiu cinco, e tem outras quatro que vão ter edital agora, porque você não vive, você não consegue passar de um lado para o outro. Se faz uma concessão, tem que ter risco. Atividade privada é de risco. Agora, se não assume, é o Estado que vai pagar o lucro que não vai ter? Todas as despesas, tem tudo incluído. São cláusulas leoninas.
 

É um Estado que se mantém em cima da liminar do STF para não pagar contas desde 2018… 

O Estado não paga ninguém. Hoje não paga contas constitucionais. Tem rolo, porque não dão transparência às contas. É de difícil cálculo. Betim recebia 9,74% de todo o ICMS, hoje é 5,50%. Sabe quanto é a diferença? R$ 500 milhões. É um erro de, pelo menos, R$ 250 milhões ao ano. De saúde temos a receber R$ 150 milhões. O dinheiro da Vale… Tirar o dinheiro da Vale é mais complicado que tirar leite de pedra. Uma UBS (Unidade Básica de Saúde) no preço do Estado é R$ 1,1 milhão, nós fazemos com R$ 900 mil. A da Vale: R$ 12 milhões. Agora, Betim tem uma conta de R$ 24 milhões me dá duas UBS, que valem R$ 900 mil cada uma. Esse é o acordo da Vale, a obrigação de fazer. Obrigação uma ova. Tem que ter limite orçamentário. Aceito o limite orçamentário do Estado, por que a Vale não aceita? 

Tinha um município do interior que a Vale cotou em R$ 91 milhões para construção de seis praças e reformas de outras seis.

Esses caras têm que ir para cadeia. Enquanto não for, continua assim. É um desaforo. Um preço que... Nem FGV… é um clichê, nomes, Ministério Público, Judiciário para fazer uma coisa que é pirataria pública, assalto aos cofres públicos. Esse Rodoanel parece muito com assalto aos cofres públicos. Sabe que cláusula colocaram no edital? Que 24 meses depois do começo das operações vão se avaliar impactos do trajeto. Tem que fazer um estudo prévio. Estamos pedindo o estudo prévio. Nós estimamos, no caso de Betim, indenizações que podem ultrapassar os R$ 20 bilhões. Já fizemos cálculos apenas pelo aumento de passagem no trânsito urbano. Depois, as transposições. O Estado assume dentro do orçamento que tem com autorização legislativa. Não vai assumir R$ 10 bilhões, R$ 20 bilhões sem indenização sem ter autorização. Portanto, o estudo prévio pode inviabilizar a obra e comprovar que é inviável. 

Como o senhor avalia o futuro de Betim e Contagem com essa persistência do Estado com o traçado que prejudica e corta a cidade ao meio?

 Vai sobrar para o município. Você assume despesa com previsão orçamentária, indicando a fonte. Senão, como é? Eu sou prefeito, falo “assumo tal despesa”, tem que ter autorização legislativa, tem que ter empenhada, prevista nos planos, autorizada legalmente. Aqui, no projeto do Rodoanel, não; assina. A dívida da Andrade Gutierrez com Betim: um maluco lá assinou que nós devíamos, e depois descobriu que não devia nada. Essa… o governo assume todas as despesas, são bilhões. Por que não aparecem esses bilhões? Porque não foram calculados, porque não contratou estudo para fazer o impacto social e indenizações. Porque, se você altera as condições de vida, de ambiente, você tem que indenizar. Eu não vou construir sem uma série de estudos de impacto. Estou sendo assessorado por consultoria de primeira, as melhores que tem. As consultorias ficam horrorizadas com a forma como são manipuladas as contas. Tudo é contra, mostra a favor, omitem... até falei com Marcato: “Você começou dizendo que custaria R$ 8 bilhões, depois baixou para R$ 3 bilhões. Os R$ 5 bilhões onde estão?”. Nas suas omissões. Tiraram transposições, tirou rede… jogou na Copasa, na Cemig, os acionistas inclusive... ele assume e não tem dinheiro. 

Quem vai assumir as mudanças na rede elétrica e nas redes de água e esgoto?

O município, a concessionária não vai fazer, o Estado não tem previsão orçamentária, não tem dinheiro. Vai ficar por isso mesmo. A concessionária não vai fazer, o governador não sei se aplica ao ponto de ler ou se confia em gente como Fernando Marcato. O advogado geral do Estado fez ato de leniência com a Andrade Gutierrez. É o primeiro Estado que faz ato de leniência, já no primeiro ano de mandato. Vergonhoso, e que está sob sigilo. Não tem coragem de mostrar. Colocaram sigilo de 20 anos. Quem manda aqui dentro são essas peças. Nós vivemos no Estado onde o superpoder desses grupos econômicos deteriora a nossa realidade. O povo não vê, é distante a coisa. São coisas sofisticadas, ligações sutis, defendido com agentes das próprias concessionárias fincados dentro do Estado.

Quais são as perspectivas que o senhor enxerga para as próximas reuniões com o Estado?

Querem anestesiar os municípios, ‘ah, admitimos que vamos rever’. Mas o Judiciário já deu autorização, o município tem que ser consultado. Sem a nossa anuência, eu vou até o STF para barrar esse escândalo. Falta o pressuposto de concessão pública. Ela te dá a concessão de explorar alguma coisa, mas você assume o ônus do resultado ou de pagar.. não tem condição. Não é nem de pai para filho, é uma ilegalidade, uma inconstitucionalidade. Quando ninguém berra… Agora, nós temos a capacidade de subir aos tribunais superiores. Nós vamos ao STJ, ao STF. Ele tem que colocar no leilão, vamos fazer publicar em todos os jornais que as indenizações não estão incluídas, não foram avaliadas. Você não pode assumir despesa ou responsabilidade sem previsão orçamentária. Súmula do STF. Agora, esse aqui não vai entrar. Assumem sem autorização legislativa, sem fonte declarada de recurso? Vai tirar de onde? Não pode. É inconstitucional. Precisamos do Rodoanel. Queremos o Rodoanel, mas que atenda o interesse público, não o de concessionários. Até questionei o secretário: “Nos últimos nove anos o senhor trabalhou onde?”. Na maior consultoria privada de concessão pública. Aí, o advogado geral insurgiu contra mim. Que eu tinha que maneirar e tudo. Eu falei: “Maneirar o quê? Eu estou falando a verdade”. O advogado ameaçou praticamente me processar. Eu falei: “Eu quero ser processado. Se você não me processar, eu vou te processar. Porque você não está cumprindo com o dever do Estado, de defender o Estado, o interesse público”. Para ele, um tijolo ou coluna é a mesma coisa. Não tem noção nenhuma de custo de obra… é uma palavra inventada por eles para fazer essas maracutaias todas, contratos ilegais que arrebentam com o Estado.

Participação de um ouvinte de Patos de Minas: “O Estado quer assumir a BR–365 para leiloar e doar as concessionárias de pedágio”.

As rodovias federais, o Estado estadualizou para pôr em concessão, ou seja, já não tampa buraco nas suas estradas, é uma vergonha andar por Minas Gerais… O próprio governador falou que estamos na Ucrânia. O eleitor não reage a esse abandono que está sofrendo. Os tapa-buracos que estão fazendo são péssimos. A primeira chuva vai levar embora tudo. Quatro anos que estamos esperando um tapa-buraco, a região do Norte de Minas você não anda mais. 

 

Veja a entrevista na íntegra:

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