Tornar-se jogador de futebol bem-sucedido no Brasil é algo semelhante a comprar o bilhete premiado da loteria. Não basta ter sorte ou talento, pois há outros inúmeros fatores que vão definir o caminho da glória ou o da frustração. Ser treinador não é diferente e pode ser ainda mais sacrificante. Entre outros aspectos, é necessário ter recursos para bancar o que a CBF exige desde 2019. 

Trata-se dos cursos para obter as quatro licenças obrigatórias da entidade para trabalhar à beira do gramado, pelos quais o interessado terá de investir algo próximo de R$ 43 mil, além de transporte, hospedagem, alimentação e outros gastos.

“Tive o privilégio de jogar em 27 equipes, umas médias e outras bem pequenas. Algumas deram-me condição de ter minha casa, conquistar pouca coisa. Mas nada que tenha me dado possibilidade de, após parar, fazer um curso, ser graduado. Gostaria muito de me preparar melhor, mas as dificuldades são muitas. Falta condição financeira para investir na carreira de treinador”.

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O relato é de Milton Orlando de Sousa, de 49 anos, o Milton Tanque. O ex-atacante defendeu clubes como Villa Nova, América, Caldense, Ponte Preta, Avaí e Nacional da Ilha da Madeira-POR. Quando pendurou as chuteiras, em 2010, já havia feito um curso de treinador oferecido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Quer seguir na profissão, mas, a exemplo da maioria dos ex-companheiros da bola, o orçamento ainda não permite.

Depois que parou de jogar, Milton Tanque fez trabalhos como técnico nas categorias de base do Villa Nova e no profissional do Coimbra. Depois disso, montou escolinha em Conceição do Mato Dentro, sua cidade natal, que fica a 167 km de Belo Horizonte. Lá também é o treinador do projeto Bom de Bola, Bom na Escola, mantido pela prefeitura.

Milton Tanque conta que dentro das suas possibilidades estuda bastante o futebol e acompanha “tudo”. Além disso, tem a seu favor os 16 anos de experiência como atleta profissional. “Mas só esse aprendizado não é suficiente, preciso me capacitar mais. Tenho muita vontade de fazer os cursos da CBF para estar habilitado a assumir uma equipe profissional. Mas o valor é muito alto. A gente que é pai de família não tem condição de investir esse valor. O curso poderia ser mais acessível”, aponta o ex-atleta.

As licenças

A CBF promove cursos para que o futuro treinador obtenha as licenças para trabalhar. São quatro (C, B, A e Pro, nessa ordem) que darão a condição de atuar em escolinhas, categorias de base e times profissionais. A licença PRO é a graduação mais alta, mas apenas para convidados. Ela permite a atuação fora do Brasil, desde que atenda os requisitos das confederações locais.

Quem teve condição de investir no curso elogia a ótima estrutura oferecida, bem como o aprendizado obtido. No entanto, admite que o valor inviabiliza a participação de outros postulantes a treinadores. “Os custos são altos, mas eles (CBF) também têm despesas. É uma pena que nem todos possam pagar. Precisaria ter outro jeito, sei lá, tipo entrada de futebol: quem não pode pagar tudo paga meia”, sugere o multicampeão Cuca, sem clube.

Gustavo Brancão, que vai comandar o Ipatinga no Módulo II deste ano, tem opinião semelhante. Ele tem a licença B e está tirando a A. “Os cursos são muito importantes para nossa qualificação, mas os preços são altíssimos, incluindo as outras despesas que temos. A CBF faz um investimento, mas deveria ser mais acessível, pela nossa realidade aqui no Brasil. Nem todos têm condições de bancar”, aponta o técnico do time do Vale do Aço. 

Ex-Flamengo, Paulinho quer investir na carreira

O ex-volante Paulinho, de 46 anos, rodou por vários clubes de Minas Gerais e atingiu o auge em 2005, quando foi campeão estadual pelo Ipatinga. No ano seguinte, chegou ao Flamengo, onde ficou até 2007. No fim do ano passado, ele começou a dar os primeiros passos na carreira de técnico. 

Foi convidado pela Prefeitura de Douradoquara, no Triângulo Mineiro, para comandar um projeto com crianças e adolescentes, além de dirigir o time amador da cidade.

O ex-volante conta que obteve registro de treinador no Conselho Regional de Educação Física e pretende seguir se capacitando. “Tenho o objetivo de ser técnico e vou fazer o curso na CBF. A dificuldade existe, mas tenho certeza de que vou colher o fruto lá na frente”, aposta.