Narrador-personagem é aquele que, ao mesmo tempo, vive e conta a própria história. Essa dupla função permite revelar bastidores, sentimentos e um olhar subjetivo sobre os acontecimentos. No futebol, algo semelhante acontece com a atacante Miriã, de 26 anos, que há anos testemunha — e protagoniza — o crescimento do projeto do Cruzeiro no futebol feminino.

Miriã veste a camisa da Raposa desde 2019 e se consolidou como uma das vozes mais representativas dessa trajetória. Como lembra a própria atleta, no início o projeto se resumia a três elementos: o sonho, a camisa celeste e a bola para jogar.

Em entrevista exclusiva ao Lance!, a atacante fala com emoção sobre a campanha do Cruzeiro e relembra passagens marcantes, em um discurso marcado pelo sotaque que mistura as raízes do interior paulista às influências mineiras que colecionou ao longo da carreira.

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Natural de Mogi das Cruzes (SP), iniciou a carreira no Rio Branco e no Rio Preto, mas foi em 2018, defendendo o América-MG, que começou sua relação com Minas Gerais.

— Quando cheguei, tudo era muito novo. Fui muito bem acolhida e tive a chance de disputar o Mineiro, que vencemos. Mas logo depois veio a notícia de que o América encerraria o futebol feminino. Foi um choque — relembra.

O nascimento do Cruzeiro Feminino

No início de 2019, em meio à incerteza, surgiu a virada. A coordenadora Bárbara Fonseca, a Babi, que também trabalhou no América-MG, ligou para Miriã pedindo confiança em um novo projeto que estava sendo montado em Belo Horizonte, ainda sem revelar o clube.

— Ela pediu para eu esperar, não assinar com ninguém. Logo depois revelou que seria o Cruzeiro. A gente se apresentou em fevereiro e começou do zero, com muito sonho, mais do que estrutura — conta Miriã.

O choque de realidade e o sonho da Série A1

A primeira temporada foi de desafios e superação. Em 2019, após perder a final da Série A2 para o São Paulo e receber a medalha de segundo lugar, Miriã fez uma promessa a si mesma: não se contentaria com o vice e, em breve, seria campeã.

— O elenco era jovem, sem grandes recursos, mas agarramos a oportunidade como se fosse a última. A meta era classificar para a Série A1, e conseguimos. Foi quando vimos que nosso sonho podia se tornar realidade — diz.

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Em 2020, veio a chance de defender o Corinthians, clube referência no futebol feminino. A experiência, segundo ela, foi determinante para o amadurecimento.

— No começo foi difícil, porque a exigência era muito alta. Mas aprendi demais com jogadoras experientes, vivi finais de Brasileiro e realizei um sonho. Quando peguei a medalha de campeã, lembrei da promessa que tinha feito em 2019, quando fui vice, de que queria levantar aquele troféu — afirma ela.

Miriã no primeiro ano de Cruzeiro. (Foto: acervo pessoal)
Miriã no primeiro ano de Cruzeiro. (Foto: acervo pessoal)

A volta ao Cruzeiro

O retorno à Toca da Raposa, em 2024, trouxe novas sensações. O clube evoluiu em estrutura, recebeu mais investimento e alcançou voos maiores. Nesta temporada, está na final do Brasileirão e garantiu vaga inédita na Libertadores.

— Quando voltei, vi o quanto o Cruzeiro tinha mudado. O projeto cresceu, a torcida abraçou. Ano passado caímos nas quartas para o Palmeiras, mas eu já dizia que era só o começo. Hoje estamos na final e é incrível reviver tudo isso com o Cruzeiro, que foi quem me deu a primeira grande oportunidade — destaca.

Mais do que títulos, Miriã revela que o combustível é a evolução coletiva.

— A cada etapa, eu me via crescendo como jogadora e como pessoa. Agora, quero escrever meu nome na história do Cruzeiro sendo campeã brasileira aqui. Esse é o meu sonho hoje — diz.

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Força do elenco e apoio da torcida

A temporada de 2025 não foi simples. Em 17 jogos, apenas um gol marcado e algumas lesões pelo caminho exigiram resiliência. Para Miriã, o ano foi de ajustes.

— Esse ano foi de adaptação. Sofri lesões que me atrasaram, enquanto o time seguia evoluindo. Então precisei correr atrás pra me adaptar ao modelo de jogo do Jonas, que exige muito taticamente — explica.

Apesar das dificuldades, ela valoriza a força do grupo e o aprendizado de assumir diferentes papéis dentro do elenco.

— Hoje temos um elenco muito qualificado, meninas de alto nível técnico. Isso também faz parte: entender o processo, mesmo não sendo tão protagonista em alguns momentos. Mas sigo confiante, trabalhando — acrescenta.

Se em campo foi preciso paciência, fora dele a atacante se fortaleceu ainda mais com a energia das arquibancadas. A cada rodada, o Cruzeiro quebra marcas de público no Independência, criando uma atmosfera única.

— É incrível. Antes não tinha isso. Hoje a gente entra em campo e sente a energia, a vibração. Não é só torcida, é acolhimento. Eles puxam a gente pra cima. Ver o Independência lotado, pensar que o Cruzeiro coloca estádio cheio pra apoiar o feminino… isso dá muito orgulho — diz, emocionada.

A decisão contra o Corinthians

Na final contra o Corinthians, adversário que conhece bem dos tempos de Parque São Jorge, Miriã prevê um duelo equilibrado e decidido nos mínimos detalhes.

— É um jogo de detalhe. Quem errar menos, leva. O Corinthians é sempre difícil, mas a gente confia muito no nosso trabalho. Temos jogado bem, estamos leves e confiantes. Vai ser garra, persistência e acreditar até o fim — projeta.

Miriã e Jonas Urias se abraçam após classificação à final do Brasileirão Feminino. (Foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro)
Miriã e Jonas Urias se abraçam após classificação à final do Brasileirão Feminino. (Foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro)