Placares elásticos costumam entrar para a história. Se desde já o 10 a 0 que o Bayern Munique aplicou no Auckland-NZL está nos anais do Mundial de Clubes da Fifa, vale lembrar um fato que marcou o Campeonato Gaúcho. Para isso, o Lance! traz os bastidores da maior goleada da história do Internacional, do Beira-Rio e do Gauchão.
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O relato do que aconteceu antes, no intervalo e depois dos 14 a 0 aplicados pelo Colorado em 23 de maio de 1976 sobre o Ferro Carril foram contados a este repórter em 2012, durante a realização de uma reportagem sobre outro assunto. E confirmado nesta segunda-feira (16).
As fontes
O primeiro a contar a história foi um jogador batizado de Luís Carlos Melo Lopes. Mas conhecido pela torcia como Caçapava. O camisa 8 alvirrubro marcou época no Inter. No Beira-Rio, atuou de 1972 a 1979, participando do bicampeonato nacional (1975-1976) e de quatro títulos estaduais (1974, 1975, 1976 e 1978).
Já a confirmação veio de Cláudio Roberto Pires Duarte, o Cláudio Duarte ou Claudião, lateral-direito que atuou apenas com a camisa vermelha, octacampeão gaúcho com o Colorado (de 1969 a 1976), e técnico com passagens por diversos clubes.
O contexto
Em 1976, o Colorado vivia um ano de glória. Havia conquistado seu primeiro título brasileiro em dezembro de 1975 e era um dos melhores do País na época. Aquele time é cantado em prosa e verso por quase todos que o viram jogar.
O técnico Rubens Minelli, na casamata alvirrubra desde 1974, havia montado uma equipe equilibrada e forte. O time jogava o que na época se chamava de futebol total, inspirado no Ajax de 1971 e na Holanda de 1974, ambos comandados por Rinus Michels. Enfim, aquele Alvirrubro era “O” time do Brasil, tanto que venceria o bi no final daquele ano.

A goleada
O time de Minelli começou o Gauchão de 1976 a mil. Em oito jogos, venceu sete e empatou um, aplicando cinco goeladas. Na tarde daquele domingo, 23 de maio, estava se aquecendo no vestiário quando entrou Frederico Arnaldo Ballvéa, presidente do clube e de uma rede de rádios. Ele chegou perguntando a Carlos Duran, então supervisor de futebol:
– Vocês ouviram a entrevista do presidente do Ferro Carril [Edgar Fagundes] na rádio ontem à noite?
Como Duran e os atletas disseram que não, Ballvéa acrescentou:
– Ele disse que nosso time não joga nada. Que não somos isso tudo. E que o Ferro Carril vai ganhar o jogo hoje só para mostrar isso.
Em seguida, quis saber qual era o bicho (valor extra pago por vitória) para aquela partida, ao que Duran respondeu que, como combinado no começo do campeonato, cada êxito valia Cr$ 1.000. Aqui vale um parêntese: economistas costumam dizer que não há como equivaler o cruzeiro (moeda brasileira nos anos 1970) ao real.
Só para termos uma ideia, o salário mínimo na época era de Cr$ 768. Voltando, Claudião explica:
– Como o salário não era muito alto naquela época, o bicho salvava a feira da semana. Se não tinha vitória, era um aperto.
Voltando ao jogo, ou antes dele, ao saber do valor, Ballvéa prometeu:
– Além dos mil, vou pagar mais cem por cada gol no jogo. Vamos mostrar para eles no que se meteram.
Os gols

Como promessa é dívida, podemos dizer que Ballvéa levou um bom prejuízo aos cofres colorados. Logo aos 35 segundos, Caçapava, que raramente marcava gols, abriu o placar. E não demorou muito para vir mais: aos 6, o volante fez o segundo; aos 11, Genau ampliou; 12, Carpegiani marcou o ele; e aos 42, Flávio deixou o seu. O primeiro tempo acabou 5 a 0.
No intervalo, um Ballvéa esbaforido baixou no vestiário e foi logo falando, provavelmente pensando nos Cr$ 500 a mais para cada jogador:
– Já provamos o que queríamos. Não precisa mais fazer mais nenhum gol.
Caçapava e Claudião lembram que alguém do grupo respondeu:
– Chefe, o jogo só acaba quando termina.
E o time voltou para o gramado. Preocupado, em vez de retornar à tribuna, Ballvéa foi assistir o segundo tempo na casamata, ao lado de Minelli. Começada a etapa final, o time não parou.
Aos 2, Valdomiro fez de falta; Ramon fez o sétimo aos 5; Claudião colocou mais uma bola na rede aos 6. O jogo estava 8 a 0 e, da casamata, Ballvéa esbravejava pedindo para o time parar. Nisso, Figueroa fez o nono, aos 10. E o cartola virou para Minelli e pediu para ele ordenar que parassem. Ao receber a negativa, atacou:
– Eu sabia! Eu sabia! Tu estás do lado deles!
Aos 13, Valdomiro fez de novo. Aos 14, Ramon também. Aos 28, Escurinho deixou o dele. Dez minutos depois, Ramon fez seu terceiro. Aos 44, Valdomiro colocou a bola na rede mais uma vez. Com os 14 a 0, o bicho dos jogadores seria engordado em Cr$ 1.400, ou seja, numa partida, levaram R$ 2.400 cada atleta relacionado.
Por isso, terminada a partida, o dirigente ordenou que só os atletas entrassem no vestiário e fechou a porta.
– O Ballvé ficou uns dez minutos nos mijando. Nos chamou de covardes por termos feito tantos gols no outro time. Chamou o Ferro Carril de coitado. Foi a primeira vez que tomamos uma dura por termos vencido um jogo.

Orlando, o melhor em campo
Havíamos pedido para o leitor guardar o nome de Orlando, o goleiro do Ferro Carril. Apesar do placar mais do que elástico, o camisa 1 da equipe da Fronteira Oeste foi escolhido o melhor em campo por várias das rádios que transmitiram a partida.
Orlando Moreira Alves, também conhecido por Orlandão entre os jogadores, tinha 25 anos. O apelido se deve ao seu tamanho avantajado, pesava 120kg distribuídos em 1m79cm. Mesmo assim, conseguia fazer defesas plasticamente bonitas, daquelas para sair na foto.
No dia seguinte, o jornal Zero Hora escreveria na avaliação: “Não fosse ele, o Ferro Carril levaria uns 20 gols. Salvou o time em situações perigosas, mas acabou levando 14. Nota 2”.
