Mineirão. Estádio que carrega no nome a grandeza da história do futebol mineiro. Já abrigou mais 130 mil pessoas e foi, por um tempo, o segundo maior do Brasil, só atrás do Maracanã - atualmente é o quinto, com capacidade para 61.846 pessoas. Quem nasceu e cresceu junto ao Gigante da Pampulha, em 1965, se lembra bem do churrasquinho pré-jogo no estacionamento - repaginado para abrigar a atual Esplanada -, e dos incontáveis craques que por lá passaram. Aos 58 anos, completados neste 5 de setembro de 2023, o ‘idoso’ Governador Magalhães Pinto - nome de batismo do estádio - celebra também as histórias de conquistas dos clubes da capital e a relação de alguns torcedores que, literalmente, viveram o estádio nessas quase seis décadas. O Tempo Sports reuniu lembranças de fãs que têm o Mineirão como uma extensão de suas casas.

Além das muitas taças levantadas por, especialmente, Atlético e Cruzeiro, inclusive seus maiores títulos, o Mineirão foi palco de Copa do Mundo, Copa das Confederações, Copa América e, até, de Jogos Olímpicos. Isso para falarmos apenas de futebol, já que o maior estádio de Minas Gerais também recebeu diversos outros eventos desde a sua inauguração. E para quem é torcedor desde sempre, o bom mesmo é se lembrar das conquistas e até decepções vividas no palco do futebol. 

Mineirão vai receber um grande público no jogo entre Atlético e Palmeiras

“Meu tio Eliseu era daqueles atleticanos doentes, e me levou ao Mineirão quando eu tinha completado 9 anos. O jogo era entre Atlético com o Santos, e o Galo venceu por 2 a 0. Foi em junho de 1974. Naquela época era muito difícil ter os jogos transmitidos na televisão, então eu acompanhava muito pelo rádio. E estar no Mineirão naquele dia foi fantástico. Quando você vê o gramado é muita emoção”, conta Claudio Gomes, 58, gerente regional de vendas. 

Dos craques que viu jogar no estádio, Claudio se recorda com carinho do Atlético do início da década de 1980, que reuniu nomes como João Leite, Luizinho, Toninho Cerezo, Heleno, Jorge Valença, Palhinha, Reinaldo e Éder. Guarda no coração, porém, dois em especial: “Ronaldinho Gaúcho, que é um cara que vi jogar demais, e Reinaldo, que é o cara que vi fazer o que queria dentro da área, dava chapeuzinho, cavadinha…”, relembra. 

O que entristece Claudio é a lembrança da perda do título do Campeonato Brasileiro de 1977, em jogo realizado já em março de 1978. O Galo, invicto, empatou o jogo no tempo normal e na prorrogação em 0 a 0 e perdeu nos pênaltis, por 4 a 2. “Até hoje eles falam que aquela bola do Toninho Cerezo está lá na Lagoa da Pampulha”, falou o torcedor, sobre o pênalti desperdiçado pelo volante histórico alvinegro. Mas também tem alegrias, como a conquista da Copa do Brasil de 2014, diante do Cruzeiro. “Estávamos lá, torcida visitante, no cantinho. A torcida do Cruzeiro em peso, estavam confiantes. O jogo foi pau a pau e a torcida do Galo nunca parou de dar suporte. E aconteceu aquele gol do Tardelli no fim do primeiro tempo. Depois daquilo, foi só alegria”, conta Claudio. 

Uma década para cada lado

Na década de 1980, quando o Atlético teve uma das equipes mais celebradas de sua história, o Galo venceu nada menos do que oito dos dez Campeonatos Mineiros, que tinha uma importância muito maior do que nos dias atuais. Em 1983, inclusive, foi hexacampeão estadual, a maior sequência de títulos da história do futebol profissional mineiro.

Time posado do Atlético Mineiro, antes da partida final do Campeonato Brasileiro de 1978, contra o São Paulo, no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Da esquerda para a direita, de pé: João leite; Vantuir, Márcio, Toninho Cerezo, Valdemir e Alves; agachados: Serginho, Angelo, Caio Cambalhota, Marcelo Oliveira e Ziza. Pasta: 37.780 - Crédito:Estadão Conteúdo/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

O América foi deca entre 1916 e 1925, antes do profissionalismo ser implantado no Brasil. A década anterior, porém, foi de domínio azul. O Cruzeiro foi tetra mineiro, entre 1972 e 1975, e foi campeão da Libertadores em 1976 - venceu o jogo de ida no Mineirão, contra o River Plate, e decidiu o torneio em um jogo extra, em Santiago, no Chile. Além disso, decidiu o antigo Mundial Interclubes na Pampulha, mas perdeu o título para o Bayern de Munique, da Alemanha, no fim do mesmo ano de 1976. Para quem nasceu nos anos 1960, a lembrança dessas duas décadas ainda bate forte.

Pontapé inicial na campanha da Copa Libertadores de 1976 foi a vitória diante do Internacional por 5 a 4

São memórias que o cabeleireiro cruzeirense Wagner Zacaria, mais um com 58 anos, gosta de compartilhar. “Meu primeiro grande jogo no Mineirão foi em 1976, aquele Cruzeiro e Internacional (pela Libertadores). No ano anterior, o Cruzeiro tinha perdido (o Brasileiro) para o Internacional, mas naquele ano ele foi carrasco, ganhando por 5 a 4 no Mineirão. E isso é uma coisa que a gente não esquece. Tinha 10 anos e meu padrinho Eduardo (que já é falecido) me levou para assistir ao jogo. O Mineirão, para mim, é um caso de amor”, contou.

Como bom integrante da China Azul, Wagner também sabe na ponta da língua aquele time da década de 1970 com Raul, Nelinho, Moraes, Darci Menezes e Vanderlei; Piazza, Zé Carlos e Eduardo, Roberto Batata, Palhinha e Joãozinho. Curiosamente, o maior ídolo desse torcedor não é um jogador dessa época. “O maior ídolo da história do Cruzeiro, para mim, é o Fábio”, elege, ao falar do goleiro, que chegou ao clube já na década de 2000 e deixou o Cruzeiro tendo vestido a camisa estrelada em 976 jogos. 

Mas não são lembranças apenas de times e jogadores que mexem com o emocional desses torcedores. “Lembro bem da ‘geral’, que não existe mais, dos bares, que mudaram e eram maravilhosos, e do tropeiro. Depois vieram os novos assentos para a Copa do Mundo. Mas a minha maior tristeza foi ver o rebaixamento do Cruzeiro 2019, que eu coloco na conta da má gestão dos cartolas que levaram a gente por três anos na Série B”, frisa Wagner.


Amizade com árbitro

Levado pelo pai, o cruzeirense Júnior Rocha, de 58 anos, começou a frequentar o Mineirão quando tinha por volta de dez. Chegou a ver grandes craques do passado desfilando pelo gramado do Gigante da Pampulha. "Lembro do Cruzeiro com Dirceu Lopes e Tostão", disse. 

Mas um dos lances que mais marcaram a história de Júnior com o estádio foi bem mais recente: o golaço de Everton Ribeiro sobre o Flamengo nas quartas de final da Copa do Brasil de 2013. "Ele deu um lençol em um jogador do Flamengo (o volante Luiz Antônio) e fez um gol maravilhoso! O Cruzeiro estava numa fase muito boa", recorda.

O cruzeirense se lembra, também, de um período em que, pela amizade que tinha com um árbitro, conseguiu acesso aos bastidores do estádio. "Ia ao túnel dos juízes e, muitas vezes, encontrava jogadores que tinham recebido cartão vermelho ou amarelo batendo na porta do vestiário do árbitro pedindo desculpas, para o árbitro não 'carregar' muito na súmula contra eles", comentou.


Vendo jogo na torcida adversária

O atleticano Clésio José Gonçalves nasceu um dia antes do Mineirão, em 4 de setembro de 1965 e a primeira vez que entrou no estádio foi para assistir ao jogo entre Atlético e Uberaba, pelo Campeonato Mineiro de 1981, em um setor que hoje nem existe mais. "Fui na geral. É o que dava para pagar na época." Ainda naquele ano, o torcedor, morador de Brumadinho, pregou uma peça nos rivais para conseguir chegar mais rápido ao Gigante da Pampulha, mas teve de assistir ao clássico em meio à torcida celeste.

"Eu estava na praça e tinha um pessoal que eu sabia que era cruzeirense. Eles passaram de Kombi e perguntaram se eu estava indo para o Mineirão. Eu disse que sim, mas que não tinha dinheiro. Perguntaram se eu era atleticano, e eu disse que era cruzeirense. Pagaram tudo para mim. Fui na torcida do Cruzeiro. O Galo fez 1 a 0 e tive que ficar caladinho, triste, mas explodindo por dentro. No segundo tempo, o Cruzeiro empatou e fui obrigado a pular e gritar."

Em outra oportunidade, Clésio trabalhava como trocador de ônibus e, para não perder o jogo, foi de uniforme e tudo. Levou até o dinheiro das passagens. "Eu tinha 16 anos e fazia a linha Belo Horizonte/Moeda. Cheguei da viagem e fui para o campo como estava, com um bolo de dinheiro no bolso da camisa."

Sobre os jogos que mais marcaram sua trajetória como torcedor no Mineirão, ele destaca dois. Um deles, da época em que o estádio passava com frequência dos 100 mil torcedores: Atlético 1 x 0 Flamengo, em 1987, com 107.497 espectadores. "O Nelinho fez um gol de pênalti. É um jogo que me marcou muito, além do 4 a 0 sobre o Cruzeiro, em 2007, com o gol do Vanderlei." (Com Dimara Oliveira, Matheus Oliveira e Rafael Leal)