O Presídio Inspetor José Martinho Drummond, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, virou um “barril de pólvora” nos últimos dias. Entre quinta-feira (3/7) e esse domingo (6/7) foram ao menos três homicídios na cadeia, além de dois presos socorridos em estado grave após serem espancados.

A morte mais recente foi a do detento Luiz Eduardo Barbosa, de 28 anos. A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), assim como nos outros casos, informou que tomou as medidas administrativas cabíveis. A pasta ainda afirmou que “as unidades prisionais administradas pelo Depen-MG são regularmente fiscalizadas por diferentes órgãos de controle, entre eles o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais". (Leia nota completa abaixo).

Tal como nos últimos dois homicídios, policiais penais foram acionados após briga em uma das celas na Ala 1. Fontes da reportagem disseram que a agressão foi tão grave que o óbito já foi constatado antes da chegada do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O detento morto havia chegado pela última vez na Martinho Drummond em setembro do ano passado.

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Já o homem agredido nesse domingo foi socorrido para a sala vermelha de emergência do Hospital São Judas Tadeu. Ele teria sofrido três facadas durante a briga em uma cela da mesma ala do presídio. O outro espancamento foi na sexta-feira (4/7). A Ala 1 é composta por detentos por crimes de menor potencial ofensivo e também pelo público LGBTQIAPN+.

Como mostrou O TEMPO, a primeira morte dos últimos episódios foi na quinta-feira quando um detento de 33 anos foi morto durante confusão na mesma ala. Dois dias depois, um detento foi espancado, enquanto outro também foi morto. Esses primeiros casos, conforme uma fonte ouvida pela reportagem, podem ser um “desafio” à direção e também a Bárbara Nardi, juíza titular da Vara de Execuções Penais da Comarca de Ribeirão das Neves, que visitou o presídio na sexta-feira.

Um policial penal afirmou à reportagem que a situação está “insustentável” para a categoria e que presos têm brigado por questões fúteis. “Estão em guerra entre eles. Estão se matando por pão de sal, se matam porque um não gosta do que o outro fala, se matam por banalidades. Virou barril de pólvora”, disse.

Péssimas condições

Uma inspeção feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em junho considerou como péssimas as instalações da Penitenciária Inspetor José Martinho Drumond. O documento aponta que o presídio tem 1.047 vagas projetadas, embora tivesse 2.168 detentos no mês passado. Os agentes penitenciários eram 333. “Tem cela projetada para oito presos, mas que possuem 28, 30 presos. Pessoas que dormem no chão, amarram cobertas como rede, dormem no banheiro”, relatou uma fonte.

Na inspeção, o CNJ encontrou armas de fogo ou instrumentos que podem ser usados como arma branca. Foram recolhidos, ainda, 27 celulares.

Cenário

Antropóloga e pesquisadora de pós-doutorado do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Vanessa Sander afirma que a situação atual do  Presídio Inspetor José Martinho Drummond diz muito sobre o quadro de letalidade prisional no estado e no Brasil.

“No sistema penitenciário brasileiro se morre muito, se sabe pouco e não se registra quase nada. Não há praticamente responsabilização por essas mortes e nem ações de reparação”, diz ela.

Conforme Vanessa, a alta letalidade está associada às condições de infraestrutura da prisão, ao modo como os agentes tratam os detentos, aos conflitos internos e a como os responsáveis lidam com esses conflitos.

“Esses três homicídios e dois espancamentos não são um acaso. Isso mostra problemas na própria forma como o estado tem lidado com a custódia das pessoas presas. As garantias mínimas de segurança e de integridade física não estão sendo respeitadas. Quando o estado não cumpre esse papel, abre espaço para outras formas de comando e controle dentro das prisões, como a autogestão da violência”, afirma.

A antropóloga afirma que essa situação também mostra que as vidas dentro das cadeias são tratadas como se tivessem menos valor. Ela lembra que a maioria dos detentos são jovens, negros e de periferia.

Soluções

Para Vanessa Sander, a mudança desse cenário passa por ações urgentes, como a redução da superlotação, por meio de medidas de desencarceramento, fortalecimento das equipes técnicas, criação de canais seguros de denúncia, garantia de respostas rápidas para ameaças e agressões e transparência na investigação das mortes.

“É preciso repensar a forma como vemos e administramos o sistema prisional. A segurança dentro e fora das prisões não se resolve com mais repressão e prisões. Temos encarcerado muito, e isso não tem resolvido nada”, afirma.

Segundo Vanessa, é importante pensar também em medidas como o fortalecimento das penas alternativas e trabalhar a ressocialização do preso.

“A grande maioria dos presos está na cadeia por crimes relacionados ao tráfico de drogas, furto e roubo. Essas podem ser pessoas que nunca cometeram um ato de violência, nunca agrediram ninguém, mas vão parar em um ambiente de violência, com condições difíceis de vida, e acabam reproduzindo essa violência. Muitas cadeias são ‘faculdades do crime’”, conclui.

Respostas

Procurada, a juíza Bárbara Nardi afirmou, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que frequentemente faz visitas ao Presídio Inspetor José Martinho Drumond e que não há qualquer vínculo com as visitas feitas às mortes ocorridas.

Já a Sejusp informou que os presos envolvidos serão ouvidos pelo Conselho Disciplinar do presídio e poderão sofrer sanções administrativas, que vão de advertência à comunicação ao juiz da execução. Neste caso, poderá acarretar prejuízos à execução da pena pelos custodiados, de acordo com a avaliação pelo juízo competente. Apesar de a reportagem ter solicitado entrevista com o diretor da unidade para falar sobre a atual situação, o contato não foi concedido.

Posicionamento

Leia nota completa da Sejusp

Para garantir melhores condições de custódia e ressocialização e enfrentar a demanda histórica por vagas no sistema prisional, em um cenário similar ao Brasil inteiro, o Governo de Minas começou a entregar cerca de 2.700 vagas em presídios e penitenciárias de todo o Estado. Há obras de novas unidades sendo erguidas, construções que estavam paralisadas há anos e que estão sendo finalizadas, além da entrega de ampliações de unidades importantes.

Em março de 2025 foi entregue o novo Presídio de Iturama, com 388 vagas. Em julho de 2024, o novo Presídio de Ubá, com 388 vagas, também foi entregue, assim como a área de segurança e carceragem do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora. Esse último teve a capacidade ampliada em 57%, com 191 novas vagas. Também em julho, o Ceresp Ipatinga foi reinaugurado depois de longa reforma, resultando em 282 novas vagas.

A reforma da área carcerária do Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte, foi finalizada em julho de 2024, resultando em uma ampliação de 93,69% da capacidade de vagas da unidade prisional. Após quase dois anos de obras, o local passou das 412 vagas iniciais para 798, ou seja, um acréscimo de 386 vagas. Já os presídios de Itaúna (306 vagas) e Frutal (388) estão com obras avançadas – todas com mais de 74% de execução. Lavras e Poços de Caldas completam as entregas em 2026, com 600 vagas cada uma. Além disso, há inúmeras parcerias com prefeituras e com o Poder Judiciário que possibilitam reformas que permitem a ampliação de vagas e a melhoria estrutural de diversas unidades de pequeno e médio porte por todo o Estado.

Ressaltamos que as unidades prisionais administradas pelo Depen-MG são regularmente fiscalizadas por diferentes órgãos de controle, entre eles o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. As inspeções são periódicas, criteriosas e, em sua maioria, acompanhadas pelo próprio Juiz da Vara de Execuções Criminais.

Importante destacar que em todos os casos, a direção do Presídio Inspetor José Martinho Drumond instaurou um procedimento interno para apurar administrativamente as circunstâncias do ocorrido.  No curso das investigações internas, os presos envolvidos serão ouvidos pelo Conselho Disciplinar do presídio e poderão sofrer sanções administrativas, que vão de advertência à comunicação ao juiz da execução. Neste caso, poderá acarretar prejuízos à execução da pena pelos custodiados, de acordo com a avaliação pelo juízo competente. 

As investigações criminais são de responsabilidade da Polícia Civil.