Situação caótica

Medioli fala sobre fase do Cruzeiro: 'Clube de uma dívida brutal. É uma peneira'

Segundo ex-CEO da Raposa, S/A precisa ter autonomia, ser responsável pelo futebol, desvincular-se de clubes sociais e criar um fundo de credores para amortizar dívidas

Por Josias Pereira
Publicado em 14 de julho de 2021 | 10:56
 
 
 
normal

Na manhã desta quarta-feira (14), em entrevista ao quadro ‘Café com Política’, no jornal ‘Super N 1ª edição’, da rádio Super 91,7 FM, Vittorio Medioli, ex-CEO do Cruzeiro no período do conselho gestor e atual prefeito de Betim, em seu segundo mandato, deu o seu parecer sobre a expectativa do clube estrelado em tornar-se uma S/A. A diretoria do Cruzeiro aguarda um parecer favorável do Projeto de Lei que vem sendo discutido em Brasília. 

A Câmara dos Deputados aprovou nessa última terça-feira (13) o regime de urgência para o Projeto de Lei 5516/19, que institui a Sociedade Anônima do Futebol, com normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento e regime tributário específico. O projeto, de autoria do Senado, poderá ser votado nas próximas sessões do Plenário da Câmara.

De acordo com Medioli, a medida é uma alternativa para estancar a crise no Cruzeiro, mas o gestor apontou que não é a única solução, já que diversas nuances ainda dificultam o controle, especialmente pelo atraso no estatuto, a falta de interesse dos sócios e conselheiros em modificações no sistema vigente e a falta de autonomia dos investidores, que ainda assim não teriam o controle majoritário. 

"A paixão tira a frieza na análise de uma situação. Eu mergulhei no Cruzeiro no final de 2019 e início de 2020, me dediquei lá por cerca de 30 dias, fiz uma profunda análise, pude conhecer de perto quais são os problemas do Cruzeiro. São problemas que vão se arrastando e degeneraram. Inclusive, é um clube com uma dívida brutal. É uma peneira, e na peneira você não consegue segurar a água, ela vai embora. As práticas dentro do Cruzeiro são as piores possíveis, degenerou. Lá dentro, tem os sócios de um clube recreativo, que vão lá tomar sauna, jogar baralho, mas o time de futebol é muito mais importante que o próprio clube”, declarou Medioli. 

"Lá dentro, infelizmente, há a irresponsabilidade pelo fato de não ter um dono que responde pelo clube. E até o estatuto do Cruzeiro, esse aí que falam 'vamos modificar'. Ninguém modifica, porque quem pode modificar são os próprios sócios e os sócios não querem. Agora o problema é o conselho do Cruzeiro. O conselho do Cruzeiro fala 'ah, mas nós somos todos respeitados'. Tudo bem, você é respeitado. Entretanto, o Cruzeiro quebrou. E por quê? Porque lá dentro tem irregularidade, tem desvio, de todos os tipos. Não aceitam as auditorias, falam de auditoria, ela chega e é descartada. O Sérgio (Santos Rodrigues, presidente atual do Cruzeiro) eu gosto dele, entende, mas o que ele pode fazer? Ele é o presidente do clube, mas, se o conselho não te autoriza, você não faz. 'Ah não, o conselho é muito bom'. Olha, é um conselho que tem gente que representa exatamente quem quebrou o clube. É difícil você consertar uma credibilidade em um ambiente como esse", acrescentou Medioli, que logo na sequência emendou com sua opinião sobre a possibilidade de uma S/A ser a saída para o atual momento de fragilidade da Raposa. 

"Agora se for uma S/A com a maioria de capital que não depende do clube, que não vem do sócio, os sócios têm que ser minoritários, mesmo nessa S/A, o clube continua majoritário. Querem encontrar alguém que coloque dinheiro lá dentro, com toda a credibilidade que o Cruzeiro tem, para o clube administrar. O clube foi quebrado. Quem são os culpados? Não se sabem. Ou se sabem, mas não são falados. Quais são as medidas para consertar? A dívida do Cruzeiro, porque quando se fala em dívidas na Fifa, Thiago Neves, R$ 59 milhões de multa em uma negociação mal feita, dinheiro que vai lá para um time lá da Arábia, via Fifa. Tem muitas dívidas que foram consolidadas que não se sabe como. Foi feito um estudo dentro do Cruzeiro sobre os principais clubes do Brasil. Tudo sobre a base. O São Paulo era o melhor, tinha um rendimento de R$ 120 milhões entre aquilo que gastava e os atletas negociados, e outros times, tem Palmeiras, Flamengo, uma escadinha, chegavam a R$ 70, R$ 60 milhões de lucro. O Cruzeiro tinha R$ 50 milhões de perda. Ou seja, onde todo mundo ganha, o Cruzeiro consegue perder R$ 50 milhões. Essa Toca da Raposa 1 tem uma gestão imoral”, cirticou Medioli. 

Sugestões para o funcionamento pleno de uma S/A

O gestor apresentou caminhos para que uma S/A funcione de forma sólida, transparente e que consiga amortizar a milionária dívida do clube. Dentre as alternativas, Medioli também sugeriu um fundo de credores, com uma fatia dos rendimentos desta empresa sendo repassada a quem está inserido neste grupo.  

“Se você coloca uma S/A, quem coloca dinheiro nela? Coloca se tem um projeto, uma credibilidade. O Cruzeiro, até então, não tem projeto. Eu deixei lá um projeto e não foi discutido na mesa. Portanto, eu acho que o Cruzeiro ainda vai sofrer um bocado porque a lei das S/A continua a manter a decisão dentro do clube, ou seja, não muda nada. É a maneira de alguém dizer, vamos ver se alguém investe aqui dentro. O torcedor, provavelmente, poderá investir em alguma coisa. Ok. Se você fizesse uma S/A pura deixaria a dívida do clube. A S/A seria altamente capitalizada, teria uma credibilidade, uma marca como o Cruzeiro, eu acredito que hoje, com a economia bombando do jeito que está, poderia chegar a R$ 1 bilhão de arrecadação. Uma S/A que deixa a dívida no clube e compromete parte da sua renda, 10, 15, 20% vão para amortizar o fundo de credores. Todo aquele que tem dinheiro para receber do Cruzeiro se habilita neste fundo, e a S/A se compromete a passar 20% de sua receita para pagar esta dívida... Em 10, 15 anos, paga”, reforçou o gestor, que ainda apontou o mercado de ações como uma possibilidade para também abater estas dívidas.

“Outra, poderia pagar até com ações, porque ações de uma empresa bem gerida, bem administrada valem dinheiro. Portanto, poderia, em um ano, você pagar tudo, em dois anos ter um Cruzeiro 0 km com 9 milhões de torcedores”, complementou. 

O caso do Atlético 

Vittorio Medioli citou em sua explanação as medidas tomadas pelo Atlético, rival celeste, no que tange à regularização de imóveis, exposição de auditorias e a busca por solucionar dívidas antigas, como a relacionada ao BMG. O valor inicial, que seria de R$ 247 milhões, foi reduzido a R$ 85 milhões, em parcelas e créditos, tudo por conta da boa relação entre as partes. 

Para reduzir a dívida atual com Ricardo Guimarães, as duas partes fizeram uma série de ajustes. O empresário concordou em retirar os juros e dar um novo desconto. Com isso, chegou-se ao valor de R$ 85 milhões, sendo que R$ 3,9 milhões serão pagos em quatro parcelas anuais (2021 a 2024) e R$ 16,1 milhões divididos em 92 parcelas mensais de R$175 mil. 

A maior parte (R$ 65 milhões) será quitada por meio de um "crédito'' dado ao empresário para estampar o lugar de patrocinador master no uniforme do time masculino profissional. O banco BMG, ou qualquer outra empresa de Ricardo  poderá, então, ter a marca exposta na camisa do Atlético por seis anos e meio, o que equivale a R$10 milhões por anos de patrocínio.

“Os imóveis deveriam ser regularizados, nunca ninguém se esforçou para regularizar os imóveis. O Atlético fez, o Cruzeiro não. Depois tem que ter uma auditoria da dívida, porque a dívida é podre, mas a metade some. E isso não conseguem fazer. Por quê? Porque é cheio de trambique lá dentro. Teria que fazer uma auditoria em praça pública. Como aconteceu no Atlético. O BMG maior credor, tinha trezentos e tantos milhões para receber, zerou. Por que zerou? O Cruzeiro também deu R$ 80 milhões ao BMG. Quando eu entrei lá dentro, meia hora depois, pedimos para que fosse explicado como se formatava aquele crédito, deram um ano de carência, dispensaram os juros e tudo. Agora no Atlético fizeram um acordo de sete anos colocando o BMG (na camisa), trezentos e tantos milhões sumiram. Abonaram R$ 250 milhões. É assim que tem que fazer, porque tem muitas dívidas que são de gente que trabalhou de maneira imprópria dentro da administração do Cruzeiro”, avaliou Medioli. 

“Se os próprios sócios, que geraram isso, continuam lá dentro, isso não vai acontecer. A medida tem que ser radical. Uma briga de um com outro lá dentro não resolve nada. O estatuto do Cruzeiro tem capítulo que dispensa de responsabilidade seus dirigentes. Se você der um desfalque, você não precisa responder sobre aquilo. É uma coisa ridícula. Agora, em uma S/A, as regras são o Código Civil, tem a lei das S/A e tem a sustentabilidade, absoluta transparência. Não foram feitas auditorias no Cruzeiro. As auditorias feitas foram jogadas fora ou foram para a delegacia de polícia. Da (consultoria) BDO foi para a delegacia de polícia porque foi interrompida na sua apuração por irregularidades. Sofro com isso, espero que o Cruzeiro possa encontrar uma saída. Entretanto, você vê que as coisas vão afundando, não se consegue tomar medidas, o Sérgio tem que tomar medidas, mas não consegue. Por quê? Está bom, se você tem autonomia, então por que não consegue? Fizeram alguma coisa, mas não mudaram nada. A virada de mesa é uma S/A, agora o clube continua um clube, vai jogar baralho, vai tomar sauna, beber cerveja, e a S/A vai tomar conta do futebol. No mundo, 92% dos times europeus são S/A, inclusive, na Itália, foram obrigados a virar S/A há 25, 30 anos, três décadas, porque acontecia isso, a irresponsabilidade. Um clube não tem finalidade econômica, e, na realidade, circulam dentro dele bilhões. Um clube tem que ser mantido dentro de uma legalidade, dentro de critérios que garantam transparência, sustentabilidade. Se não é calote para todo o lado, e o Cruzeiro é um exemplo", finalizou Vittorio Medioli.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!