O carnavalesco Milton Cunha já está em Parintins desde sábado para transmitir um programa ao vivo. A convite da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Empresa Estadual de Turismo do Amazonas (Amazonastur), ele vai comandar ao vivo a “Toada do Milton”, um programa com entrevistas, quadros especiais e música, revelando o entorno de uma das festas mais tradicionais do Norte do país, o Festival de Parintins.
Um dos eventos mais tradicionais do Norte do país acontece no próximo fim de semana, de 26 a 29 de junho, quando as torcidas dos bois Caprichoso e Garantido se reúnem no Bumbódromo, uma arena que carrega toda a energia e diversidade da cultura amazônica.
Segundo Dalisom Ferreira, a UEA precisava participar do festival de alguma forma para dar visibilidade às diferentes dimensões do Festival de Parintins: do artesão, da costureira, dos itens do boi, da gastronomia, da música e da literatura, e que foi feito em um horário paralelo ao evento.
“Pensamos no Milton porque ele já levou Parintins para a Marquês de Sapucaí. Ele é um acadêmico, um doutor em cultura popular. O programa é uma coleta de imagens, sons, discursos que vão resultar também em um livro do Milton sobre Parintins editado pela UEA”, conta o professor. Ele será transmitido ao vivo diretamente da praça da Catedral de Parintins pelo perfil da UEA no Youtube, das 14h30 às 18h30, e também pela rede Amazônica (Globo local), pela Amazon Sat e pelo portal G1.
- “O programa é uma revista eletrônica de TV, na qual eu vou operar ao vivo e chamar VTs que a gente preparou para a festa. O projeto é uma criação do pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Darlisom de Souza Ferreira. Imagina um estúdio de vidro naquela praça louquérrima: tem horas que desço, brinco com o público. O programa é cultura, arte, diversão, entretenimento, bom humor e música, tem de tudo um pouco. Temos quadros de gastronomia, o ‘Eu Tô Brocado’, ou seja, ‘esfomeado’; de moda; entrevistas com autoridades e patrocinadores, para falar de patrocínio cultural. Temos cantores dos bois (ou levantadores de toadas) em uma banda. Estou muito empolgado”. (Milton Cunha)
O programa será transmitido ao vivo, diretamente da praça da Catedral de Parintins, pelo perfil da UEA no YouTube, sempre às 13h. Cunha conta que o programa servirá de base para seu terceiro pós-doutorado pelo Laboratório de Estudos do Discurso, Imagem e Som (Labedis), pelo Museu Nacional. A proposta é oferecer uma nova perspectiva sobre a maior festa folclórica a céu aberto do mundo, fora do bumbódromo e em horário alternativo.
Além do programa, a UEA realizará uma exposição com projetos acadêmicos desenvolvidos ao longo dos seus 25 anos de história. “Essa é uma parceria muito bem-vinda, porque a UEA é uma universidade potente do Norte do país, a minha terra, portanto um lugar perfeito para os meus estudos”, destaca o carnavalesco, muito conhecido do grande público por sua atuação como carnavalesco e comentarista.
A primeira vez de Cunha em Parintins foi em 1972, aos 10 anos, para participar de um cruzeiro. Em 1993, quando já era carnavalesco da Beija-Flor, retornou para pedir ao então governador Gilberto Mestrinho um patrocínio para o novo enredo da escola de samba, “Margareth Mee: A Dama das Bromélias”. A botânica inglesa mudou-se de Londres para São Paulo em 1940 para estudar as plantas da Floresta Amazônica.
“Margareth Mee ficou 20 anos na Amazônia e passou por Parintins. Quando cheguei a Manaus, em 1993, fui a Parintins e trouxe dois artistas do boi para o Rio, João Afonso Vieira e Karú Carvalho. Sou o primeiro carnavalesco a estabelecer essa ponte Parintins-Rio. Na época, comprei muita roupa de casca de árvore para o desfile”, recorda Cunha, que voltou como comentarista das transmissões da Band local, tendo atuado de 2007 a 2011. Em 1998, o Salgueiro levou para a avenida o enredo “Parintins: A Ilha do Boi-Bumbá”.
Os carnavalescos cariocas, por sinal, buscam em Parintins há anos os artesãos locais para dar mais vida às alegorias das escolas de samba do Rio de Janeiro. Eles também buscam uma tecnologia que os parintinenses chamam de “robótica cabocla”, que aposta em um leque variado de movimentos e dinâmicas cenográficas mecatrônicas. Milton Cunha, no entanto, considera a linguagem carnavalesca muito diferente da narrativa do boi.
“O boi é um auto, da Península Ibérica, que aqui se mistura com mitos indígenas. Parintins é esse caldeirão cultural muito grande. Você vê muito bem no palco a voz da floresta, da negritude, do caboclo”, destaca o pesquisador de arte popular. O que há de comum é a grandiosidade, o valor cultural, a espetacularização, um turismo mais sensorial, “para experimentar mesmo, dançar de boi ou sambar na avenida. São dois produtos gigantes do Brasil para a gente revelar para o mundo”, enfatiza.
Localizada na ilha de Tupinambarana, a segunda maior cidade do Amazonas, com cerca de 96 mil habitantes, oferece nesta época do ano um espetáculo único, grandioso e colorido como o Carnaval, porém conduzido de forma diferenciada porque extrapola os limites do bumbódromo, o palco da festa.
Em Parintins, tudo ganha as cores vermelho ou azul: casas, bares, postes, vitrines das lojas, restaurantes, hotéis, roupas etc. No bumbódromo, marcas famosas adotam as duas cores ou personalizam seus produtos, como Coca-Cola, Brahma, Natura, Boticário, Bradesco e Skol, entre outras. A companhia aérea Azul, patrocinadora do evento, altera as cores da logomarca. Para o festival deste ano, a Azul está ofertando 196 voos extras chegando e saindo da cidade do Amazonas, um aumento de 28% em relação ao ano passado.
O folclore popular é o responsável por dividir a cidade ao meio: o Caprichoso, do curral Zeca Xibelão, de cor azul, e o Garantido, no curral Lindolfo Monteverde, de cor vermelha. Em ambos os locais, os turistas, que aumentam em torno de 20% no período da festa, podem acompanhar os ensaios de cada boi e aproveitar uma prévia do festival.
- Conheça a lenda: Os bois de Parintins têm um pé no boi-bumbá do Maranhão e nasceram de um auto popular de forte sincretismo religioso, além de terem influências indígena e cabocla. O auto narra a história de Pai Francisco e sua esposa grávida, Mãe Catirina. A mulher tem o desejo de comer língua de boi, e, para atender a esposa, o caboclo sacrifica o animal preferido do patrão. Furioso, o fazendeiro exige que o empregado traga o boi de volta. Com a ajuda de pajés e curandeiros de uma tribo, ele ressuscita o animal.
A festa
No Bumbódromo, as torcidas, também chamadas de “galera”, ocupam o lado direito e esquerdo, meio a maio. Cada boi, Caprichoso e Garantido, tem duas horas e meia para desenvolver seus temas. No palco, carros alegóricos. São 21 itens para serem avaliados pelos jurados durante três noites, entre eles apresentador, levantador de toadas, marujadas e batucadas, ritual indígena, porta-estandarte e evolução, entre outros.
Os carros alegóricos, gigantescos, com até 40 m de altura, são construídos de forma modular, com estruturas que se encaixam e se movem, revelando cenários e personagens – o amo do boi, a sinhazinha da fazenda, a rainha do folclore, a cunhã-poranga, o pajé e os tuxuaus. Enquanto um boi se apresenta, a torcida do outro permanece em profundo silêncio – até a animação da torcida conta ponto.
Este ano, o boi Caprichoso apresenta o tema "É Tempo de Retomada", celebrando a ancestralidade e a força do povo amazônico, enquanto o boi Garantido aposta no tema "Boi do Povo, Boi do Povão", dividindo sua apresentação em subtemas.
Na semanas pré-festival acontecem os traslados das alegorias do Caprichoso pelos paikicés (guerreiros em munduruku) e do Garantido pelos kaçauerés (formigas em nheengatu para Garantido), um espetáculo antes do espetáculo. As grandiosas estrututras cenográficas são levadas dos galpões até a concentração do bumbodrómo. Ali as alegorias recebem a finalização e o público pode apreciar toda a riqueza artística e esforço coletivo. No dia 26 de junho, o público é recepcionado no bumbódromo na Festa dos Visitantes, com shows de Pablo e Nattan.
O Festival de Parintins é hoje o principal impulsionador do turismo no Amazonas:
- Para 2025, a expectativa é atrair cerca de 120 mil turistas, m crescimento de 2,6% em relação a 2024;
- O impacto econômico é de R$ 184 milhões, um crescimento de 2,6% em relação a 2024;
- O evento gera 29 mil diretos e indiretos;
- 90 empreendimentos turísticos cadastrados no Cadastur, do Ministério do Turismo;
- 77 cadastrados estão cadastrados no Amazonas To Go;
- O evento ainda tem a estação de turismo e o chatbot Amazonas To Go.
“O governo do Estado investiu R$ 10 milhões em 2025 nos bois Caprichoso e Garantido. O festival vai além da cultura, ele movimenta a economia, fortalece o turismo e coloca o Amazonas no centro das atenções do Brasil e do mundo”, afirma Laena Porto, vice-presidente da Amazonastur.
Para Milton Cunha, o auto do boi em Parintins é um filhote do auto do boi do Maranhão. “O boi é filho do tambor e tem sotaques dos bois do Maranhão, que hoje copia o boi de orquestra de Parintins. Parintins, portanto, já devolveu a influência recebida e já influenciou também lá”, salienta. O carnavalesco, que nasceu em Belém, se sente ‘da floresta’ e reconhece que bebe da água dessa fonte há muito tempo.
- “Saí de Belém aos 19 anos. Até então eu dançava o carimbó, ia muito à ilha do Marajó. Ao ver as árvores gigantescas, a exuberância dos igarapés e igapós, tudo isso é muito parecido com a minha infância. Inclusive, quando chego à ilha (Tupinambarana), eu vou aos balneários para me reencontrar com essa beleza. A beleza amazônica é muito diferente, é demais, é exageradíssima, ela escorre pelas bordas, o olho não sossega”. (Milton Cunha)
Ele ainda destaca o maracatu, os reisados, os bois pintadinhos de Campos dos Goytacazes, os tambores do marabaixo e os tambores de crioula como manifestações pelas quais é verdadeiramente apaixonado. E lembra os congados e reinados, transformados na semana passada em Patrimônio Cultural Imaterial do país pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan):
- “Eu estive recentemente em Uberlândia para filmar para o Luciano Huck. As ligas das escolas de samba e a Liga dos Congos e Congadas foram me buscar para assistir a uma apresentação. Achei tudo muito preservado e original, adorei os cânticos, as formas de se movimentarem. Depois rodei o Estado e conheci muitas manifestações. É muito merecido congados e reinados serem Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, há muito de um Brasil profundo em Minas. Também vi congos e reinados no Espírito Santo, nas fronteiras de Minas Gerais”. (Milton Cunha)
Serviço
Toada do Milton: O programa vai ar ao vivo de 26 a 29 de junho, das 14h30 às 18h30, no perfil da UEA no Youtube, pela Rede Amazônica, PelaAmazon Sat e pelo Portal G1.
Como chegar
Por via aérea: Parintins fica a uma hora de voo de Manaus(370 km). A Azul tem voos para a região, acesse Voe Azul.
Por via fluvial: O turista levará 18 horas para chegar à ilha Tupinambarana, a 420 km da capital, descendo o rio Amazonas.