Nas marés que tocam a praia, ela se aproxima. Nas águas serenas de uma lagoa ou lago, ela repousa. Nas correntezas de um rio, ela se faz presente. Nas gotas do orvalho da manhã, ela descansa. Na chuva do final de tarde, ela está presente. Também está presente na lágrima – de alegria de uma mãe que acaba de ter um filho ou de um amor que se foi. Com o seu colar de conchas, brincos de pérola e espelho na mão, Iemanjá é reverenciada como uma força poderosa e benevolente, simbolizando amor, a fluidez da caridade, do cuidado e da criação.
Na mitologia africana, especialmente nas tradições iorubás, Iemanjá é uma orixá (divindade) associada ao mar, à maternidade e à fertilidade. Conhecida como a "Rainha das Águas", ela é a mãe de todos os orixás e protetora das famílias, dos pescadores e das mulheres grávidas. Seu nome deriva de "Yèyé omo ejá", que significa "mãe cujos filhos são peixes" em iorubá. No Brasil, onde o candomblé e a umbanda sincretizam elementos africanos com o catolicismo, Iemanjá é frequentemente associada à Virgem Maria é celebrada em 2 de fevereiro com oferendas ao mar.
Neste sábado, 2 de agosto, na Praça Lagoa Central, em Lagoa Santa, Iemanjá será reverenciada em um evento que terá cortejo e ritualística em sua homenagem, com a participação de filhos e filhas de 16 terreiros da cidade mineira e região. Uma oportunidade de celebrar a importância da deusa africana com a sua poderosa força de conciliação e benevolência para com todos àqueles que acreditam na sua divindade sagrada.
Alvará
Até o final da tarde desta sexta-feira (1/8), os organizadores do evento ainda tentavam, junto à Prefeitura de Lagoa Santa, a aprovação do alvará para que o cortejo aconteça. Com três pedidos negados, as solicitações de mudanças foram feitas e aguardam a aprovação do setor responsável.
Pai Erlon Câmara, sacerdote do Templo Cabana Pedra Branca, espera que o encontro cultural-religioso aconteça. Segundo ele, falar do cortejo de Iemanjá é falar de ancestralidade, do culto da “Rainha das Águas”.
- "O culto da Iemanjá vem com a chegada dos africanos para o Brasil. Eles foram proibidos, por centenas de anos, de fazerem seus cultos e suas práticas religiosas. Por uma questão de sobrevivência, já que não podiam fazer uma referência à Iemanjá, eles começaram a fazer as homenagens para Nossa Senhora. Então, no sincretismo católico, ficou por muito tempo ligado à Virgem Maria".
De acordo com o sacerdote, fazer essa homenagem não é só resgatar todo esse tempo que foi perdido, mas reverenciar todas as práticas, todos os cultos, todos os cantos, a oralidade do aprendizado, a culinária, os elementos que foram perdidos e fazer esse cortejo. "É trazer isso tudo à tona no mesmo momento e falar: estamos vivos, estamos presentes, e precisamos reverenciar isso de uma forma muito intensa e verdadeira”.
Ensaio
Na tarde da quarta-feira (23/7), cerca de 30 filhos e filhas do Templo Cabana Pedra Branca estiveram no antigo Iate Clube para uma sessão de fotos ao pôr do sol. Todos de branco, fizeram um pequeno cortejo com objetos referentes à rainha Iemanjá.
Aos olhares complacentes de outros visitantes, alguns observavam com admiração o ritual sagrado diante das águas da Lagoa Central. Enquanto o astro se despedia no firmamento, a luz laranja tingia faces, guias, conchas, espelho, búzios e flores. Uma pequena amostra do que será o evento maior que vai homenagear a mãe divina dos filhos de fé.
Mitologia
Uma das principais orixás da mitologia iorubá e figura central no candomblé e na umbanda, Iemanjá está associada a diversos mitos que destacam sua conexão com o mar, a maternidade e o poder feminino será referenciada pelos templos no cortejo do dia 2 de agosto:
- Cabana Caboclo Pedra Branca
- Templo de Umbanda Caboclo Pena Branca
- Casa de Caridade Vó Zianna
- Casa Fraterna Despertai
- Templo de Umbanda Casa de Caridade da Vó
- Casa da Prece Nossa Senhora Aparecida
- Tenda de Umbanda Aquecedores de Almas
- Casa de Caridade ComPartilhar
- Ilê Ifá Ogunda'di Asé Obatálà
- Terreiro de Umbanda Caminhos para Oxalá - Filial MG
- Tenda de Umbanda Caboclo 7 Matas Jaboticatubas MG
- Manzo N'gunzo Kilumino Kiamaze
- Núcleo Vida Fraternidade Espírita Pai Oxóssi
- Ilê templo de Yemanjá
- Ilê Àsé Odé OLÚWAIYÉ ÀTÍ YÉYÉ S'OROÓDÓ
- Terreiro de Umbanda Caboclo Pedra Preta
Confira alguns dos mitos mais conhecidos sobre Iemanjá:
1. Origem como mãe dos Orixás
Na mitologia iorubá, Iemanjá é considerada a mãe de muitos orixás, sendo uma divindade primordial associada à criação. Um mito conta que ela é filha de Olodumare (o criador supremo) e deu à luz vários orixás, simbolizando a fertilidade e o poder gerador. Seu nome, "Yèyé omo ejá" ("mãe cujos filhos são peixes"), reflete sua relação com a abundância do mar e a multiplicidade de seus filhos.
2. O Casamento com orunmilá
Um mito iorubá narra que Iemanjá foi casada com Orunmilá, o orixá da sabedoria e da adivinhação. Insatisfeita com a relação, ela fugiu para o mar, onde se tornou soberana. Esse mito destaca sua independência e força, mostrando que Iemanjá escolheu seu próprio caminho, assumindo o controle das águas salgadas como seu domínio.
3. A transformação em rio e mar
Em uma história iorubá, Iemanjá era originalmente associada a um rio (rio Ògùn, na Nigéria). Após um conflito ou evento traumático, como uma discussão com seu filho Xangô ou uma traição, seus seios romperam, liberando uma imensa quantidade de água que formou os oceanos. Esse mito reforça sua conexão com as águas e sua transformação em uma divindade universal, governando todos os mares.
4. Iemanjá e o leque de Oxum
No Brasil, um mito popular no candomblé conta sobre a rivalidade entre Iemanjá e Oxum, a orixá das águas doces. Diz-se que Oxum, vaidosa, possuía um leque de beleza incomparável. Iemanjá, com seu poder majestoso, criou um leque ainda mais belo, feito de madrepérola e conchas, simbolizando sua supremacia sobre as águas salgadas. Esse mito destaca a competição entre as duas orixás, mas também a complementaridade entre as águas doces e salgadas.
5. Protetora dos pescadores
Um mito comum no Brasil, especialmente nas comunidades costeiras, apresenta Iemanjá como a protetora dos pescadores. Conta-se que ela acalma as tempestades e guia os marinheiros em segurança, desde que sejam respeitosos com o mar. Em troca, ela recebe oferendas como flores, perfumes, espelhos e pentes, que simbolizam sua vaidade e conexão com a beleza.
6. Iemanjá e o sincretismo com a Virgem Maria
No contexto brasileiro, Iemanjá foi sincretizada com a Virgem Maria, especialmente Nossa Senhora dos Navegantes. Um mito popular narra que Iemanjá emerge do mar para proteger os fiéis, aparecendo como uma figura materna que guia os perdidos. Esse sincretismo fortaleceu sua imagem como uma mãe universal, celebrada em 2 de fevereiro com grandes festas e oferendas lançadas ao mar.
7. O mito do amor e da vaidade
Iemanjá é frequentemente descrita como uma divindade bela e vaidosa, que gosta de receber presentes como joias, flores e espelhos. Um mito conta que, para conquistar seu favor, um pescador ofereceu um espelho ao mar. Iemanjá, encantada, apareceu em sonho e prometeu protegê-lo, desde que ele continuasse a respeitar suas águas. Esse mito reforça a importância das oferendas e do respeito à natureza.
Observação: Esses mitos variam entre as tradições iorubás originais e as adaptações afro-brasileiras, refletindo a riqueza cultural e espiritual de Iemanjá. Ela é vista como uma mãe amorosa, mas também como uma força poderosa que exige respeito, sendo central nas práticas religiosas e na identidade cultural de muitas comunidades.
Serviço:
O quê: Cortejo de Iemanjá
Onde: Praça Lagoa Central (avenida Getúlio Vargas, 710, Lagoa Santa)
Quando: Dia 2/8 (sábado), às 17h