Um vídeo postado nesta semana pelo empresário e promotor de eventos Luiz César Costa resume o que acontece atualmente com as cidades turísticas de Minas Gerais. Imagens de drone registraram a desolação de Tiradentes, no Campo das Vertentes: ruas vazias, comércio e atrativos fechados. A imagem, até dramática, reflete bem a atmosfera hoje na maioria das cidades que vivem quase que exclusivamente do turismo.
Em Tiradentes, antes mesmo da prefeitura restringir a circulação de pessoas, os comerciantes já fechavam as portas para combater o avanço da epidemia de coronavírus. "Nossa preocupação é não trazer o vírus para a cidade. Até agora não temos nenhum caso", afirma Rejane Cunha, presidente da Associação Empresarial de Tiradentes (Asset). A cidade, de 7.000 habitantes, permanece fechada, embora dependa fortemente do turismo.
Na quinta-feira, o Conselho Municipal de Turismo (Comtur) promoveu uma reunião de emergência com os promotores de eventos para tentar construir um calendário para o segundo semestre. "Estamos tentando manter o Festival de Gastronomia, em agosto. Ele seria o start para a retomada do turismo na cidade", afirma Jeanderson Marostegan, presidente da entidade. Pelo menos sete eventos programados até junho foram adiados.
É o caso do TremBier Festival, que aconteceria em maio e foi transferido para setembro. "O evento traz cerca de 30 mil pessoas para a cidade. É um prejuízo irreversível", afirma Luiz César Costa. O lado positivo, segundo o empresário, que também é proprietário do Luth Bistrô, é que o "comércio está aprendendo a se reinventar" nesses tempos de coronavírus. Muitos restaurantes têm investido em delivery para não ficar no prejuízo.
Os passeios de maria-fumaça entre Tiradentes e São João del Rei, um dos maiores atrativos da cidade, estão suspensos desde 15 de março, sem previsão de retorno. Acompanhando uma tendência mundial, o projeto Becos de Tiradentes exibe, até o dia 9, lives no instagram com alguns dos principais atrativos da cidade para os usuários do aplicativo. "Estamos tentando não sair da mídia. Quando a pandemia acabar, o turista terá a cidade na lembrança", afirma Costa. Hoje, boa parte dos visitantes vêm de São Paulo, principal epicentro da doença.
Carrancas
A 94 km de Tiradentes, outro destino que despontou no mapa do ecoturismo brasileiro nos últimos dez anos também ressente a ausência de turistas. Com mais de 80 cachoeiras e poços que podem ser acessados por trilhas, Carrancas, no sul de Minas, é o paraíso do ecoturismo. Mas ultimamente, segundo Erton Alves da Silva, dono do restaurante Recanto, está abandonada, vazia.
Um decreto municipal também restringiu a circulação de pessoas e fechou o comércio até o dia 18. "Os moradores estão respeitando o isolamento", afima Silva. Embora a entrada da cidade tenha sido fechada, não se sabe sobre o controle no acesso às cachoeiras. "No final de semana, apareceram seis turistas por aqui. Só que ele não tinham onde comer e hospedar", afirmou.
Poliana Resende de Andrade, do agência Poliana Turismo, garante que não há visitação às cachoeiras por conta da proibição imposta pelo decreto municipal. "A maioria das quedas d'água está localizada em propriedades particulares", informa a empresária. Carrancas entra agora na baixa temporada, que se estende até setembro.
Para fugir dos grandes centros urbanos e procurar isolamento, muitos viajantes têm procurado pousadas ou casas para alugar na região. "Nós não temos como atendê-los. Não é o momento de vir para Carrancas. Tudo está fechado", avisa Poliana, que também é vereadora. Segundo ela, felizmente a cidade não vive 100% de turismo.
Ouro Preto
A poucos dias da Semana Santa, a principal cidade turística de Minas, Ouro Preto, está vazia. Na Praça Tiradentes, ponto de encontro de moradores e turistas, não se vê uma alma viva. A cidade está mais preocupada agora em implantar um hospital de campanha do que com comemorações. Todos os grandes eventos foram cancelados ou adiados.
As festividades de 300 anos da capitania de Minas Gerais está em standy by. Parte da programação está concentrada no mês junho, inclusive os 250 anos da Casa da Ópera, Mas, pela primeira vez, a cidade que costuma receber cerca de 700 mil turistas por ano não terá seus tapetes de serragens nas ruas, missas, procissões e encenações.
Um decreto adiou o pagamento de impostos municipais. A administração colocou uma barreira de saúde no principal acesso ao município para orientar moradores e visitantes. Como a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) está fechada, os estudantes voltaram para a casa, e o bairro Bauxita, no entorno do centro de ensino, virou cidade-fantasma.
"É o maior baque na economia da cidade em termos de emprego", afirma o secretário Municipal de Turismo, Felipe Guerra, que também é presidente da Associação Circuito do Ouro. "Todas as 15 cidades estão do mesmo jeito", enfatiza ele. Cerca de 70 guias credenciados estão sem renda. Da mesma forma, os 10 guias que trabalhavam no circuito.
Ouro Preto está implantando um hospital de campanha com 50 leitos em uma antiga fábrica de tecidos do século XIX, que havia sido restaurada para abrigar um centro de eventos. Até agora 40 casos suspeitos estão sendo investigados e três pessoas seguem internadas. Mas a vizinha Mariana, que vive o mesmo drama, já registrou duas mortes.
Monte Verde
No compasso de espera pelo relaxamento das medidas restritivas de combate à Covid-19 segue Monte Verde, distrito de Camanducaia, no Circuito Turístico Serras Verdes do Sul de Minas, cuja proximidade com o Estado de São Paulo levou o prefeito Edmar Dias (PMDB) a restringir o funcionamento de bares, restaurantes, hotéis e pousadas. Na cidade, não há casos de coronavírus, mas as cidades próximas de Extrema e Toledo já registraram um caso e Montes Claros, três.
"Colocamos barreira no portal de Monte Verde para impedir a entrada de turistas", conta o prefeito. "É uma medida dura, mas necessária", acrescenta. Para aliviar a situação do distrito, que vive exclusivamente de turismo, a prefeitura adiou cobrança do IPTU e do pagamento da dívida ativa. "Essas medidas representam uma perda de receita em torno de R$ 7 milhões", lamenta. As restrições, que encerravam amanhã, foram prorrogadas por mais 15 dias.
As demissões nos hotéis e restaurantes de Monte Verde já são realidade. O hoteleiro Gustavo Arrais, ex-secretário de Turismo e proprietário do maior hotel do distrito, Cabeça de Boi, já cancelou 58 grupos de excursões. A alta temporada, de maio a julho, está comprometida. "Esse período representa 50% de todo nosso faturamento anual", enfatiza Arrais. Com os cancelamentos, ele estima que deixou entrar em caixa cerca de R$ 500 mil, parte desse dinheiro seria utilizado para a folha de pagamento dos funcionários.
Arrais faz coro com as entidades do turismo e espera medidas rápidas do governo federal, entre elas a disponibilização de crédito com pagamento a longo prazo, carência de tributos e desoneração da folha de pagamentos, algumas delas anunciadas na última quarta-feira. Medidas urgentes é também o que espera o comerciante Nelson Pacheco, da Mont'Art Artesanato, de Monte Verde, que está fechada desde o último dia 23. "Nunca passei por uma situação dessa antes, não se vê um turista na cidade", comenta. O que ganhou no Carnaval, enfatiza, é o que ajudando a viver hoje.
Diamantina
Além da distância da capital mineira, Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, está em situação de completo isolamento. "Estamos em uma macrorregião com 35 municípios. São 350 mil habitantes que dependem do Hospital Nossa Senhora da Saúde e da Santa Casa de Caridade", alardeia o prefeito Juscelino Brasiliano Roque (PMDB). A tradicional vesperata, que aconteceria de abril a junho, está suspensa. O prefeito estuda abrir o garimpo para retomada da economia. O turismo parou, Semana Santa só virtual. A prefeitura mantém, nas vias de acesso à cidade, barreiras educativas.
O prefeito também informa que está também transformando uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em hospital de campanha caso a situação piore, mas reclama da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e recursos. Diamantina não registrou nenhum caso até agora, mas há nove suspeitos nas cidades do entorno.
Congonhas
Ainda amargando os efeitos da rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, Congonhas vive em estado de alerta. Cerca de 24 barragens cercam a cidade histórica, entre elas a Casa da Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), localizada próxima à área urbana. "A crise do turismo não é de agora, passa também pela mineração", afirma Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas e da Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo (Fumcult).
O Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, reaberto ao público em 2018 após restauração, está novamente fechado. A principal atração da cidade e um dos cartões-postais de Minas não vê turistas há semanas. Como nas outros municípios mineiros, a administração local fechou o comércio. O que podemos fazer agora, enfatiza Reis, é promover o turismo virtual de uma forma diferenciada. "Temos tour virtual do santuário em vários idiomas replicado nas redes sociais", conta.
Como a Semana Santa está cancelada, o museu estreia hoje uma minissérie de cinco capítulos no Canal Congonhas, no Youtube, em que reconta os passos de Jesus até a ressurreição. A maioria das cenas foi gravada no santuário, onde Aleijadinho recriou as passagens da Via Sacra. No canal, ainda, o internauta encontra oito episódios, entre cinco e 12 minutos, que promovem o destino e o jubileu. "Muita gente se liga na fé para combater a pandemia", afirma Reis. Tudo isso é preparação para o Jubileu de Bom Jesus de Matosinhos, em setembro.
São Lourenço
No Sul de Minas, o já combalido Circuito das Águas está cancelando os eventos. "As cidades da região estão vivendo momentos difíceis", afirma o promotor de eventos William Rogério de Souza. Os 53 hotéis e pousadas de São Lourenço estão fechados por conta de decreto municipal. Dois grandes eventos - Queijo, Café e Cachaça, em Caxambu, e Cachaça e Sabores da Mantiqueira, em São Lourenço - estão em compasso de espera. Se forem cancelados, Souza estima prejuízos de R$ 700 mil. Em São Lourenço, foi registrada uma morte por suspeita de coronavirus, mas sem teste de confirmação.
Como boa parte do turistas das cidades do Circuito das Águas vêm do eixo Rio-São Paulo, as próximas férias ainda são uma incógnita. O empresário Marco Aurélio Lage, do Hotel Brasil, o maior de São Lourenço, fechou as portas. Como outros meios de hospedagem da cidade, tem conseguido prorrogar as reservas para o segundo semestre, mas na semana passada deixou de receber, pelo menos, oito ônibus de excursão, um total de 300 hóspedes, a maioria da terceira idade. Enquanto o turista não vem, Lage aproveita para fazer pequenas reformas no hotel. "Nunca vi isso em toda minha vida, nem na época das enchentes, em 2000", conta.
São Tomé das Letras
Em São Thomé das Letras, na Serra da Mantiqueira, destino conhecido pelo estilo alternativo e místico, a prefeitura colocou uma equipe de 16 guardas que se revezam 24 horas nas entradas da cidade."É uma forma de impedir a entrada de turistas e controlar o morador da zona rural", explica Thaís Modesto Machado, assessora de comunicação da prefeitura. "Ainda há turistas que insistem em entrar, mas são barrados", acrescenta. As mineradoras, principal fonte de renda do município, também já suspenderam as atividades.
O isolamento criou uma rede de solidariedade entre os moradores. No município de 7.500 habitantes - que costuma receber entre 4.000 a 5.000 pessoas em um final de semana e mais de 15 mil nos feriados prolongados -, um comitê de crise foi instalado em março. Já existe um caso suspeito de coronavírus em isolamento. Os 30 pontos turísticos, entre eles cachoeiras, grutas e construções de pedra, e as 55 pousadas estão vazias. "Se a cidade não tivesse fechado, com certeza teríamos um alastramento da doença", reconhece Thaís.
Januária
No norte de Minas, Januária editou na quinta-feira um decreto para flexibilizar o funcionamento do comércio. Os principais pontos turísticos estão fechados - o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, as praias fluviais do rio São Francisco, as igrejas históricas e o balneário do rio Pandeiros. Na Semana Santa, a cidade chegava a receber cerca de 15 mil turistas.
Dos 27 casos suspeitos de coronavírus, quatro foram descartados pela Secretaria Municipal de Saúde. A cidade registrou um óbito que, segundo a secretária Municipal de Turismo e Cultura, Vanessa Borborema, não foi investigado. "Cerca de 80% da população vive do Bolsa-Família", reconhece Vanessa, que reclama da falta de repasses do governo federal.