Toda semana, há mais de 30 anos, Mack Baião de Carvalho, 42, cumpre um ritual: vai encher seus vasilhames e garrafas PET na Dona Leopoldina, uma das 12 fontes de águas com propriedades medicinais e terapêuticas do Parque das Águas Doutor Lizandro Carneiro Guimarães, principal cartão-postal de Caxambu, no Sul de Minas. “Desde pequeno faço isso. Meu avô pegava, meu pai também. Essa água é boa para ingestão, para vesícula”, conta.
Essa maneira das pessoas de coletar e usar a água do parque, e de forma gratuita, é Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado desde 2021 e levou o secretário municipal de Turismo, Filipe Condé Alves, a participar da Conferência da Água, em março deste ano, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA). Alves foi apresentar o projeto Água e Patrimônio, que visa proteger as águas minerais da cidade como elemento cultural.
Mas Alves quer ir além: transformar Caxambu no primeiro geoparque líquido do mundo reconhecido pela ONU. “Essa conferência foi uma oportunidade de dar visibilidade a Caxambu em nível mundial. A cidade está muito preocupada com o meio ambiente. Criamos a Área de Proteção Ambiental (APA) das Águas Minerais e o Monumento Natural do Morro do Caxambu e estamos nos preparando para diversificar nossa oferta turística, utilizando a cultura para proteger nossos bens imateriais, como esse uso e coleta da água”, afirma.
Água não é só bem imaterial na cidade, mas um produto turístico importante para a economia do município, que integra o Circuito das Águas, ao lado de outras 13 cidades. Diariamente, ônibus lotados de turistas aportam em hotéis, como o Glória, em busca dessas águas “milagrosas”. O destino turístico da serra da Mantiqueira fez fama com as águas em 1868: reza a lenda que a princesa Isabel foi à cidade para um tratamento de saúde. A visita não pode ser confirmada historicamente, mas a princesa teria com certeza bebido da água.
Para garantir um movimento constante de turistas na cidade, a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), atual gestora do parque, está em fase de estudos da melhor modelagem possível de gestão e operação do equipamento, e em breve deve lançar novo edital de licitação para conceder sua administração à iniciativa privada. Hoje, quem visita o local fica estarrecido com o abandono e o descaso.
Para o diretor-presidente da Codemge, Thiago Toscano, a concessão visa garantir a conservação e melhoria dos serviços, uma vez que o local passe a ser melhor administrado por um gestor com expertise em parques e balneários, e que os recursos atualmente despendidos com a manutenção, poderiam ser melhor destinados ao Estado para aplicação em políticas de educação, saúde e segurança.
Os lençóis freáticos de Caxambu não fazem parte de nenhum aquífero e ainda não geraram estudos aprofundados. As águas das 12 fontes do parque são carbogasosas e captadas por surgência, um processo natural, em profundidades de 2 km a 6 km, o que garante a cada delas propriedades diferenciadas. “Os moradores e turistas bebem água de 40 mil anos”, destaca Alves. Rica em minerais como cálcio, magnésio e potássio, a água mineral de Caxambu é reconhecida como uma das mais puras do mundo e é engarrafada no próprio Parque das Águas.
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1 – Parque das Águas
Para entrar no parque, o turista paga uma taxa simbólica de R$ 5 e pode percorrer um circuito de fontes. O tour começa na Alameda dos Plátanos, árvores exuberantes plantadas a pedido da princesa Isabel, para imitar a avenida Champs-Élysées, em Paris. Nos 210 mil m², há fontes com estruturas arquitetônicas, gêiser, coreto, belas esculturas, como a Ninfa do Lago, pista de cooper, ringue de patinação, hoje transformado em local para eventos, e o Balneário Hidroterápico.
Para percorrer o parque e descobrir as curiosidades sobre as fontes de água, recomenda-se contratar um dos 16 guias da cidade inscritos no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), do Ministério do Turismo. Eles cobram, em média, R$ 75 a R$ 100 por dia. Nossa visita foi guiada por Ana Cristina Ribeiro.
O percurso começa na fonte Princesa Isabel e Conde D’Eu (reza a lenda que a princesa fez uso das águas dessa uma fonte ferruginosa para curar uma suposta infertilidade, quando, na verdade, tinha anemia). Seguem-se as fontes Dona Leopoldina (ótima para digestão) e Viotti (boa para tratar cálculos renais, em homenagem ao doutor Polycarpo Rodrigues Viotti, o primeiro a valorizar cientificamente as águas minerais).
A parada obrigatória é na fonte Dom Pedro, a mais bonita e antiga do parque, bem ao lado do Balneário Hidroterápico. Erguida em estilo greco-romano, ela tem como destaque uma curiosa réplica de coroa em cima de uma pilastra de mármore, cenário construído nos anos 1960 e hoje totalmente instagramável. Sua água carbogasosa é considerada gourmet, boa para mesa por ser digestiva.
Uma das fontes com construção arquitetônica com mais sobriedade nas cores e ornamentação é a Duque de Sax, com águas indicadas para o fígado e a vesícula biliar. Em um mesmo local estão as fontes Mayrink. A edificação, já descaracterizada por intervenções, é inspirada no Arco do Triunfo, em Paris. De três bicas jorram águas distintas: a Mayrink I é indicada para a garganta; a Mayrink 2, como colírio para os olhos; a Mayrink 3 é a única do parque neutra e sem gás, usada para engarrafamento.
A fonte Venâncio, boa para o sistema cardiovascular, é uma homenagem a um caxambuense que dedicou parte de sua vida ao Parque das Águas). A última fonte a ser visitada é uma homenagem à imperatriz Teresa Cristina, porém mudou de nome para prestigiar Ernestina Guedes, de uma família local. É considerada boa para curar infecções da pele. Localizado próximo ao lago, o gêiser Floriano de Lemos jorra água mineral sulfurosa. A pressão do gás é tão alta que a fonte “explode”, formando uma coluna de água mineral de até 8 m de altura. Se você der sorte, pode presenciar o fenômeno natural. O horário mais provável é por volta das 10h30.
Pelo parque ainda podem se ver obras do português Francisco da Silva Reis, conhecido como “Chico Cascateiro”, como a Cascatinha. Muitos de seus trabalhos podem ser apreciados em praças da cidade. O artista esculpiu em argamassa troncos, cipós, pedras e galhos imitando a natureza.
2 – Mirante do morro Caxambu e teleférico
O segundo ponto turístico de Caxambu reserva um frio na barriga para quem tem acrofobia. Vale a máxima: não subir o morro Caxambu é como ir ao Rio de Janeiro e não visitar o Cristo Redentor. O mirante mais alto da cidade, com 1.090 m de altitude, pode ser acessado por teleférico, a R$ 25 o ingresso, num percurso de 15 minutos sobre lago e matas, ou pela trilha Caminho das Águas, de 1 km. O conselho é: subir pelo teleférico e voltar pela trilha.
Do alto do morro estão um cruzeiro, que à noite, iluminado, pode ser visto de qualquer ponto da cidade, uma estátua do Cristo Redentor, um restaurante e uma loja de suvenires. O local é recomendado para observar o pôr do sol. A vista privilegiada em 360° dá uma ideia da cidade como um todo e da serra da Mantiqueira. Em dias com céu limpo, ainda é possível avistar Baependi, a 3 km de Caxambu, e o Bico do Papagaio, o ponto mais alto da região.
3 - Balneário Hidroterápico
O prédio mais imponente do Parque das Águas é um capítulo à parte. Impressiona pela harmonia e beleza: linhas greco-romanas, azulejos ingleses e vitrais franceses. O atendimento no balneário é personalizado e com hora marcada. Entre os tratamentos oferecidos estão diversos tipos de massagens, entre elas ayurvédica, tailandesa e shiatsu, drenagem linfática, massoterapia, cromoterapia, bambuterapia, reflexologia, processos faciais e terapias holísticas, como reiki. Após o tratamento, o visitante pode usufruir da piscina aquecida adulta (R$ 50) e infantil (R$ 30), alugando toalha de banho (R$ 12) e roupão (R$ 15). Há, ainda, banhos e duchas. Os preços variam entre R$ 35 e R$ 130 por pessoa.
A imersão nas águas é uma das propostas do balneário. O aposentado Dilton Silva, 62, escolheu o banho aromático com óleos essenciais e sais, que dura cerca de 20 minutos. “Me chamou atenção o cuidado. Há um profissional de enfermagem encarregado de medir a pressão arterial antes da terapia. Lá dentro, outro funcionário prepara a banheira, dá as orientações de como se portar dentro do equipamento e controla o tempo de permanência. Também tirei um tempo para conhecer o prédio onde ficam as termas, que é belíssimo”.
4 - Igreja de Santa Isabel da Hungria
No alto de uma colina, a igreja mais famosa de Caxambu foi erguida em 1868, a pedido da princesa Isabel, para cumprir a promessa de curar sua infertilidade, feita à sua santa de devoção. Ela, no entanto, nunca teria ido à cidade para sua inauguração. A edificação de estilo neogótico contrasta com o clássico dos demais prédios da época. Inaugurada em 1897, possui um altar simples e feito em madeira trabalhada e uma imagem de santa Isabel da Hungria. Desde 1978, é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG). Um dos acessos é por uma escadaria de 126 degraus.
5 - Museu de Caxambu
O museu tem um patrimônio histórico relativamente preservado. O antigo cinema está de pé na praça 15 de Setembro, exibindo um cartaz do filme “Barbie”. A história também é recontada na exposição “Uma Luz na História”, no Museu de Caxambu, por meio de fotografias em preto e branco de várias edificações e do mobiliário de época. Um desses prédios históricos emblemáticos é o Hotel Glória Caxambu, em frente ao Parque das Águas. Belíssima construção de influência espanhola, é um registro vivo da história da cidade.
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