Visibilidade

Turismo LGBT: diversidade bate à porta das agências

Descubra o turismo LGBT além de baladas e cruzeiros; Brasil é segundo maior mercado do mundo no setor, que movimentou US$ 218 bi em 2018

Por Shirley Pacelli
Publicado em 22 de outubro de 2019 | 02:00
 
 
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Fabia Fuzeti, 43, e Gabriela Torrezani, 27, estão juntas desde 2013. Em uma viagem pelo Egito precisaram reservar camas de solteiro, já que por lá é crime ser LGBT. “Juntávamos as camas todas as noites e, pela manhã, separávamos de novo”, contam. Digliane Andrade, 27, e Francine Muller, 26, já passaram por sete países da América do Sul, e nunca disseram – logo de cara – que eram um casal. Sempre foi preciso “avaliar o terreno antes” de qualquer demonstração pública de afeto.

Se não for mesmo possível contar com o bom senso, podemos apelar – quem sabe – para a inteligência do mercado para que a comunidade LGBT se sinta convidada a cair na estrada para conhecer destinos diversos. Só em 2018, o setor movimentou US$ 218,7 bilhões em todo o mundo, segundo uma pesquisa divulgada pela Consultoria Out na feira WTM de Londres. Para além de cruzeiros gays e baladas, agências internacionais passaram a oferecer casamentos homoafetivos à beira-mar no Caribe e na Toscana, tours para shows como o das Spice Girls, grupos gays para semanas de esqui ou incursões por cidades musicais do Reino Unido.

Potencial

O Brasil, que movimentou US$ 26,8 bilhões em 2018 no setor, é o segundo maior mercado do mundo para o turismo LGBT, perdendo apenas para os Estados Unidos (US$ 63,1 bi). E, caminhando contra o vento do posicionamento do governo federal, empreendedores, municípios e Estados começaram a investir em todo esse potencial.

Segundo Ricardo Gomes, presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, é preciso desmistificar que o turismo LGBT deve ser específico para gays. “Primeiro que não é só gay. Temos lésbicas, bissexuais, transexuais… O turismo LGBT é o turismo de arte, de aventura, de contemplação… É preciso promover o Brasil para os LGBTs que gostam de aventura, da natureza do Amazonas ou das cidades históricas de Minas”, considera. Ele reforça que, claro, haverá também espaço para promover eventos como a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que atrai cerca de 3 milhões de pessoas. Mas é imprescindível pensar no restante do ano. “Ninguém vai vir ao Brasil só pela balada”, diz.

De acordo com dados da Câmara, entre os destinos mais visitados pelo público LGBT estão Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e a região da Amazônia.

Viajei Aqui

Juntas há quatro anos, as produtoras audiovisuais Digliane, a Digli, e Francine, a Fran, criaram o canal Viajei Aqui para compartilhar suas experiências de viagens de baixo custo, bem estilo mochilão. O ecoturismo fala alto para o casal. “É o que nos chama: lagoa, montanha para subir, praia e trilha”, conta Digli.

A pergunta “vocês estão sozinhas?” é recorrente, mas Fran é sempre categórica: “Não. Estamos uma com a outra”. Ela observa que é cada vez maior o movimento de mulheres viajando desacompanhadas. “Hoje já tem até Airbnb só para nós. Isso está abrindo caminho para outras viajantes tomarem coragem”, observa. O casal já teve que lidar com olhares estranhos no Peru, onde o cabelo curto de ambas fizeram com que os peruanos achassem que elas fossem homens. Apesar disso, o mochilão pela América do Sul foi tranquilo. As jovens, inclusive, fizeram couchsurfing (hospedagem gratuita) e pegaram carona para economizar no deslocamento.

Para Fran, viajar é para todos. “A gente só tem que sair. Se deixarmos de ir para algum lugar, acabamos não o transformando. Nem digo de maneira agressiva. Às vezes, acho que temos que escutar um pouco as pessoas para que elas possam nos escutar também”, observa.

Reino Unido abriga cidades “super friendly” e animadas

“Ter que ‘voltar pro armário’ durante a viagem não é legal”, conta Fabia Fuzeti, que dizia sempre que era prima de sua mulher, Gabriela Torrezani, durante um passeio pelo Egito. Desde essa primeira viagem juntas, elas já desbravaram muitos outros destinos. “Acabamos de voltar de uma viagem ao Reino Unido para explorar a cena LGBT. Londres já esperávamos ser respeitosa e oferecer muitos eventos queers, o que realmente acontece. Mas nos surpreendemos com a noite de Birmingham, uma das mais animadas que já vimos!”, diz.

Além da cidade, Glasgow e Brighton caíram nas graças do casal por serem “superfriendly” e por abrigar pessoas de gêneros fluidos pelas ruas. “Vimos muitas pessoas quebrando padrões estéticos, como homens mais masculinos usando maquiagem”, lembram.

Como dica de experientes viajantes, elas recomendam pesquisar antes as leis do país a ser visitado. Outros “toques” em estrangeira.com.br.

App faz curadoria de informações e atrativos

Curtir os destinos como um local. Aliás, local é a palavra que guia o Sonder, plataforma social de turismo e entretenimento gay. “O que faz diferença são as pessoas. Se você não tiver informação ou alguém para te ajudar a conhecer a cidade, sua viagem acaba não sendo proveitosa”, diz Rangel Vilas Boas, idealizador da iniciativa.

Criado há dois anos e meio, o aplicativo já foi baixado por 8.000 pessoas. Ele funciona como um marketplace conectando viajantes e serviços. Pela plataforma, é possível fazer reservas em hotel friendly, comprar passagens, obter ingressos e interagir com outras pessoas. “Há uma curadoria in loco. Somos meticulosos nessa apuração”, garante Vilas Boas. Os usuários também são convidados a avaliar os estabelecimentos, gerando novo conteúdo.

Dez destinos, até o momento, já ganharam espaço no Sonder: Madri, São Paulo, Rio de Janeiro, Berlim, Buenos Aires, Nova York, Londres, Barcelona, Mikonos e Seychelles. Eles foram escolhidos de acordo com o fluxo de visitantes e atividades LGBTs. Mas outros lugares, menos óbvios, já despontam no futuro para a comunidade. “Visitamos a Noruega e vimos como eles têm o interesse em receber o viajante LGBT. Não estava no nosso radar. Ou mesmo o Japão, que é muito aberto e tem uma cultura de respeito muito grande”, lembra Vilas Boas.

Segundo Vilas Boas, o mais importante para o setor de turismo é conhecer o seu viajante. “Tente entender as necessidades e as possíveis ‘dores’ dele. Faça um exercício de empatia. Gestos simples, como tratar o nome correto no registro, são detalhes que fazem uma diferença grande”, resume.

 

 

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