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Foto: (A dor de ver os nossos pais envelhecerem / Reprodução)

Valéria e a filha, Mônica Veríssimo - companheirismo na fase madura

A dor de ver os nossos pais envelhecerem

Adultos relatam momento em que a ‘ficha caiu’ sobre o início das limitações dos familiares

Por Cristiana Andrade, Maria Irenilda, Milena Geovana e Queila Ariadne Publicado em 16 de abril de 2024 | 08h01

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“Minha ficha caiu de que minha mãe estava envelhecendo e precisava de um acompanhamento mais de perto quando ela sofreu uma queda. Ela morava a menos de 1 km de mim, e foi na pandemia ainda. Ela me ligou numa quarta-feira pela manhã, desesperada, falando que tinha quebrado a coluna. Ao levantar a perna, caiu pra trás. E aí foi o caos: fiquei apavorada porque ela caiu com 75 anos e ficou, imediatamente, com 95.”
 
O relato é da professora de gastronomia para crianças Mônica Veríssimo, 48. Filha única, ela se viu diante da seguinte situação: depois da queda em casa, a mãe, Valéria, hoje com 78 anos, passou a reproduzir toda a vivência que ela teve cuidando da mãe, avó de Mônica. “Minha avó ficou bem velhinha e deu bastante trabalho. Acho que, diante da situação da queda, minha mãe ficou apavorada de estar na cama e passou uma semana em choque, inválida. Após esse período, ela foi melhorando, se adaptando. Eu a levei para minha casa para dar conta de cuidar”, lembra a professora.

A história relatada por Mônica se repete para ao menos 50 milhões de brasileiros – segundo o IBGE, em 2022, este foi o batalhão de pessoas acima de 14 anos cuidando de outros moradores de sua casa ou de outros parentes. E não se sabe ao certo quantos brasileiros cuidam de pais e filhos ao mesmo tempo – a chamada “geração sanduíche”.  

“A gente que está de perto e convive, vai percebendo que nossos pais, à medida que não conseguem mais fazer o que gostam, automaticamente vão entristecendo. No caso do meu pai, ele trabalhou desde os 9 anos de idade. E, de repente, ele não ter mais força para trabalhar foi deixando-o triste. Porque, pra mim, não era a questão do trabalho em si, era sobre ele se sentir útil. Ele é lanterneiro de carro”, conta o empresário Leonardo Furtado. 

Leonardo Furtado, entre os pais: ele chegou a passar 48h no hospital, cuidando do pai, e acabou deixando a mãe, sozinha, em casaLeonardo Furtado, entre os pais: ele chegou a passar 48h no hospital cuidando do pai - Foto: Flávio Tavares/O Tempo
 

O pai dele, de 85 anos, passou 40 dias internado para tratar uma infecção generalizada. A rotina de plantões foi extenuante. “A dedicação quase em tempo integral gera um esgotamento físico e mental em quem cuida dos pais. Comecei a ficar 48 horas no hospital. E é tão cansativo que a gente não consegue nem trabalhar. Ainda tinha um agravante, que minha mãe ficou sozinha em casa”, recorda-se Furtado. 

O envelhecimento geralmente chega devagar, mas especialistas, como o geriatra e professor na Faculdade de Medicina da UFMG, Luis Felipe José Ravic de Miranda, são taxativos em alertar sobre cuidados e atenção que filhos ou outros parentes próximos devem ter com idosos mais rotineiramente. "É importante observar o apetite - se houve perda; se houve mudança nas funcionalidades do dia a dia, por exemplo, tomar banho sozinho, ir ao supermercado, se alimentar; se a pessoa ainda consegue tomar seus medicamentos; se reconhece as pessoas. Em caso de alterações bruscas, é preciso procurar um geriatra ou neurologista", indica. 


Aceitação do tempo


Na avaliação de Mônica, quem sofre mais no cenário de ver o envelhecimento chegar são os próprios idosos. “Eu acho que dói mais para eles. Porque eu vejo que eles ainda estão bem e também porque é uma questão de aceitação do tempo da vida como ela é. Sempre penso que, mesmo diante das dificuldades, eles ainda estão aqui, bem. Então, sempre os lembro disso”, filosofa. 


Valéria, a mãe de Mônica, analisa a situação de maneira lúcida. “Se não tivesse espelho e calendário, eu não estava nem sabendo que era velha. Porque por dentro nada mudou, só fisicamente. Porque não consigo mais fazer as coisas que eu fazia. Por exemplo, agora estou com dor na coluna pela queda e dor nas pernas pela velhice. Mas o resto, eu gosto das mesmas coisas. Adoro jovem, adoro bater papo com jovem. Só que comecei a perceber que a recíproca não é verdadeira, né? Existe o etarismo. O mais chato é que os velhos sofrem porque vão ficando desacreditados. Tudo que você falaria antes quando era jovem e seria até engraçado agora vem com uma ideia de ‘ela está caducando, é velha’. No mais, não estou achando ruim ser velha, não”, diz Valéria. 

Esta matéria integra o especial "Tempo de Envelhecer:quando viramos pais de nossos pais", da Mais Conteúdo, de O TEMPO. O episódio 2 do podcast, com mais personagens e outras análises de especialistas, você ouve abaixo:

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