De 1954 para cá, quando iniciei o primeiro ano do curso de bacharelado na Faculdade de Direito da UFMG, vi de tudo. Vi e vivi a crise iniciada com a vitória, em eleição direta (suspeita, como todas naquele tempo), do ex-ditador Getúlio Vargas. Vivi seu suicídio e as graves crises (políticas, econômicas e éticas) por que passou o país.
A exceção, contra tudo e contra todos (incluindo parte das Forças Armadas), foi a candidatura de Juscelino Kubitschek de Oliveira à Presidência da República. Juscelino havia sido prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas. Teve como companheiro de chapa o jovem gaúcho João Goulart (Jango), afilhado de Getúlio Vargas, apoiados pela seguinte coligação: PSD, PTB, PR, PTN, PST e PRT.
JK passou por inúmeras crises econômicas e políticas difíceis, mas conseguiu chegar até o fim de seu governo, quando ocorreu a eleição do mato-grossense Jânio da Silva Quadros, que prometeu varrer a corrupção com a vassoura. Jânio foi apoiado pelos seguintes partidos: UDN, PDC, PL e PSB. Dono de um comportamento fora de qualquer esquadro, o eleito se viu, sete meses depois, despejado da Presidência da República. O candidato a vice em sua chapa, o mineiro Milton Soares Campos (na época, o eleitor podia votar no vice de outra chapa), perdera a eleição para João Goulart, vice do general Henrique Duffles Teixeira Lott, que havia sido ministro da Guerra de Juscelino.
Se Milton tivesse sido eleito vice de Jânio, ocorreria uma de duas hipóteses: ou Jânio não renunciaria (para não entregar a Presidência da República a Milton), ou, se renunciasse, provavelmente não teríamos o golpe de 1964, muito menos 25 anos de ditadura...
Foi outro mineiro, de São João del Rei, Tancredo de Almeida Neves, que promoveu, por meio de fácil eleição indireta para presidente da República (a emenda das Diretas Já foi derrubada no Congresso), derrotando Paulo Maluf (candidato do status quo), o retorno do país ao regime democrático. Mesmo morrendo antes de tomar posse, Tancredo cumpriu seu papel histórico. Em seu lugar, assumiu o maranhense José Sarney, que, aos pedaços, e enfrentando severas crises, passou o governo ao “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello, que durou menos de dois anos no poder. Sucedeu-o seu vice, Itamar Augusto Cautiero Franco, mineiro de Juiz de Fora.
Daí para cá, muitos sabem. Tivemos o (bendito!) real, dois governos de Fernando Henrique Cardoso, dois de Luiz Inácio Lula da Silva e um de Dilma Rousseff, despejada, enfim, em março de 2016.
Já vivi períodos de desordens públicas, de atraso de vencimentos de funcionários públicos e de inflação de 84% ao mês. Tudo isso numa época em que, no país, havia máquina de “fabricar dinheiro”. Esse breve resumo, sem detalhes e feito de memória, é só para dizer que a preocupação diária de muitos atores tem sido com a matriz econômica, e não com a matriz política. É nossa matriz política, leitor, não raras vezes bem mais importante do que a primeira, que vem acumulando, como se fosse um tumor, secreção malcheirosa e de cor amarelo-esverdeada, consequência de grave infecção bacteriana.
Há muitos anos o país sofre de renitente furúnculo. É preciso que se lhe extraia o enorme carnegão e, em seguida, se colete o pus. O tratamento para isso é a convivência, em paz, dos Três Poderes, e jamais, da direita ou da esquerda, qualquer iniciativa autoritária. O que salvará o país é a obediência à Constituição de 1988. Ela dará conta.
A salvação do país está na obediência à Constituição
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