Não disponho de bola de cristal nem jamais acreditei nela. Está aí uma das razões por que discordo de toda sugestão radical, sempre contrária à Constituição de 1988, para se debelar a crise por que passa nosso país. Todavia, a menos que o presidente Michel Temer tenha nas mãos uma bala de prata, que seria a defesa incontrastável de sua inocência, considero que sua renúncia poderia servir para suavizar os efeitos dessa crise terrível, cujos efeitos negativos recaem sobre milhões de brasileiros. É nisso que Temer, deixando de lado os amigos e companheiros, deveria pensar para decidir. Pois, para ele, o tempo urge.
Por outro lado, sem as reformas (algumas já estão no Congresso), não só na economia, mas, sobretudo, na política – pois é esta que, regida pela ética, deve comandar o espetáculo -, não sairemos da situação caótica em que nos meteu boa parte da classe política. Essas reformas também viriam mais rapidamente se o presidente Michel Temer contribuísse com sua renúncia – um gesto altivo e de desprendimento.
Por outro lado, mesmo com a renúncia do presidente Temer, o tratamento policial e/ou judicial, qualquer que seja a instância, sem mudança do sistema eleitoral e sem investimento maciço na educação, não acabará com a corrupção nem com anos de prática política, cujo principal paradigma foi sempre este: em política, pecado é não ganhar eleições. Nosso processo eleitoral foi montado sobre mais esta máxima, aceita pelos que enxergam a política como negócio: a democracia é um regime caro, e sem dinheiro não se ganha eleição. Daí para cá, o caixa 2 foi um pulo. E, deste para a propina, foi outro pulo.
A propósito do caixa 2, é oportuno lembrar que o estadista alemão Helmut Kohl, principal arquiteto da unificação de seu país, mentor de Angela Merkel, um ano depois de deixar o governo, foi acusado de tê-lo praticado. Primeiro, negou sua existência. Mais tarde, admitiu que cerca de US$ 2 milhões de doações (em torno de R$ 7 milhões) não constaram de sua declaração. Seu partido pagou multa pesada, e Helmut renunciou a sua presidência e, depois, à vida pública. O ex-chanceler disse a verdade, mas não liberou os nomes dos doadores. Foi logo depois da descoberta do chamado “marketing político”, uma invenção diabolicamente criativa, que nosso sujo processo eleitoral se deteriorou ainda mais e conquistou dimensão inimaginável. Ninguém se atrevia, até ontem, a enfrentar campanha para cargo eletivo, do menor ao maior, sem um “marquetólogo” a tiracolo, obviamente muito bem-pago. As campanhas, sem exceção, se tornaram peças de teatro mambembe. Escorado na mentira ou na mistificação, o “marketing político” ajudou a eleger centenas de candidatos corruptos país afora.
Finalmente, já um pouco atrasado, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, conforme revelam notícias da imprensa, pretende oferecer suspensão condicional do processo da operação Lava Jato a deputados e senadores (e a vereadores, prefeitos e governadores, nada?) que estão sendo (ou podem vir a ser) acusados de uso de caixa 2, mas sem que estejam vinculados a atos de corrupção. O Ministério Público Federal entende que isso ocorre quando o candidato recebe doação, não oferece contrapartida nem registra a movimentação financeira respectiva na Justiça Eleitoral, na época de sua prestação de contas, após as eleições.
A separação entre o joio e o trigo veio tarde. Aos olhos do povo, a classe política está destroçada!
Um gesto altivo do presidente poderia ajudar-nos a sair da crise
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