Hoje não queria escrever. Prefiro pensar no que significa a execução de Marielle Franco. Uma vereadora negra que lutava pelos direitos de grupos que são ignorados sem solenidades. Que são assassinados sem hesitação. Que são encurralados.
É tão surpreendente assim o fato? Ele não seria uma consequência esperada após a escalada de horrores que são esquecidos graças aos novos horrores que os substituem? Aliás, não era exatamente contra fatos como esse que Marielle lutava? Ela já enxergava o quanto essa violência virou norma (nunca normal).
Ou serei eu que me anestesiei por não suportar essas imagens diárias de violação, essas notícias diárias de violências, que são escutadas (nunca aceitas) com a apatia de quem não sabe o que fazer. Como fazer a situação mudar? Que poder tenho eu além do sofrer? E no afã de fazer a dor parar, parei de me surpreender com essa norma que já não é mais nova.
Isso até ver as imagens. Milhares, milhares e milhares de pessoas nas ruas do Rio. Gente que deve ter vivido com ela. Gente que nunca tinha ouvido falar em seu nome. Juntos, formando uma grande massa, eles exigiam que a presença dela, mesmo após sua execução, seja reconhecida. Que sua morte seja investigada. Que seu trabalho siga vivo.
Imagens como essa despertam um sentimento que não se deixa calar. Muito medo por quem está nas ruas. Eles executaram Marielle! E uma admiração pela força de quem luta em vez de se anestesiar. Aceitar o mundo como ele está e gritar por mudanças é ato de coragem. Principalmente em tempos de horrores.
Em meio a essas divagações me pego tentando resolver o problema, como faço com tudo na vida. Como mudar essa norma? Como transformar o país num lugar em que não preciso me anestesiar para suportar?
E a resposta se apresenta. É simples. É fácil perseguir e executar uma. Fica mais difícil quando são milhões. Para que as vozes de pessoas como Marielle sejam livres para gritar, é preciso que todos nós as ecoemos. Não sou eu quem vai resolver tudo. Não é a ação de um de nós que vai mudar o país. São nossas vozes unidas, encabeçadas por lideranças como Marielle, que vão encontrar os caminhos possíveis para chegarmos a um momento em que horrores serão vistos como horrores.
Sinto medo do que pode vir. Das violências que podem tentar nos entregar como se fossem consequências e não causas. E me lembro daquele sentimento que não se deixa calar. De uma revolta que não aceita ser anestesiada.
A quem servimos quando nos deixamos ser silenciados?
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