Todo mundo passa por aquela fase meio desajeitada da adolescência, em que já nos consideramos adultos, mas ainda não conseguimos comunicar isso aos seres que povoam a comunidade a qual pretendemos pertencer. Pode-se chorar, gritar ou espernear, mas, enquanto não aprendemos o discurso padrão, repetido por 98% das pessoas com mais de 20 anos (alguma variação da baboseira “se você não está exausto, não está fazendo direito”), a forma mais fácil de chamar a atenção de forma positiva é a piada.
Brinca-se de tudo. Vale reconhecer as expectativas sobre nós mesmos e ironizar, vale piadas que se transformam em performances para arrancar gargalhadas e vale reconhecer nossos defeitos mais óbvios e convidar os outros a rir deles. O importante é que riam conosco, e não de nós. Ao menos era isso que me explicavam incessantemente nos anos 90.
Ao longo dos anos, a medida em que cresci, restringi o público das minhas piadas. Sem a necessidade adolescente de atenção, comecei a poupar os esforços para os amigos, deixando o silêncio ocupar espaços entre desconhecidos ou colegas de trabalho. E, sem pensar muito no assunto, fui mudando o tipo de piada que fazia. Hoje em dia evito ironizar a vida e ações dos outros – é impossível identificar e evitar os pontos vulneráveis de cada um. Também não tenho a energia adolescente para piadas que exijam performances. Enfim, acabo deixando meus pontos fracos como alvo para o riso. Afinal, são meus. Eu sei até que ponto posso levar o riso sem me machucar.
Era isso que eu pensava até assistir o espetáculo de stand-up “Nanette”, de Hannah Gadsby. A comediante é uma mulher lésbica, nascida numa área radicalmente homofóbica da Tasmânia. Assim como tantas adolescentes, “comprou” com piadas seu bilhete para o mundo dos adultos. E continuou, indo além das piadinhas pontuais. Gadsby se descobriu tão eficaz em arrancar sorrisos que transformou em carreira sua capacidade de rir da criação preconceituosa, da dor de se descobrir lésbica após ter sido criada homofóbica e da agressão física e emocional contra o corpo que não se encaixa nos ideais da feminilidade.
É no programa especial “Nanette”, gravado na Ópera de Sydney e disponível na Netflix, que ela revisita esse passado e repassa alguns episódios traumáticos. E questiona se o stand-up, uma forma de narrativa que deve terminar em gargalhadas, é ideal para transformar trauma em alegria. Ou não seria um jeito de disfarçar sofrimento ao convertê-lo em pequenos cristais de narrativa cômica, arrancando risadas e se impedindo de olhar para a própria dor.
Eu tenho bastante sorte. Apesar de sofrer diariamente com o machismo e misoginia, vivo uma vida aceita por qualquer sociedade do mundo. Ninguém me nega o direito de existir. Ainda assim, senti a dor narrada por Gadsby. Ela está coberta de razão: rir de tudo não é transformar tristeza em alegria. Rir de tudo tem um quê de desespero, de pressa em gargalhar e deixar passar logo. Melhor seguir o conselho de Gadsby e construir outros tipos narrativas a partir dos nossos traumas.
E para quem entende tudo isso como um grande discurso anti-piada e anti-felicidade, não se engane. A melhor forma de comédia continua liberada e sem polêmicas: basta reconhecer expectativas que jogam sobre nós e ironizar.