Você considera Belo Horizonte uma cidade interessada no livro, na literatura e nos quadrinhos?
A relação da capital mineira com os temas se reduz a meia dúzia de estátuas de escritores e viadutos com seus nomes, se formos considerar a opinião de certas pessoas. Para outros, poderia-se incluir aí alguns grandes eventos, como a Bienal do Livro de Minas, o Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI-BH) e o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ-BH). E pronto. Acabou-se. A partir daí é só música, teatro, arte e cinema.
Esse cenário tem um quê de trágico. Coloca a cidade distante de sua tradição de amor às letras, à ficção, à poesia e à narrativa não ficcional. Obviamente, não é todo mundo que concorda com essa visão. Ao longo dos últimos anos, quem enxerga as possibilidades editoriais da cidade decidiu tomar atitudes para mudá-lo. E surgiram clubes de leitura, saraus, feiras de publicações, oficinas de escrita, edição, editoração e leitura, além dos lançamentos e bate-papos.
Eu mesma sou uma dessas pessoas. Em 2016, convidei amigos e conhecidos para fazer a revista “Chama”, publicação impressa dedicada ao livro e à literatura. O resultado do esforço foi um pouco diferente do que eu esperava. A revista, mais do que um veículo de comunicação em que um lado escreve e o outro lê, se tornou um canal de comunicação de via dupla, que me colocou na posição de ouvir o que outras pessoas pensam sobre essa cena.
Foi aí que percebi o quanto a cidade é rica de iniciativas relacionadas ao livro, à literatura e ao quadrinho. Assim como a grande dificuldade de quem publica livros é divulgar e distribuir as obras, todo o pessoal que decidiu organizar encontros e eventos que giram em torno do livro acaba preso dentro de uma bolha de amigos e conhecidos, só conseguindo romper essa fronteira com um tremendo esforço.
O negócio é que a vida literária de BH tem um caráter pulverizado. São dezenas de pequenos eventos todas as semanas e alguns grandes por mês. Quem não mantém um contato direto, com ouvidos atentos, fica sem saber da programação. Ou pior, só descobre depois que já aconteceu. Considerando que a própria produção do evento costuma ser feita sem financiamento ou com pouquíssimo apoio, não é surpresa que a notícia de que esses encontros vão acontecer nem sempre alcança seu público.
É pensando nisso que a “Chama” começou uma nova etapa no último mês. Estamos fazendo uma newsletter semanal, um inventário de todos os eventos, lançamentos, clubes do livro, saraus etc da cidade. Ela é gratuita e pode ser assinada em www.revistachama.com/newsletter.
Ainda não é uma solução em grande escala para essa lacuna. Muita gente que poderia viver essa faceta da cidade de forma mais intensa sequer vai ficar sabendo dessa efervescência editorial. Mas é uma forma de começar a mudar a percepção de quem ainda não sabe do prazer de descobrir gente que ama ler se encontrando pertinho de casa, descobrir um livro sobre o pessoal que morou ali na rua de cima, descobrir um outro jeito de viver o texto que não se resume à leitura em solidão. É mais um passo para mostrar o quanto Belo Horizonte é, sim, uma cidade interessada no livro e na literatura.