São claros os indícios de que a estabilização da economia brasileira tende a ocorrer mais rapidamente que a recuperação da credibilidade política e moral das instituições nacionais. Estabilização econômica, no entanto, não significa desenvolvimento sustentável e superação do subdesenvolvimento, mas apenas uma etapa desse processo, constantemente ameaçado pela desordem política e social. Como dizia Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento não ocorre de uma hora para outra, é obra de séculos.
A instauração de uma democracia plena e o aperfeiçoamento das instituições político-jurídicas encontram obstáculos exatamente entre as oligarquias, que se opõem às reformas necessárias a esse aperfeiçoamento. A solução estaria no voto, no saber votar, diz o senso comum. Ora, não há como saber votar se, entre os candidatos a cargos políticos, os espertalhões superam em número, eloquência e poder de convencimento os cidadãos de bem. A solução seria a criação de barreiras à candidatura de notórios predadores, mas isso também encontra resistência entre os legisladores, que, em sua maioria, recusam-se a votar matérias que contrariem seus interesses privados, vale dizer, o saque continuado aos cofres públicos.
Ora, se é verdade que a representação política espelha a sociedade, é fácil concluir que nossas mazelas são de natureza cultural. Mas também a cultura não se transforma da noite para o dia e, se não é obra de séculos, depende de esforços que se estenderão por décadas.
A incipiente difusão das relações de mercado na sociedade brasileira determina nosso estágio civilizacional. Somos um povo alegre, infantilizado e, ao mesmo tempo, violento, tal como sói acontecer em sociedades primitivas.
A cultura de um povo não cai do céu. Tampouco apresenta o caráter atávico sugerido pelos antropólogos. Sendo a cultura decorrente de relações econômicas e políticas estruturais, ela tende a se modificar com a evolução dessas estruturas. É nesse sentido que se pode dizer que, na modernidade, a expansão e consolidação das relações de mercado foram responsáveis pela emergência da cidadania plena, traduzida no respeito à soberania, à autonomia e à liberdade das outras pessoas, além, é claro, do respeito aos valores essenciais à cooperação social.
Alguém tem dúvida de que nossos hábitos e práticas cotidianas carecem desses elementos indispensáveis à convivência civilizada? A esta altura, creio não ser desprezível o papel do chamado “marxismo cultural” na formação de uma mentalidade nacional que privilegia o estatismo, o coletivismo populista e a dependência do indivíduo em relação ao Estado. Como já dizia Bernard Shaw, “liberdade significa responsabilidade. É por isso que a maioria dos homens tem pavor dela”.
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